Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo
No início da década de 1970 o professor Patrick Suppes pôs os administradores da Universidade Stanford contra a parede. Usando as tecnologias disponíveis na época, ele atendia quatro vezes mais alunos do que os seus colegas e, portanto, exigia remuneração quatro vezes maior. Essa lembrança retornou à minha mente ao observar os embates que ocorrem, atualmente, na implementação de tecnologias nas escolas.
No caso concreto, trata-se de introduzir no cotidiano escolar o uso de software para alfabetização. As crianças são curiosas, interagem com as novidades, encontram respostas para as suas dúvidas. Enquanto isso, os professores, embora fascinados pelas novas perspectivas, pedem para ser capacitados, solicitam “manuais de instrução” e encontram ou inventam dificuldades de toda espécie, mesmo onde elas não existem.
Nenhum programa para introduzir milhões de computadores em escolas deu certo em nenhum país do mundo. Mesmo nos países onde já há praticamente um computador por aluno a tecnologia não conseguiu fazer diferença significativa nem na eficácia nem na eficiência das escolas.
Por que os ganhos de produtividade e as mudanças de paradigma de produção que ocorreram e continuam a ocorrer no setor industrial, nos serviços e mesmo na vida privada encontra tanta dificuldade no mundo da escola? Onde estão os entraves? O que torna o modelo escolar tão impermeável e resistente?
É preciso reconhecer haver evidências irrefutáveis a respeito do potencial de alternativas ao modelo de ensino da escola convencional. O autodidatismo é uma realidade: podemos aprender sozinhos. Há mais de um século sabemos do sucesso comprovado dos cursos por correspondência, hoje denominados ensino a distância. A partir da 2.ª Guerra Mundial foram desenvolvidos sistemas de instrução que deram origem aos modelos posteriores de ensino individualizado, instrução programada e outras inovações, que se tornaram a base para o desenvolvimento dos sistemas informatizados de ensino. Centenas de experimentos em situações de laboratório e de sala de aula comprovam o sucesso de programas de ensino e oportunidades de aprendizagem bem elaborados.
Tem mais: modernos sistemas de avaliação e monitoramento da aprendizagem dos alunos, usando recursos como os da inteligência artificial, são altamente eficazes e tornam os métodos de diagnóstico e feedback de um bom professor parecidos com vodu. Por que preferimos o vodu?
A resposta não está nas limitações da tecnologia, mas na estrutura impermeável da escola. A escola, tal como a conhecemos, foi desenvolvida no modelo das fábricas do século 18. A fábrica desapareceu ou mudou. A escola resiste.
Na indústria e no setor de serviços, tecnologia é sinônimo de eficiência. Aumentar eficiência pode aumentar, reduzir ou realocar empregos. Pode aumentar ou reduzir a intensidade de conhecimentos requeridos. Pode criar desemprego aqui e empregos e bem-estar acolá. Os benefícios são apropriados pelos indivíduos, pelas empresas, pelas sociedades e pelos governos, que cobram impostos.
O modelo de educação escolar não permite que ninguém se aproprie de ganhos de produtividade. Tecnologias podem servir para substituir, complementar ou enriquecer o trabalho do professor. Em qualquer dos casos, a estrutura escolar torna impossível reduzir custos, dado o sistema de regulação negociado entre governos e sindicatos. Tudo é custo a mais. E quase sempre a tecnologia só funciona bem, no contexto escolar, com professores que seriam bons de qualquer maneira.
O problema não está na resistência dos professores, nem mesmo no pavor da trabalheira ou da falta de sinal da internet. O problema reside na estrutura organizacional e na estrutura de incentivos.
Tecnologia jamais substituirá algumas das funções da escola. Quando o Massachusetts Institute of Technology (MIT) põe à disposição seus cursos pela internet, sabe que isso não ameaça a experiência de uma vida numa instituição acadêmica de excelência. Não se trata, portanto, de propor que a tecnologia substitua a escola.
É curioso observar que as tentativas de introduzir tecnologias fora do contexto escolar são bem-sucedidas, caso dos joguinhos para ensinar habilidades, cursos de línguas ou o imenso êxito dos cursos a distância promovidos pelas empresas e instituições de todo tipo. Também cabe observar que tudo o que não é ensino também chega à escola ou perto dela: sistemas de controle de entrada e saída de alunos, sistemas de registro de notas, comunicação com os pais, avaliação, belezuras de todo tipo. Mas quando se trata de usar tecnologias para substituir o que se faz na sala de aula, ou fazer melhor do que o que se faz nela, nada funciona. Mesmo os mais recentes sistemas de blended learning não passam de mais uma vitória do modelo convencional da escola – se não passar pelo professor e não for contido dentro das quatro paredes da sala de aula, não entra.
O Brasil gosta de regular tudo, até mesmo o que ainda não existe. Ou de forçar o uso de tecnologias dentro de uma estrutura institucional engessada, na qual tecnologias não poderão ajudar a reduzir custos e aumentar a produtividade. Por exemplo, um curso a distância no Brasil, para dar diploma, precisa ter sede regional e um número mínimo de tutores por aluno, tudo dentro do mais requintado regime cartorial.
Quem sabe não seria melhor criar incentivos para escolas de todos os níveis experimentarem modelos institucionais, organizacionais e sistemas de incentivo para fazerem bom uso das tecnologias? Aí, sim, as promessas da tecnologia poderão tornar-se realidade. E Patrick Suppes se sentirá vingado.