Alfabetizar significa ensinar o funcionamento do código alfabético. Esse ensino inclui uma série de conhecimentos (por exemplo, nome e forma das letras, ordem alfabética) e de habilidades (consciência fonológica, consciência fonêmica, princípio alfabético e as correspondências grafema-fonema).
Ler é diferente de aprender a ler. Ler implica um conjunto de outras habilidades, especialmente relacionadas com a compreensão. Aprender a ler é o processo que permite à pessoa ler com autonomia – mas não é suficiente para assegurar a compreensão.
Escrever é diferente de redigir. Na alfabetização o aluno aprende a escrever, ou seja, transcrever por escrito uma palavra. Redigir implica compor um texto, respeitando outras regras de estruturação, gêneros, linguagem, etc. É um processo muito mais complexo – mas que pode ser iniciado desde a pré-escola de maneira oral.
Há um conjunto de conhecimentos prévios que facilitam o processo de alfabetização, e que normalmente são adquiridos nas famílias que estimulam o desenvolvimento do vocabulário, da linguagem e da leitura – ou na pré-escola. Os conhecimentos mais importantes são o conhecimento das letras, a identificação de rimas, a ideia de que palavras são uma forma gráfica de representar a realidade, diferente de outras representações, como por exemplo o desenho. Também se incluem nesse reportório a consciência fonológica, as características físicas de um livro e a forma como palavras, frases e textos são dispostos no mesmo. Também é necessário desenvolver as habilidades motoras finas e iniciar o treino na caligrafia. Além desses conhecimentos, o gosto e hábito pela leitura são fundamentais para motivar a criança para aprender a ler.
A estratégia comprovadamente mais eficaz para ensinar o código alfabético consiste em ensinar o princípio fônico, ou seja, associar os fonemas com os grafemas (letras ou dígrafos) que os representam. A alfabetização é mais eficaz quando os fonemas e grafemas são apresentados de maneira sistemática e explícita. Sistemática significa seguir uma determinada ordem, de acordo com o critério estabelecido pelo autor (ou pelo professor). Normalmente as práticas que vão do mais simples para o mais complexo são as mais eficazes. Explícito significa que cada relação entre fonema e grafema precisa ser explicitada e exercitada até o seu reconhecimento automático. A partir do ensino de algumas dessas associações – ou relações – as crianças adquirem o Princípio Alfabético, ou seja, entendem que a relação de fonemas com grafemas obedece a algumas regularidades. A maioria das crianças precisa de apoio sistemático para aprender todas as relações. Algumas crianças – muito poucas – são capazes de deduzir, inferir e adquirir as demais relações por conta própria, por meio de auto-ensino.
O ensino do código alfabético garante que a criança associe pelo menos um grafema para representar os 31 fonemas da Língua Portuguesa. O ensino da ortografia vai ensiná-la as correspondências que são válidas dependendo da palavra e da ordem em que ocorrem na palavra. O conhecimento da ortografia, da morfologia e da semântica vão permitir o desenvolvimento dessas competências ao longo das séries seguintes.
Como avaliar. O aluno pode ser considerado como alfabetizado quando é capaz de ler e escrever, ou seja, escrever uma palavra usando os grafemas adequados e ler uma palavra escrita pronunciando-a da forma correta. Testes adequados devem incluir a leitura de palavras, pseudopalavras e de frases simples. Também devem incluir a inversão fonêmica, ou seja, ler palavras de trás para diante – o que demonstra, de forma incontestável – que o aluno é capaz de usar as regras do código alfabético. As habilidades relativas à alfabetização podem ser ensinadas e aprendidas até o final do 1o ano do ensino fundamental.
Fluência de leitura. Além de alfabetizar e, ao longo do processo de alfabetização, o aluno precisa desenvolver competências de fluência de leitura. Esse tópico é tratado de maneira separada pois requer conteúdos, materiais e métodos diferenciados. Além disso, o ensino da fluência deve continuar pelo menos até o final do ensino fundamental.
