É passada a hora de encararmos o debate e de entendermos, como sociedade, que a educação é o único caminho possível em direção ao país que almejamos construir. A educação ainda não muda voto – ou se muda, ainda é pouco –, mas a cada novo pleito renovam-se as oportunidades de este, enfim, ser um tema prioritário para além do discurso pasteurizado dos candidatos.
O país avançou muito na quantidade e oferta de vagas nas últimas décadas. Mas avançou muito pouco na qualidade, e, menos ainda, na equidade. Há muito o que fazer em educação e os recursos são cada vez mais escassos. Os obstáculos, imensos. Há forte pressão por todos os lados e os consensos são cada vez menores – ou, quando existem – refletem mais interesses corporativos.
Estudo da consultoria internacional McKinsey, publicado em 2017, sugere que das mais de 200 reformas em sistemas educativos nos últimos 30 anos, pouco mais de 10% deram resultados significativos. Mas, dentre essas, a maioria começa a dar resultados em prazos de cinco a seis anos. Todas essas têm várias características em comum. O mais importante é atacar os problemas de baixo para cima, um de cada vez, usando estratégias adequadas ao momento em que se encontra o sistema educacional – e não copiando o que há de mais avançado em outros sistemas.
Financiamento da educação, capital humano e produtividade, Primeira Infância, professores, reforma do Ensino Médio, Base Nacional Comum Curricular e Ensino Superior são questões fundamentais para o Brasil que precisam ser respondidas por aqueles que querem liderar o país. Saber como o seu candidato se posiciona em cada um desses temas é um indicativo relevante de como ele enxerga a educação e o que podemos esperar de sua possível vitória.
Segue abaixo um guia com 12 perguntas que deveriam ser respondidas pelos candidatos a presidente, a fim de que possamos avaliar o conhecimento e as propostas deles para a área de educação.
Uma versão deste documento foi elaborada pelo presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Araujo e Oliveira, por solicitação da Associação dos Jornalistas da Educação (JEDUCA), com o objetivo de enriquecer e contribuir para o debate eleitoral e o fortalecimento da educação como tema central das Eleições 2018. Versão semelhante também foi enviada aos economistas-chefe de pré-candidatos.
Em seu blog no portal Veja Online, João Batista Oliveira vem escrevendo desde o dia 7 de julho sobre as questões fundamentais da área de educação que deveriam ser consideradas e debatidas pelos candidatos em uma série de posts intitulada “Os presidenciáveis e a educação”. Ao todo, serão 13 posts.
Financiamento da educação: como ficam as contas públicas?
Estados e municípios encontram-se à beira de colapso fiscal. Os custos da educação continuam aumentando, apesar da redução demográfica. A mudança demográfica, por sua vez, sugere pressões por mais gastos para saúde e idosos. A implementação do PNE – Plano Nacional de Educação exigirá investimentos ainda maiores. A vigência do FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica prescreve em 2020. O PIB – Produto Interno Bruto está sob forte ameaça de desaceleração. Neste cenário, há um conflito entre a realidade econômica (crise), leis (Lei do Piso, PNE vs. Lei do Teto), orçamento público (Lei de Responsabilidade Fiscal) e as pressões por mais gastos. Por outro lado, há gigantescas ineficiências.
Educação, capital humano e produtividade: como esses três eixos se articulam no futuro governo?
As políticas de educação são pensadas como gastos ou como políticas sociais, e ficam a cargo de educadores e dos políticos que votam leis, usualmente sob forte pressão das corporações. Os educadores privilegiam a educação como fator de desenvolvimento individual, mas não levam em conta a contribuição da educação para a formação do capital humano, necessário para o desenvolvimento do país. Não há articulação entre a política econômica, estratégias de financiamento, políticas de inovação, Ciência & Tecnologia e as políticas de educação. A baixa taxa de crescimento da economia e o aumento da população escolarizada vêm reduzindo sensivelmente as taxas de retorno para os egressos do Ensino Médio, aumentando os custos de oportunidade e reduzindo a motivação para que os jovens, especialmente os de nível socioeconômico mais baixo, concluam essa etapa de ensino.
Primeira Infância e Educação Infantil: quais as propostas e como elas serão financiadas?
Hoje sabemos que investir de forma correta na Primeira Infância é o melhor investimento que um país pode fazer no desenvolvimento humano. Os efeitos da pobreza e os fatores de risco a elas associadas poderiam ser atenuados com políticas eficazes. Na área de saúde e assistência social, os serviços para os mais carentes são os de pior qualidade e mais difícil acesso. As atuais propostas do governo para a educação infantil são muito distantes do que recomendam as evidências e melhores práticas. No todo, as políticas são focadas nas categorias e programas – e não nas pessoas e famílias.
