Os resultados e a forma de anúncio da Prova Brasil deixam claro que nada mudou em relação ao desempenho do ensino. As variações das notas nas séries iniciais e finais do ensino fundamental não possuem um significado estatístico ou educacional relevante. No ensino médio, o aumento inesperado de 8,2 pontos em Matemática e 12 pontos em Língua Portuguesa ficará à espera de explicação.
Mas também nada mudou no que se refere ao entendimento da função da avaliação para a tomada de decisões na educação. O MEC optou por elaborar um relatório de 80 páginas apenas com base no IDEB – e não nas notas da Prova Brasil. Ora, como todos sabem ou já deveriam saber a essa altura, o IDEB é uma medida que mistura dois ingredientes: notas e índice de aprovação. Um mesmo IDEB pode revelar uma situação totalmente diferente, tornando o IDEB um dado de pouca ou nenhuma utilidade.
Ademais, como o próprio relatório permite observar, a melhoria de notas atribuída a mudanças nos critérios de promoção praticamente se esgotou nas séries iniciais. Daqui para frente, só aumenta o IDEB quem melhorar a nota na Prova Brasil. Ou seja: somente agora as pessoas talvez comecem a prestar atenção nas notas da prova, e não no IDEB.
Ainda sobre o IDEB: o relatório demonstra que 60% dos municípios brasileiros atingiram a meta para a rede pública nas séries iniciais. Mas, se adotarmos um outro critério do MEC, que é o nível de proficiência, veremos que 50% dos alunos das séries iniciais não dominam o básico. Ou seja: as metas são pífias. Atingir metas do IDEB não possui qualquer significado educacional. Mas o MEC continua insistindo no IDEB, o que demonstra que nada mudou sobre o entendimento da educação e dos usos da avaliação.
Prova Brasil é oportunidade para refletir sobre os rumos da educação. Em um quadro de desempenho pífio, as diferenças entre redes públicas e privadas permanecem gritantes. O desempenho médio de um aluno de 9º ano das redes públicas é próximo do desempenho médio de um aluno de escola privada no 5º ano. O ensino médio público, com sua equivocada concepção, contribui para destruir qualquer possibilidade mais significativa de inserção social dos jovens na escola, no mercado de trabalho e na vida.
Segue abaixo uma análise preliminar mais detalhada:
- Resultados da Prova Brasil: o que chama atenção
- Conforme é normal se esperar, não houve avanços significativos nas notas das redes públicas nas séries iniciais e finais.
- No ensino médio houve um ganho de 8.2 pontos em Matemática, de um total de 9,1 pontos ganhos desde 2005.
- Consideramos apenas os ganhos em Matemática porque:
- São mais diretamente associados ao impacto das escolas
- A longo prazo há uma forte correlação entre as notas de LP e Matemática.
- Os ganhos no Ensino Médio:
- Chama atenção o aumento da nota no ensino médio – próximo de 8 pontos em MAT para a maioria das regiões, exceto no Norte.
- É um aumento robusto – mas difícil de ser explicado, especialmente tendo em vista:
- a estagnação dos resultados do 9º ano ao longo do tempo
- a inexistência de qualquer política concertada – nos vários estados
- a nota do Brasil no Pisa, que cresceu 7 pontos entre 2015 e 2018, sendo que no Pisa o desvio padrão é de 100 pontos. Isso sugere cautela na interpretação de um aumento de 8 pontos na Prova Brasil, cujo desvio padrão é de 50 pontos.
- Destaques:
- Pernambuco, DF, Santa Catarina e Paraná tiveram ganhos entre 12 e 14 pontos
- Pernambuco
- A rede privada aumentou 13 pontos
- A rede pública aumentou 14 pontos
- Pernambuco
- Pernambuco, DF, Santa Catarina e Paraná tiveram ganhos entre 12 e 14 pontos
- Santa Catarina
- A rede privada aumentou somente 3 pontos
- A rede pública aumentou 13 pontos
- Paraná
- Aumento de19 pontos na rede privada
- Aumento 12 pontos na rede estadual
- DF
- A rede privada aumentou 5 pontos
- A rede pública aumentou 13 pontos
- Mesmo nesses estados em destaque, a diferença entre redes públicas e privadas é de cerca de 70 pontos.
- Outros pontos relevantes:
- Séries iniciais:
- O aumento médio foi de 3,8 pontos.
- O ritmo de aumento que vinha se verificando nos anos anteriores perdeu fôlego em relação ao biênio anterior – exceto no Nordeste, onde o aumento na rede pública foi de 7 pontos.
- Ceará perdeu fôlego no ritmo de aumento, mas ocupa o 6º lugar no ranking nacional.
- Os estados que mais tiveram aumento foram Piauí e Alagoas com 9 pontos – ambos ainda se encontram entre os 10 estados com pior desempenho.
- Anos finais:
- O aumento médio foi de 4,5 pontos, expressivo face a lenta progresso desde 2005.
- Praticamente não houve mudança significativa em nenhuma região.
