Repetência, desinteresse, evasão, currículo engessado, professores pouco capacitados. A lista de problemas do Ensino Médio brasileiro, área considerada o grande gargalo da educação atualmente, é longa. É o que alavanca a média de desistência escolar no País, cerca de três vezes maior do que na Europa. Enquanto o Ensino Fundamental cresce a olhos vistos e as taxas de alfabetização entre crianças sobem, o número de adolescentes de 15 a 17 anos que desiste de estudar aumenta drasticamente a cada ano. Hoje já são 1,7 milhões, 16% da população dessa faixa etária, a indicada para ocupar as carteiras do Ensino Médio. Diante do quadro alarmante, o governo brasileiro tomou uma decisão de urgência. Na quinta-feira 22, anunciou uma medida provisória para reformar todo o ciclo de maneira revolucionária. É a maior mudança na educação nacional dos últimos 20 anos, desde a instauração da Lei de Diretrizes e Bases, que norteia o ensino. Além das disciplinas obrigatórias, a ideia é possibilitar ao aluno escolher se aprofundar nas áreas com as quais têm mais afinidade, tornando, assim, o estudo mais atrativo. Há também a preocupação de ampliar o ensino integral. Segundo o presidente Michel Temer, um novo tipo de escola vai surgir a partir desse projeto. “Os jovens poderão escolher o currículo mais adaptado à vocação. Serão oferecidas opções e não mais imposições”, disse.
O que muda Medida provisória do “Novo Ensino Médio” é a maior reforma na educação nos últimos 20 anos Disciplinas obrigatórias Em um primeiro momento, o governo afirmou que artes, educação física, filosofia e sociologia deixariam de ser obrigatórias. Depois, em um nota, esclareceu que não vai excluir nenhuma matéria e que isso será definido pela Base Nacional Curricular Comum, que deve ser concluída em 2017Carga horária As 800 horas de aula serão ampliadas progressivamente para 1,4 mil. Ainda não tem especificação sobre aumento dos dias letivos, que hoje são 200. A ideia é ampliar o ensino integralProfessores Precisam ter diploma técnico ou superior em áreas da pedagogia. Com a mudança, as instituições poderão contratar “profissionais de notório saber Ensino técnico Vestibular |
Segundo Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos pela Educação, o formato do Ensino Médio no Brasil é uma situação única no mundo. “Nossos vizinhos da América, os Estados Unidos, a Europa… Ninguém mais segue o modelo que temos aqui”, diz. O formato é ineficaz, pois não tem a ver com as necessidades dos alunos, que nessa fase já vislumbram um futuro profissional com a proximidade da entrada na faculdade ou mesmo já estão inseridos no mercado de trabalho. É o contrário do que acontece no Ensino Fundamental, área de maior avanço da educação brasileira. Enquanto os primeiros anos estão voltados para a alfabetização e para as necessidades das crianças, a educação para os adolescentes está totalmente desconectada da realidade deles. “É preciso aproximar as aulas do projeto de vida dos estudantes. Se ele gosta mais da área de exatas, é nela que deve se aprofundar, por exemplo, mas isso não significa que ele não vai aprender os outros conteúdos.” Para Priscila, é impossível ser contra a diversificação. A questão agora é discutir como será implantada. “Há uma discussão muito ampla desde 2013. Colocar isso em prática não é simples, há um desafio muito grande, a troca de experiências entre os secretários de educação precisa ser intensa. O sucesso da proposta depende disso.”
NÍVEL TÉCNICO
A maneira como a proposta foi colocada, como uma medida provisória, dividiu opiniões entre os especialistas. Para muitos deles, deveria haver mais discussão com representantes de entidades educacionais. O governo se justifica dizendo que a mudança é colocada em caráter de urgência porque não se pode mais esperar. Afirma, ainda, que as disciplinas obrigatórias serão definidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a ser concluída em caráter definitivo em meados de 2017. Apenas português, matemática e inglês têm obrigatoriedade garantida. As eletivas, escolhidas pelos alunos, representarão metade da carga horária. O Ministério da Educação (MEC) afirma que não está decretado o fim de nenhuma disciplina. Em um primeiro momento, o anúncio da reforma retirava a obrigatoriedade de artes, educação física, sociologia e filosofia, mas o MEC reitera que a decisão sobre as matérias será tomada somente a partir da BNCC. O regime de tempo integral também entra como prioridade. O objetivo é atender 500 mil novos alunos dentro desse modelo e, para isso, o governo anunciou que vai investir R$ 1,5 bilhão.
