Este artigo inaugura uma série que debate em dez capítulos questões fundamentais para o avanço da educação no Brasil. As publicações acontecem em comemoração aos 10 anos de atuação do Instituto Alfa e Beto. Leia AQUI a série completa de artigos.
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A produtividade, isto é, a capacidade de produzir mais com os mesmos recursos, é a primeira e mais importante fonte do crescimento econômico. Nos países desenvolvidos, ela costuma explicar cerca de 80% da taxa de expansão do PIB. Daí a afirmação de Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, de que a produtividade não é tudo; é quase tudo.
A segunda fonte é o investimento em máquinas, instalações, software e infraestrutura, mas isso não terá maior importância para gerar crescimento se não houver ganhos de produtividade. O colapso da União Soviética aconteceu, em grande parte, porque seus investimentos, particularmente em armamentos, influenciavam pouco a produtividade.
A terceira fonte é a incorporação de mão de obra ao processo produtivo, que eleva o potencial de crescimento do PIB, mas tal contribuição será tanto maior quanto mais elevada for sua produtividade. Esta, por seu turno, depende da qualificação do trabalhador, da tecnologia e do ambiente de trabalho. No Brasil, a produtividade da mão de obra equivale a apenas 18% daquela do trabalhador americano.
No pós-guerra, muitos economistas, com destaque para Gary Becker, desenvolveram a teoria do capital humano, que explica os benefícios da educação para os indivíduos e a sociedade. Mais tarde, outros economistas acentuaram a relevância ainda maior da educação superior na formação do capital humano e, assim, da produtividade. Isso decorre de seu papel na oferta de pessoal habilitado para exercer funções de natureza técnica e gerencial, e para as atividades de pesquisa e desenvolvimento, essenciais para a inovação e a produtividade.
No Brasil, a educação foi negligenciada durante muitos anos. Dizia-se que ela seria um subproduto do desenvolvimento. As políticas públicas deveriam, pois, privilegiar ações para expandir o PIB. Nos anos 1950, despendíamos apenas 1,4% do PIB em educação, o que nos legava legiões de analfabetos e baixa oferta de pessoal qualificado.
Naqueles tempos, a contribuição para a produtividade vinha basicamente da tecnologia incorporada nos bens de capital importados, dos limitados investimentos em infraestrutura e da migração campo-cidade. Trabalhadores agrícolas empregados em atividades urbanas, dotadas do mínimo de organização, tinham produtividade superior à da sua época no campo.
A partir dos anos 1970, a educação ganhou prioridade, mas essencialmente no ensino superior. A universalização do ensino fundamental – que acontecera no século XIX nas nações desenvolvidas e nos anos 1960 na Coreia do Sul – somente ocorreria no Brasil na segunda metade dos anos 1990. Nesse tempo, passou-se a acreditar que a melhoria da qualidade da educação dependeria da elevação dos respectivos gastos governamentais.
Com a aprovação da emenda constitucional proposta pelo senador João Calmon (1983), criou-se a vinculação de 13% das receitas de impostos em favor da educação, sob o argumento equivocado de que assim se protegeria o setor dos cortes de gastos impostos pelas equipes econômicas, especialmente nos programas de ajuste apoiados pelo FMI.
Dessa época em diante, grupos corporativos conseguiram incutir a ideia de que era preciso gastar muito mais em educação. Assim, a Constituição de 1988 ampliou a vinculação para 18% dos impostos federais e 25% dos impostos estaduais e municipais. Nos anos 2000, os gastos aumentaram ainda mais e se aprovou uma insana destinação de 10% do PIB para o setor. Isso quando o Brasil já despende mais de 6% do PIB em educação, proporcionalmente mais do que o Japão, a Coreia do Sul e a China, e perto do que gastam os EUA e a Alemanha.
Apesar do aumento de gastos, a melhoria da qualidade da educação não foi compatível com tal expansão. Basta ver a classificação do Brasil nos testes do Pisa, na qual ficamos na rabeira dos cerca de 60 países que participam da avaliação. Claro, houve melhorias. Foi possível introduzir, no governo FHC, mecanismos de avaliação do ensino. O tempo de escolaridade praticamente dobrou nas últimas décadas. Evoluímos, todavia, pouco na qualidade. Até hoje, as corporações foram bem-sucedidas em bloquear iniciativas de remuneração por desempenho, comum em outras experiências ao redor do mundo.
O setor produtivo reclama da perda de competitividade pela má qualidade do sistema tributário e da legislação trabalhista, dos excessos de intervenção estatal e das más condições da operação da infraestrutura e da logística. É o “custo Brasil”. Mas a baixa qualidade da educação, origem da baixa produtividade do trabalho, que obriga as empresas a realizar gastos de preparação da mão de obra em níveis superiores aos de seus concorrentes nos mercados mundiais, tem sido pouco enfatizada nas reivindicações de políticas industriais e de outras favoráveis ao desenvolvimento.
Está na hora de os empresários se organizarem melhor para pressionar o governo a encarar as reformas necessárias na educação, das quais depende a melhoria dacompetitividade das empresas. É preciso ampliar o esforço que hoje cabe quase exclusivamente aos mestres e intelectuais não engajados em visões ideológicas sobre a educação. Entre as medidas devem estar, necessariamente, a eliminação de indicações políticas para cargos de direção nas escolas, o fim da gratuidade do ensino superior – exceto para os jovens talentosos de famílias de menor renda – e regras para avaliar a remunerar os professores.
Dificilmente o Brasil será capaz de explorar seu imenso potencial de desenvolvimento sem uma revolução na educação.
*Maílson da Nóbrega é economista e ex-ministro da Fazenda