Reportagem publicada no jornal Correio Braziliense
A nova fase do processo de discussão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) começou nesta semana. Depois da divulgação da segunda versão do documento pelo Ministério da Educação (MEC), em maio, chegou a hora de municípios e unidades da Federação debaterem as mudanças que ainda precisam ser feitas. O seminário do Distrito Federal ocorrerá em 26 e 28 de julho e entre amanhã e a próxima segunda-feira a Secretaria de Educação do Distrito Federal deve lançar a chamada pública para convocar a população a participar.
Firmino Moreira, assessor da Subsecretaria de Educação Básica da Secretaria de Educação, explica que será feita uma seleção dos candidatos, que terá o resultado divulgado em 20 de julho. A prioridade é para organizações da sociedade civil ligadas ao setor de educação, tanto alunos quanto professores das redes pública e particular de ensino.
O prazo inicial para a realização dos seminários era maio, para que a terceira versão da BNCC ficasse pronta até o fim de junho, como prevê o Plano Nacional de Educação (PNE). No entanto, o MEC estendeu a data, a pedido do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). “Num prazo tão curto, não conseguiríamos dar legitimidade ao processo. Queremos uma participação ampla da sociedade”, diz Firmino.
A orientação para quem vai participar dessa etapa é ler a segunda versão do documento, disponível no site basenacionalcomum.mec.gov.br. O próprio questionário on-line que o participante terá de responder ajudará a orientar a leitura e a avaliação do texto. Entre mediadores, redatores e auxiliares, o seminário do DF deve contar com uma equipe de 40 pessoas. No primeiro dia, haverá a abertura do evento e uma palestra para orientar os outros turnos da discussão. Os participantes serão divididos em grupos de trabalho: um para educação infantil; um voltado aos anos iniciais do ensino fundamental; três grupos temáticos sobre os anos finais do ensino fundamental — códigos e linguagens, ciências humanas e ciências naturais —; mais três para o ensino médio, divididos da mesma forma; e um para debater temas transversais.
Preparativos
No começo desta semana teve início a preparação para os seminários locais. A formação foi organizada pela Undime e pelo Consed e ocorreu na Universidade de Brasília (UnB). Durante o evento, os participantes conheceram a metodologia sugerida para esses encontros. Foi apresentada a estrutura da Base e tratados temas como textos introdutórios e áreas do conhecimento. Os leitores críticos, especialistas que avaliaram o documento preliminar da base, participaram de mesas para discutir as áreas do conhecimento e as etapas da educação referentes à segunda versão. A expectativa é que os seminários locais contem com 250 a 350 participantes, a depender do tamanho da unidade da Federação.
O presidente da Undime, Alessio Costa Lima, acredita que a segunda versão da base tenha atendido à maioria dos pontos criticados durante a consulta pública, uma vez que o documento dobrou de tamanho. “O que vamos analisar agora é a qualidade dessas incorporações”, explica. Apesar de terem pedido a dilatação do prazo, para que a organização das discussões locais fosse mais bem pensada, Lima reforça que o ideal é a discussão não se alongar. “O nosso país requer, há muito, um documento que diga, de forma bem clara, para o profissional de educação, para o aluno e para a família, o que de fato o estudante precisa aprender em cada etapa”, avalia.
Próximo passo
“O fato de a segunda versão ter tido avanços em relação à primeira, traz uma responsabilidade grande para estados e municípios, mas é uma responsabilidade boa, pois mostra que é possível esse aperfeiçoamento”, observa Anna Helena Altenfelder, superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Nessa fase, ela acredita que será preciso olhar com mais atenção para a transição entre as etapas da educação básica. A passagem dos anos inicias para os finais do ensino fundamental, por exemplo, precisa ter objetivos de aprendizagem bem definidos. “É um momento muito delicado. O aluno começa a encontrar muita dificuldade na escola, e isso, mais tarde, vai gerar a desistência que nós vemos no fim do ensino fundamental. Eles precisam de maior organização para os estudos e devem entender a lógica da construção de cada área do conhecimento.”
A preocupação de Anna Helena, no entanto, vai além: a implementação da BNCC. “O avanço que houve da segunda versão em relação à primeira me faz acreditar na qualidade da terceira versão. Ela talvez não seja o que todo mundo espera, mas vai ter qualidade suficiente”, avalia. “Acho que é o momento de se pensar na implementação e prevendo uma revisão nos próximos dois anos pelo menos”, complementa. Segundo ela, é importante que o MEC desenvolva uma política de apoio técnico para esse processo. Apesar do prazo curto, ela acredita que o documento tenha atendido a expectativa. “Acho que algumas áreas encontraram maiores desafios. Mas, de maneira geral, foi um bom saldo.”
Processo contínuo e consolidado
Raph Gomes, membro do movimento pela Base Nacional Comum, acredita que o seminário desta semana foi um passo importante para mostrar a união de estados e municípios. “A metodologia ficou bem legal, e houve abertura para ajustar pontos que não estava claros. Acho que a sensação é de que estamos construindo juntos”, ressalta. Além disso, deixou claro que a base é uma proposta de Estado, e não de governo, pois mesmo com a mudança no Poder Executivo o processo se manteve. “Já foram seis ministros desde o início da elaboração da base e o processo continua intacto. É uma demonstração de um ótimo exercício de política pública. A base não é desse ou daquele governo, a base é da nação”, acrescenta.
Na avaliação do especialista, envolver toda a sociedade na discussão é essencial. “Não dá para ter um grupo de especialistas, por mais gabaritados que sejam, sem que as pessoas possam participar. Quem está fazendo a educação no dia a dia são os professores da educação básica”, diz. Do contrário, ele acredita que há o risco de as pessoas não reconhecerem o documento e de ele acabar esquecido e não adotado em sala de aula.
Nem todos os especialistas da área, no entanto, estão contentes com a forma como a construção da base ocorreu. O presidente do Instituto Alfa e Beto (IAB), João Batista Araujo e Oliveira, critica o processo como um todo, da elaboração do texto ao tempo dado para que ele fosse escrito e discutido. “O que eu espero é que o governo que entrou comece isso do zero, porque foi mal começado”, reclama. Para ele, o Brasil não deveria se lançar, em tão pouco tempo, a um desafio tão grande. Oliveira avalia ainda que as versões apresentadas do documento deixaram muito a desejar e não concorda com a consulta pública. “(O debate) tem que ser feito em foros qualificados, com pessoas qualificadas”, opina.
O presidente da Undime, Alessio Costa Lima, reconhece a importância do conhecimento acadêmico, mas reforça que todos devem ter a chance de ser ouvidos. Ele lembra ainda a participação da UnB, que foi responsável por analisar as 12 milhões de contribuições recebidas durante a consulta pública, categorizando cada uma e selecionando as mais relevantes para incluir na segunda versão. “Foi um trabalho muito importante para que as pessoas que participaram se sentissem respeitadas.”