O Brasil ainda não tem uma política para a Primeira Infância. Possui algumas ações na área de saúde, o embrionário programa Criança Feliz e creches com financiamento do MEC – Ministério da Educação. Nos níveis atuais da qualidade desses programas, nada disso irá transformar a vida das pessoas, especialmente das mais pobres.
Política para juventude: como cuidar da geração NEM-NEM?
O Brasil tem um contingente expressivo de jovens de 15 a 29 anos com baixo nível de escolaridade e poucas habilidades adequadas para o mercado de trabalho, pelo qual são fortemente penalizados. Os programas existentes para promover a volta à escola ou programas emergenciais de altíssimo custo, como os cursos de EJA – Educação de Jovens e Adultos e PRONATEC, produzem resultados pífios.
O grupo dos chamados NEM-NEM é cada vez maior e suas chances de reinserção no mercado de trabalho e na sociedade são cada vez menores. Independentemente de medidas voltadas para o futuro, essa geração está ameaçada de ficar permanentemente à margem da sociedade.
Terceira idade: o capital humano do futuro
O Brasil está completando sua transição demográfica e em breve terá um contingente de cidadãos com mais de 60 anos superior ao grupo com até 20 anos. O contingente de idosos vai crescer muito mais do que o de jovens. Idosos custam mais para o sistema de saúde e previdência. Sua manutenção e inserção no mercado de trabalho é complexa – e nas próximas décadas, o nível educacional desse contingente deverá continuar muito baixo. Os países desenvolvidos vêm criando políticas para a terceira idade, que incluem ajustes nas políticas de previdência e assistência social, no sistema de financiamento da saúde, no acesso e permanência no mercado de trabalho – o que requer, inclusive, intervenções de qualificação e requalificação da mão de obra -, bem como na legislação trabalhista.
Educação básica: como o governo irá atuar?
É consenso que o MEC possui uma estrutura cara, gigantesca e ineficiente. Ele é ineficiente para regular e também para operar suas próprias agências e seus programas. E, pelos resultados desses programas, também é ineficaz. Apesar de suas enormes diferenças, estados e municípios são tratados da mesma forma – um enorme peso burocrático. O governo federal atua diretamente junto a escolas, municípios e estados, além de operar sua própria rede de escolas (técnicas). O pacto federativo previsto na Constituição não passa de letra morta. Embora existam os “programas” para disciplinar repasses de recursos, na prática o sistema de “balcão” nunca foi extinto – continua a peregrinação de prefeitos em busca de recursos.
Professores: como fica a questão do magistério para a educação básica?
O Brasil encontra-se numa transição demográfica. Levando em conta a transição demográfica e o estoque atual, há um excesso de professores. Todos os diagnósticos convergem para o fato de que (a) a maioria desses professores possui condições de formação inadequada para o magistério e (b) as estratégias usuais de capacitação, embora gozem de enorme popularidade nas universidades públicas e entre educadores, apesar de não darem resultado.
Só existe um consenso neste quesito: a qualidade de qualquer sistema educativo nunca é melhor do que a qualidade de seus professores. Em todos os países onde a educação tem qualidade, os professores são recrutados entre os 30% melhores alunos do ensino médio. No Brasil, entre os 10% piores. Diferentes grupos defendem diferentes propostas, a saber: (1) mais salários, (2) mais formação e (3) mais salários e mais formação. Alguns poucos defendem uma política em dois tempos (4) que contemple ao mesmo tempo uma nova estratégia para recrutar pessoal mais qualificado para o magistério associada com intervenções estruturadas, mais adequadas para o magistério que temos.
Entre esses vários grupos há quem defenda a federalização da carreira do magistério. Há quem defenda a regulamentação e certificação. A experiência internacional dos países de sucesso é clara: todos eles recrutam professores entre os 30% melhores alunos do ensino médio. E seus sistemas de formação de professores e carreira são muito diferentes – não existe uma fórmula única ou ideal.
Reforma do Ensino Médio: aplicar a lei da reforma ou propor uma revisão?