Outro ponto de interesse do governo é ampliar o Ensino Técnico. Para o presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Araújo e Oliveira, a medida é de extrema importância, porque garante a possibilidade de o aluno seguir por esse caminho. A longo prazo, contribui para o desenvolvimento do País, uma vez que a economia precisa de profissionais qualificados em nível técnico. Atualmente, a mão de obra que abastece o mercado possui apenas ensino fundamental ou médio. “Precisamos dessa diversificação”, diz. Colocar em prática todos os aspectos propostos pela medida provisória requer tempo, mas dar ao aluno a chance de escolher se deseja cursar o ensino técnico ainda no ensino médio é, segundo o especialista, um dos pontos mais importantes da nova legislação. “O ensino técnico deve ser vinculado ao sistema produtivo e ao setor privado”, diz Oliveira. De acordo com ele, 40% da educação de todos os países do mundo estão focados no mercado de trabalho. “No Brasil há um preconceito com essa modalidade que começa a ser rompido. Uma das funções da escola é preparar o aluno para o trabalho.” As instituições, explica ele, terão uma vocação mais precisa e clara. Em relação à ampliação de 800 horas anuais para 1,4 mil, Oliveira afirma que é necessário priorizar a qualidade do projeto de ensino. “Os países desenvolvidos tem uma média de 800 horas anuais. Então, se for para manter o aluno mais tempo na escola, é preciso uma proposta mais interessante e atraente.”
A medida provisória da reforma do Ensino Médio foi publicada na sexta-feira 23 no Diário Oficial da União. Agora, terá de ser aprovada em até 120 dias pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal para que não perca o efeito. A implementação deve ocorrer efetivamente em 2018. Na opinião do presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação, Eduardo Deschamps, as mudanças devem acontecer de maneira gradativa. A adaptação das instituições ao período integral, que já estava em curso, dependerá da capacidade financeira de cada mantenedor. “Isso se dará dentro da realidade de cada rede, mas algumas receberão um aporte financeiro da União”, diz. “A flexibilização curricular terá mais etapas a cumprir.” Uma base comum de disciplinas obrigatórias será definida e terá de passar pela regulamentação do Conselho Nacional de Educação e dos conselhos estaduais. Após esse período, as escolas terão, segundo ele, um período de seis meses para se adaptar às mudanças propostas. “Em novembro, estamos organizando uma série de seminários em todo o País para ouvir a demanda de alunos e professores”, diz Deschamps. “Apenas demos o ‘start’ no processo.” As principais etapas nesse período de transição serão o ajuste das redes ao período integral, o debate sobre adaptações curriculares, a aprovação pelos conselhos de educação e a implementação. No entanto, alguns aspectos permanecerão em constante debate. Exemplo disso é que as escolas terão modelos e vocações específicas. Será necessário, portanto, pensar em um novo esquema logístico para beneficiar os alunos. “O caminho é longo e surgirão obstáculos que precisarão ser repensados.” O primeiro passo já foi dado.
Como é lá fora O modelo proposto pelo governo é bastante semelhante ao adotado por outros países. Conheça alguns exemplos que se destacamEstados Unidos Há matérias obrigatórias, como matemática e inglês, e adota um formato flexível que permite aos estudantes optarem por outras disciplinas de acordo com os assuntos que têm maior afinidade. É possível escolher aulas que estejam ligadas ao diferentes áreas, como artes, e mais específicas, como direitoCoreia do Sul A escolha pelas optativas se dá a partir do curso que o jovem pretende seguir na universidade. No estilo de ensino vocacional, o foco é bem específico e voltado para o mercado. É possível optar por tecnologia ou agricultura, por exemplo. Há ainda colégios para áreas próprias Finlândia França |
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