Vocabulário e outras competências linguísticas. Além de alfabetizar – e em paralelo, mas não no mesmo momento – os alunos do 1o ano precisam desenvolver o vocabulário e outras competências linguísticas – inclusive a ortografia, o conhecimento das regras de pontuação e, progressivamente, da morfologia e sintaxe. E, para isso, precisam ouvir textos muito mais complexos do que é capaz de ler sozinho. Portanto, o programa do 1o ano não se esgota na alfabetização, mas esta deve ser realizada em momentos diferentes e usando materiais e métodos diferentes. Caba observar que competências orais de linguagem começam e se desenvolvem desde os primeiros dias de vida e fazem uma enorme diferença no desenvolvimento da linguagem.
Definições Importantes
Alfabeto: sistema de escrita em que os caracteres (grafemas) individualmente (letras) ou em grupos (dígrafos) representam fonemas (menores unidades sonoras da língua). Em outras palavras, o alfabeto é um código que transcreve os elementos sonoros da fala (fonema) em sinais chamados grafemas (letras ou conjunto de letras como ch ou rr).
Alfabetização: o processo intencional de alfabetizar, ou seja, ensinar o funcionamento do código alfabeto.
Alfabetizar: ensinar a ler e escrever, isto é, ensinar as regras de funcionamento do código alfabético – as correspondências entre grafemas e fonemas que representam os sons da fala.
Alfabetizado: indivíduo que é capaz de ler e escrever, isto é, extrair o som de uma palavra ou pseudopalavra escrita e vice-versa.
Código ortográfico: conjunto de regras que trata das correspondências grafema-fonema e fonema-grafema. Essas regras podem ser independentes da posição do grafema nas palavras ou dependentes da posição ou do contexto (ex. a palavra “pelo” pode ser pronunciada com o “e” aberto ou fechado dependendo do contexto).
Consciência fonológica: consciência dos sons da língua como diferentes de outros sons (onomatopeias, por exemplo).
Consciência fonêmica: consciência de que a palavra é constituída por diferentes componentes de nível inferior ao da sílaba (os fonemas).
Decodificação: procedimento intencional e sequencial para converter uma sequência de letras (palavra escrita) em uma forma fonológica (uma palavra falada). O termo correto é decodificação grafofonológica. A decodificação é o elemento central e o objetivo do processo de alfabetização: alfabetizar é ensinar a decodificar. O indivíduo alfabetizado é capaz de decodificar (qualquer) palavra usando os procedimentos adequados.
Escrever: transformar uma palavra oral na sua representação ortográfica. Escrever difere de redigir, que implica a produção de uma palavra, frase ou texto.
Fonema: a menor unidade fonológica que permite distinguir o significado (/P/ e /M/ são fonemas que nos permitem distinguir Pato e Mato). Existe uma notação adequada para indicar os fonemas, para simplificar usamos aqui / /
Fonética: estudo dos componentes da linguagem relativos aos sons que constituem a fala, e que são pertinentes do ponto de vista das distinções perceptivas e produtivas em uma determinada língua.
Fonologia: estudo dos componentes da linguagem relativos aos fonemas, isto é, às unidades abstratas subjacentes à expressão sonora da fala e às regras de organização dessas unidades
Grafema: unidade gráfica correspondente ao fonema. O grafema pode ser constituído por uma letra (“x” ou mais de uma “ch”).
Fluência ou fluência de leitura: facilidade, em termos de precisão e rapidez, na reprodução oral da sequência de palavras escritas presentes em uma lista ou em um texto conectado.
Ler: extrair o som de uma palavra escrita. Ler é diferente de compreender, que implica identificar o significado da palavra no contexto e fora dele.
Léxico mental: conjunto de representações mentais que um indivíduo possui das palavras da língua, sem especificação de sua forma particular.
Léxico fonológico: conjunto de representações mentais que um indivíduo possui da forma fonológica das palavras.
Léxico ortográfico: conjunto de representações mentais que um indivíduo possui da forma ortográfica das palavras (ou, dito de outra forma, de sua expressão visual).
Léxico semântico: conjunto de representações mentais que um indivíduo possui do significado (ou conteúdo semântico) das palavras.
Métodos fônicos: métodos de ensino da leitura baseados na explicitação e ensino do princípio alfabético, das correspondências grafema-fonema e das outras correspondências grafofonológicas.