- Alguns estados cresceram bem acima da média nacional, com destaque para o estado do Ceará que cresceu 7 pontos e passa a ser o 3° estado com maior média.
- Permanecem gigantescas as diferenças entre as redes públicas e privadas e entre as regiões, conforme ilustrado no quadro abaixo:
Dados da Prova Brasil de 2019
Séries Iniciais | Séries finais | Ensino Médio | |
Redes públicas – BR | 218,9 | 253,2 | 266,2 |
Redes privadas – BR | 251,0 | 300,8 | 331,2 |
- O quadro acima mostra que:
- O desempenho médio de um aluno do 9º ano da rede pública equivale ao desempenho médio de um aluno do 5º ano da rede privada
- O desempenho médio de um aluno do ensino médio da rede pública situa-se próximo ao de um aluno das séries finais da mesma rede pública e pouco acima do desempenho médio de um aluno de 5º ano das redes privadas.
- Esta situação repete-se em praticamente todas as unidades da Federação.
- A pior rede privada de ensino (Sergipe) atinge 238 pontos nas séries iniciais, resultado ultrapassado por apenas 2 redes públicas (SP e Paraná)
- A pior rede privada de ensino (Amapá) atinge 285 pontos nas séries finais, a melhor rede pública de ensino atinge apenas 269.
RESULTADOS E DESTAQUES NAS DIFERENTES REGIÕES
Séries iniciais:
- Norte:
- Aumento médio de 3 pontos em Matemática
- Rondônia, Pará, Amapá aumentaram entre 5 e 7 pontos
- Nordeste:
- aumentos de 7 a 9 pontos em Matemática
- Piauí e Alagoas cresceram um pouco mais do que os demais
- Sudeste:
- Destaque para o Espírito Santo, com mais de 5 pontos de aumento em MAT
- Centro Oeste:
- Nenhuma UF com mais de 5 pontos de aumento em MAT
- Sul:
- Nenhum destaque, aumento máximo de 4 pontos
Séries finais
- Norte:
- Aumento médio de 4 pontos
- Acre, Pará e Amapá aumentaram entre 6 e 8 pontos
- Nordeste:
- Aumento médio de 8 pontos
- Rio Grande do Norte, Bahia e Sergipe ficaram bastante aquém dos demais
- Ceará manteve-se na média de ganhos (8 pontos)
- Sudeste
- Aumento médio de 5 pontos
- Destaque para São Paulo com aumento de 7 pontos
- Sul
- Aumento médio de 4 pontos
- Destaque para Paraná com aumento de 5 pontos
- Centro Oeste
- Aumento médio de 4 pontos
- Mato Grosso do Sul sem aumento
Ensino Médio
- Norte
- Aumento médio de 6 pontos na rede privada
- Aumento médio de 6 pontos na rede pública
- Amazonas, Pará e Amapá com 7, 8 e 9 pontos respectivamente
- Nordeste
- Aumento médio de 7 pontos na rede privada
- Aumento médio de 8 pontos na rede pública
- Piauí, Ceará e Sergipe sem aumento ou aumento inferior a 4 pontos
- RN, PB, Alagoas PB com aumentos expressivos, 10 a 13 pontos
- Sudeste
- Aumento médio de 1 ponto na rede privada
- Aumento médio de 10 pontos na rede pública
- Rio de Janeiro com apenas 2 pontos de aumento
- Minas, Espírito Santo e São Paulo com 7, 8 e 10 pontos de aumento respectivamente
- Sul
- Aumento médio de 10 pontos na rede privada
- Aumento médio de 12 pontos na rede pública
- Aumento só ocorreu no Paraná (12 pontos)
- Aumento inexpressivo em SC e negativo (RS)
- Centro Oeste
- Aumento médio de 12 pontos na rede privada
- Aumento médio de 10 pontos na rede pública
- Apenas Mato teve aumento bastante inferior aos demais estados da região.
- MS, Goiás e DF tiveram aumento de 11, 11, e 13 pontos respectivamente.
Registro metodológico: IDEB
- O que mais chama atenção é que a nova gestão do Ministério da Educação continue a usar o IDEB como indicador – uma vez que são notoriamente reconhecidas suas fragilidades no meio da comunidade acadêmica. O IDEB mistura dois indicadores – notas e aprovação. Um mesmo IDEB pode representar notas muito diferentes.
- Além disso, o fato de termos 61,6% dos municípios brasileiros com IDEB considerado adequado, nas séries iniciais – com uma média nacional que varia de 200 a 230 pontos em Matemática, em 2019 – sugere que, se o IDEB é um indicador confiável, o padrão do indicador está situado num nível muito baixo.
- Os dados apresentados também permitem observar que nas séries iniciais praticamente esgotou a possibilidade de aumento do IDEB via correção do fluxo escolar. Isso significa que a partir de agora somente o aumento nas notas da Prova Brasil irá provocar melhorias no IDEB – o que comprova que o IDEB provoca muito mais ruído do que informação.
- Em síntese: discutir aumentos do IDEB ajuda pouco ou nada a avançar o debate sobre a qualidade da educação no Brasil. E tira o foco do problema central – a qualidade.