Assim como ocorre com a compreensão da leitura, a escrita pode ser erroneamente vista como um processo simples, uma espécie de “transposição da fala para o papel”. No entanto, a realidade é mais complexa. Para a escrita acontecer, é necessário o domínio dos sons da fala (os fonemas), que precisam ser transformados em padrões de ortografia (os grafemas). Juntos, os grafemas formarão as palavras e, por isso, a escrita também exige conhecimento do vocabulário da própria língua – algo que começa a ser adquirido antes mesmo da escolarização.
Mesmo dominando esses aspectos ferramentais da escrita, muitos alunos apresentam dificuldades para criar seu próprio texto. E quando se fala em ajudá-los a escrever melhor, não é raro escutar que “o segredo está na prática constante”. Disso, não há a menor dúvida. Entretanto, há outros fatores que são igualmente responsáveis por um bom texto, mas que não estão diretamente ligados ao ato de colocar palavras no papel.
Estes aspectos são apresentados no segundo capítulo do livro Ensino da Língua: o que dizem as evidências, produzido a partir das palestras de Roger Beard, da Universidade de Londres, durante VIII Seminário Internacional do Instituto Alfa e Beto. Na publicação, o especialista em ensino da língua mostra, com base em evidências, o que é importante para o ensino da escrita e revela que, além de muita prática, também é necessário atentar para outros fatores que podem estar interferindo nesse processo, seja em casa ou na escola.
Com base na publicação, traçamos recomendações surpreendentemente simples para ajudar professores e famílias a promover a fluência da escrita entre as crianças. São hábitos que podem começar desde cedo, nos primeiros anos da vida escolar, e serem seguidos por toda a vida.
Na escola: o que fazer antes de colocar os alunos para escrever?
Antes de começar a escrever, os alunos devem ser incentivados a fazer uma reunião de pensamentos, momento conhecido como brainstorming. Pensar no objetivo do texto, traçando um esquema do que será dito no começo, meio e fim é algo que os escritores conceituados também fazem e é essencial para garantir coerência no discurso.
As evidências apontadas pelo professor Beard no livro mostram, porém, que muitas vezes os alunos acabam “escrevendo por escrever”, sem saber exatamente a finalidade do texto. Por isso, um bom trabalho de escrita na escola deve incentivar os alunos a ter três atitudes antes de colocar o lápis no papel – ou os dedos no teclado:
- Pensar sobre a finalidade da escrita
- Planejar o quê e como dizer
- Entender o que o leitor precisa
Em sala, esse brainstorming pode ser feito de maneira coletiva ou individual, oral ou escrita, dependendo do objetivo do professor com a tarefa. O foco deve ser sempre facilitar o processo que virá depois, permitindo que a criança demonstre mais fluência na escrita sem interrompê-la a todo instante para pensar nesses aspectos estruturais do texto.
Em casa: como os pais podem ajudar?
Existem fatores externos à escola que também interferem no desempenho dos alunos em relação à escrita, e que podem ser responsáveis por boa parte do seu engajamento em produzir textos. Isso foi apontado em um estudo da Universidade Harvard. Nele, as pesquisadoras Jeanne Chall e Catherine Snow coletaram textos narrativos e de escrita descritiva de crianças de sete, nove e onze anos de idade, e repetiram o processo um ano depois. O estudo foi realizado com famílias de baixa renda, que tinham recursos materiais limitados e que muitas vezes viviam em casas superlotadas.
Após analisar as atitudes das famílias e compará-las com o desempenho das crianças nos textos, elas puderam concluir que a qualidade da escrita está relacionada a uma série de ações que ocorreram em lares que, apesar das dificuldades enfrentadas, criaram circunstâncias para ajudar as crianças a se tornarem bons alunos. Essas práticas estavam relacionadas com:
- Definir regras para as crianças, por exemplo, limitar tempo em que podem assistir TV
- Assegurar a pontualidade e frequência das crianças nas escolas
- Cumprir os compromissos assumidos
- Manter a casa razoavelmente limpa e organizada
- Organizar atividades pós-escolares variadas para as crianças
Como se pode ver, há muitos fatores que podem ajudar as crianças a ter melhor fluência na escrita e que não dependem apenas do quanto elas escrevem. A prática deve ser sempre influenciada, mas ela será facilitada se os adultos atentarem para esses outros aspectos.
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Confira 8 estratégias para trabalhar a compreensão da leitura
Leia duas entrevistas com o especialista Roger Beard sobre o tema:
- Não se aprende a escrever (só) escrevendo: ensino da escrita é desafio mesmo para países com bom desempenho em educação
- Ensino da gramática é mais eficaz quando associado ao ensino da escrita