Método da silabação: métodos de ensino de leitura baseados na decomposição da palavra em sílaba e da sílaba em letras (também conhecido como método do bê-a-bá). O “método Paulo Freire”, desenvolvido para a educação de adultos no início dos anos 60, se baseia na silabação: as palavras-chave, escolhidas mediante pesquisas no ambiente sociocultural dos alunos, depois de discutidas (conscientização), eram decompostas em sílabas e as sílabas decompostas para formar novas sílabas e novas palavras.
Método construtivista: a rigor não existe um método construtivista. As propostas do construtivismo e da teoria do “whole language” minimizam a importância do ensino sistemático e explícito das relações fonema-grafema e pressupõem que a criança irá aprender de maneira natural, acidental ou incidental essas relações.
Ortografia: conjunto dos grafemas e das regras que determinam suas combinações possíveis para representar as palavras da língua. A ortografia de uma palavra é a sequência de suas letras e fonemas.
Ortografia transparente e opaca: a ortografia de uma língua é transparente quando a escrita de todas ou quase todas as suas palavras é determinada por regras. A ortografia é opaca quando a escrita de muitas de suas palavras não obedece só a regras. A ortografia da Língua Portuguesa situa-se entre as de baixa opacidade – francês e inglês são muito mais opacas.
Palavra irregular: a palavra é irregular quando sua ortografia não é inteiramente determinada por regras ortográficas. Há pouquíssimas palavras irregulares na Língua Portuguesa.
Princípio alfabético: princípio de representação dos fonemas da língua por letras ou grafemas. O alfabeto é um sistema de escrita em que os caracteres, individualmente ou em grupo, representam fonemas. Isso é válido mesmo se o código ortográfico introduzir uma variabilidade considerável na relação grafema-fonema.
Pseudopalavra: sequência de fonemas (pseudopalavra oral) ou de letras ou grafemas (pseudopalavra escrita) que obedece às regras de formação das palavras da língua, mas que não possui significado na língua. Uma outra forma de definir: são palavras que poderiam existir de acordo com as regras da língua, mas não têm sentido (embora possam vir a ter). A palavra “vuvuzela” era pseudopalavra até que na Copa do Mundo de 2010 aprendemos o seu sentido. As pseudopalavras constituem um meio seguro para avaliar se a criança dominou o código alfabético e se é capaz de utilizar essas regras para ler e escrever (se a criança conhece a palavra “de cor” não ficamos sabendo se ela domina o código).
Representação fonética: representação dos sons da fala e de suas características susceptíveis de diferenciação na percepção ou na produção desses sons.
Representação fonológica: representação das unidades e das estruturas abstratas subjacentes à expressão sonora da fala.
Representação lexical: representação mental das palavras sem especificação de sua forma superficial (fones, isto é, unidades fonéticas/letras) ou abstrata (fonemas/grafemas) ou de seu conteúdo (morfemas e lexemas, isto é, palavras vistas só em termos de seu conteúdo semântico). Representação ortográfica: representação da sequência de grafemas de uma expressão da fala e de sua organização em unidades maiores.
Sílaba: unidade da fonologia que corresponde a uma emissão de voz facilmente separável das emissões de voz adjacentes e que, em geral, é separada das outras por uma queda de energia acústica.
Valor fonológico da letra: pronúncia da parte crítica do nome da letra que evoca o fonema que ela representa. Por exemplo /ffff/ para letra F.
Referências básicas: Dehaene, S. Os neurônios da leitura. Porto Alegre: Penso, 2012 Morais, J. J. Criar Leitores – para professores e educadores. São Paulo: Manole, 2013.Oliveira, J.B.A.. (Ed.) Alfabetização Infantil: novos caminhos. Relatório apresentado na Câmara Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2003.Oliveira, João Batista A. ABC do Alfabetizador (2004). Belo Horizonte: Instituto Alfa e Beto.Oliveira, J.B.A. Brazil: Why José Can’t Read. (2015) In Schwartzman (Ed.) Education, South America. Londres: Bloomsbury Publ. Co. (97-117), 2015 |
O que o Instituto Alfa e Beto oferece:
Programa Alfa e Beto de Alfabetização:
Alfabetização. Em Que Consiste. Como Avaliar:
Coleção ABCD de Língua Portuguesa
Alfabetização de Crianças e Adultos: Novos Parâmetros