Reportagem publicada no site do jornal Gazeta do Povo.
As próximas gerações tendem a ter uma educação precária, o que pode a reproduzir a pobreza, por causa da menor qualidade dos novos professores. A constatação é do boletim “Perfil dos futuros professores”, divulgado pelo IDados no fim de abril. De acordo com o documento, as faculdades de Pedagogia no país atraem anualmente mais estudantes de escolas fracas e com desempenho ruim no ensino médio – o contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, em que os futuros docentes são recrutados entre os melhores alunos.
“O cenário é complexo e são vários os motivos pelos quais isso acontece”, explica Paulo Rocha e Oliveira, presidente do IDados, entidade ligada ao Instituto Alfa e Beto. “O fato é que os cursos de Pedagogia não atraem os melhores alunos, são fáceis de entrar, as notas de corte são baixas e passam a ser a porta mais fácil de acesso dos menos qualificados ao ensino superior”, comenta.
De 2005 a 2014, a quantidade de matrículas nos cursos de Pedagogia de alunos de baixa renda familiar (de até três salários mínimos) duplicou, chegando a 83%. Do total em 2014, 59% tinham mães com escolaridade de até a 4ª. série e 78% estudavam à noite. Essa parcela da população, mostra o levantamento, tem notas abaixo da média geral no Enem, que já é um índice baixo.
Já em relação à prova de conhecimentos gerais do Enade, mais associada ao nível cognitivo dos alunos do que ao conteúdo específico, comparados a alunos de outros cursos, como o de Engenharia, os estudantes de Pedagogia têm resultados inferiores. As notas da prova variam de 0 a 100 e os novos professores, desde 2005, não conseguem atingir a marca de 50 pontos.
O estudo aponta também que em nenhuma região do país existe uma política para atrair melhores estudantes para o magistério.
Professores ideais x preocupação social
Em países como Finlândia, Coreia do Sul e Polônia, só pode ser educador aquele que foi um excelente aluno, com notas muito acima da média no ensino médio, principalmente em português, matemática e ciências, disciplinas avaliadas nos testes internacionais, especialmente no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) – nas quais o Brasil tem ficado sempre nos últimos lugares.
Estudos, como os realizados pelo pesquisador Eric A. Hanushek, da Universidade de Stanford, cruzam a qualidade dos professores com a melhora no ensino e o crescimento econômico desses países. Professores mais qualificados conseguem melhorar a qualidade profissional e cultural das próximas gerações e, com isso, o nível socioeconômico da população em geral.
No Brasil o quadro é mais complexo já que as políticas sociais necessárias de inclusão – como o Fies e o ProUni – podem ser contraditórias se, ao mesmo tempo que abrem mais vagas nos cursos, não investem também na atração de melhores alunos ou em iniciativas capazes de consertar falhas na educação básica dos ingressantes.
“A primeira coisa que é preciso refletir ao ver os resultados de uma pesquisa como essa é ver que tipo de pessoa queremos atrair para o magistério, sem distorções e sem deixar para trás avanços sociais”, explica Paulo Oliveira.
Para a professora Araci Asinelli da Luz, doutora em Educação e professora na UFPR, o foco principal não deve ser tanto a origem dos alunos, mas os investimentos feitos pelo poder público para melhorar tanto a universidade quanto as condições de trabalho dos professores, para atrair os mais aptos. “Não existem pesquisas do motivo pelo qual os estudantes escolhem Pedagogia, mas sabemos que muitos deixam de optar por ela porque o professor não tem reconhecimento nem boas condições de trabalho”, afirma.
Desvalorização
Dados da OCDE de 2015 mostram que, entre 30 países, o Brasil é um dos que pagam os piores salários para os professores, ficando à frente apenas da Hungria e da Indonésia. Os professores brasileiros são também os que têm mais alunos em sala de aula e com menores recursos para infraestrutura.
“Os alunos que teriam vocação para o magistério muitas vezes são desestimulados pela própria família pelas condições precárias da profissão, baixos salários e descaso do poder público”, lamenta Dora Megid, diretora da Faculdade de Educação da PUC-Campinas. “Acredito no potencial dos alunos de baixa renda, que conquistam resultados brilhantes em faculdades bastante exigentes, mas se não houver algum incremento nas condições de trabalho, esses mesmos estudantes acabam deixando de lecionar”, alerta.