Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no site Brasil Post
Com a chegada do novo ano, novos mandatos se iniciam Brasil afora e aproveitamos a oportunidade para refletir sobre importantes desafios a serem enfrentados na área da educação.
No século XIX a infância começou a ser valorizada. Ao longo do século XX começou a ser respeitada e no início do século XXI foi descoberta pelo mundo acadêmico. Precisou do aval dos economistas – notadamente James Heckman, laureado com o Prêmio Nobel – e dos neurocientistas para o assunto ganhar credibilidade.
Por trás de tudo isso há mais de um século de evidências baseadas nas pesquisas dos estudiosos do desenvolvimento humano e infantil e que hoje estão disponíveis para desenvolver políticas e práticas voltadas para a primeira infância. Mas afinal, o que quer dizer Primeira Infância? E por que devemos estar atentos a ela?
A “infância” é um conceito que foi mudando ao longo da história e face aos conhecimentos científicos e valores sociais. É um termo usado em sentidos diferentes por psicólogos e por outros cientistas, naturais ou sociais. No mundo animal a infância, quando existe, como no caso dos mamíferos, termina no desmame. Nas sociedades primitivas há um rito de passagem relacionado com assumir responsabilidades em casa ou fora dela – quase sempre entre 6 e 7 anos de idade – e outro relacionado com a puberdade e as funções reprodutivas. Para os psicólogos, a infância sempre terminou com a puberdade, mas as subdivisões são muito variadas entre diferentes autores.
Primeira Infância é um termo mais sociológico do que psicológico, que se refere aos anos iniciais, 3, 4, 6 anos – ninguém sabe. Já há quem fale em “primeiríssima infância”. Mas dado o que hoje sabemos sobre os anos iniciais – e os que o precedem – políticas de Primeira Infância abrangem no mínimo o período que vai da gravidez (e mesmo antes) até …. 3, 4, 5 ou 6 anos, dependendo do proponente. O assunto é complexo, portanto registramos apenas dois aspectos relevantes.
Primeiro: políticas públicas de Primeira Infância tornaram-se essenciais porque hoje sabemos que é muito mais importante, eficaz e mais barato investir na prevenção e no atendimento precoce do que em políticas corretivas. Creche ou pré-escola já é tarde demais – e certamente muito mais caro e menos eficaz para assegurar que toda criança tenha condições adequadas de desenvolvimento.
Segundo: políticas públicas de Primeira Infância eficazes devem ser abrangentes, focadas no ambiente em que a criança nasce, o que envolve a família e a comunidade próxima. De pouco adianta focalizar o atendimento na criança se não forem tomadas medidas preventivas ou corretivas antes de seu nascimento e ao longo dos anos iniciais.
Mas, cabe perguntar, qual o objetivo dessas intervenções? Um objetivo é assegurar que a criança seja gerada, nasça e se desenvolva num ambiente que tenha poucos (ou nenhum) fator de risco. A pobreza material e tudo o que normalmente está associado a ela – desemprego, desagregação familiar, violência doméstica, ambientes tóxicos de todo tipo, insegurança alimentar, insalubridade, etc. – constituem fatores de risco. O outro objetivo é assegurar que a criança tenha muitos fatores ou estímulos positivos em seu ambiente para promover um desenvolvimento saudável.
Assim se torna claro porque políticas públicas de Primeira Infância devem ser abrangentes, focadas na família e no contexto em que as crianças são geradas e onde serão criadas.
Antes de concluir, uma breve nota sobre creches. Creches são sempre boas para as mães, no mínimo porque lhes dão alguns momentos de descanso e talvez até sossego e despreocupação. Mas creches nem sempre são boas para as crianças. Na verdade raramente o são, pois para fazer diferença é necessário que as creches sejam de alta qualidade. Qualidade em creche se mede pela quantidade e qualidade das interações entre adultos e crianças. Creches são apenas um componente de políticas de Primeira Infância e não são nem devem ser vistas como a única ou melhor forma de promover o desenvolvimento das crianças.