Em todos os países desenvolvidos, o Ensino Médio é diversificado, entre 30% e 70% dos alunos frequentam cursos profissionais. Em quase todos os países, esses cursos são ministrados em escolas especializadas. Neles, também são diferenciados os exames do tipo do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio. Há diferentes críticas à reforma do Ensino Médio brasileira. De acordo com analistas, é muito reduzida a possibilidade de que a BNCC venha a ser implementada com sucesso, dados (1) a falta de clareza sobre a diversificação entre ensino profissional e acadêmico, (2) a extensão e obrigatoriedade do núcleo comum, (3) os custos para a expansão da carga horária, (4) a manutenção do ENEM que, se mantido, inviabiliza os objetivos da reforma, e (5) a falta de envolvimento do Sistema S na implementação do ensino profissional, que muito pode contribuir com sua experiência e também com seus recursos.
BNCC: haverá revisão? Total ou parcial?
Embora aprovada com apoio de inúmeras entidades e grupos da sociedade civil organizada, a BNCC foi e continua sendo alvo de críticas respeitáveis. Essas críticas coincidem num ponto: da forma como está, dificilmente a BNCC será implementada e, se o for, dificilmente contribuirá para melhorar a qualidade da educação. As razões são diversas: (1) documento pouco claro, muita ambiguidade (2) estrutura e sequência mal definidas, (3) tema da educação infantil não incorpora conceitos e evidências científicas desenvolvidas nos últimos 30 anos, (4) capítulo sobre alfabetização ignora os conhecimentos científicos e práticas exitosas, (5) expectativa de que estados e municípios possuam competência para fazer detalhamento adequado e implementar, e indícios claros de que (6) a grande maioria dos professores não vão entender o documento – da mesma forma que já ocorreu com o documento anterior (Parâmetros Curriculares). A crítica mais severa é que os professores não têm o conhecimento e condições para implementar a proposta, mesmo se ela fosse adequada conceitualmente.
Financiamento do Ensino Superior: como lidar com a alta inadimplência e o retorno negativo?
O sistema de financiamento público do ensino superior privado é realizado por meio do PROUNI e do FIES. Ambos, especialmente o FIES, foram reestruturados recentemente, e em função de vários fatores estão atendendo um número cada vez menor de alunos.
Cerca de 70% dos alunos do ensino superior estão matriculados em escolas privadas. As taxas de retorno do ensino superior continuam elevadas, mas começam a cair em função do aumento de graduados no ensino médio e no ensino superior, e das limitações do crescimento da economia. A taxa de desistência ao longo do curso é superior a 50%. Do ponto de vista individual, alunos que não completam o curso superior e têm dívidas a pagar podem ter retorno negativo de seu investimento. Do ponto de vista social, a taxa de inadimplência no pagamento dos empréstimos é desconhecida – no único relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) a respeito do tema – era superior a 60%.
Regulamentação do Ensino Superior: como garantir autonomia e qualidade?
O Ensino Superior no Brasil é fortemente regulamentado, tanto no setor público quanto no setor privado. No setor público, o padrão é o modelo único de Universidade – com funções de ensino, pesquisa e extensão. No setor privado, há diferentes modelos, mas todos acabam atrelados ao modelo da “Universidade”. O governo já gastou mais de 1 bilhão de reais na regulação do setor privado – com poucos avanços na qualidade.
Com relação às universidades públicas, (1) há um consenso de que falta autonomia, especialmente do ponto de vista administrativo (pessoal) e financeiro, (2) Alguns comentaristas também observam que o atual mecanismo de financiamento não traz incentivos para a qualidade e eficiência e (3) um bom número de analistas considera que o modelo único de Universidade aumenta a ineficiência e não contribui para a qualidade. Com relação às instituições particulares, há um consenso de que a regulamentação é exagerada, cara e inócua.
Corporativismo: como criar espaços de atuação das corporações da educação?
O corporativismo se tornou uma praga em todo o país. Embora todos reconheçam o direito de corporações e grupos lutarem por seus ideais ou interesses, tornou-se patente no Brasil que as políticas públicas – nos vários setores – estão se tornando cada vez mais cativas dos grupos que agem de forma corporativa. Na educação não é diferente.
As Universidades Federais exercem forte poder de pressão sobre o MEC e recebem mais de 70% de seus recursos. Os conselhos internos e externos são de natureza essencialmente corporativa. Os funcionários, por sua vez, possuem poder muito grande, inclusive para dificultar ou bloquear o acesso a informações que permitiriam a realização de avaliações mais rigorosas das políticas públicas. No Congresso Nacional e nas Comissões de Educação da Câmara e do Senado, predomina a voz dos grupos organizados. Há pouco espaço para avaliar as políticas públicas de forma independente. Há muita barreira à entrada de pessoas e ideias de outros países nas discussões e nas instituições. Não existe interesse, foro ou espaço para debater os assuntos educacionais com base em evidências científicas.