A Meta 5 do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 estabelece que toda criança deve ser alfabetizada até o final do 3º ano do Ensino Fundamental. Algumas metas do PNE são ambiciosas, outras simplesmente irrealistas (para saber mais sobre as metas do PNE, clique aqui). Já a meta 5 é, ao contrário, frustrante. Não podemos esperar tanto para alfabetizar uma criança.
É praticamente consenso o que argumenta a literatura de investimento na primeira infância (ver referências ao final deste artigo): em geral, não há escola que ajude a reverter uma oportunidade perdida nos primeiros anos de vida. Isso significa que, se há benefícios em aprender a ler e escrever aos seis anos de idade, quem aprender aos oito não conseguirá aproveitar em toda sua essência os ganhos advindos da alfabetização na idade certa.
Em estudo ainda em elaboração, estimamos o efeito de longo prazo da alfabetização aos seis anos de idade sobre o desempenho acadêmico, medido por meio da Prova Brasil. O estudo aproveita o desenho de um projeto piloto realizado no Rio Grande do Sul, que se propôs a implementar um programa de alfabetização aos seis anos de idade em 2007. As crianças que passaram pelo programa, em tese, fizeram a Prova Brasil em 2011, quando alcançaram o 5º ano do Ensino Fundamental. Basicamente, a ideia do estudo é comparar o resultado na Prova Brasil de crianças que passaram pelo programa de alfabetização com o de crianças que não passaram pelo programa. O resultado indica que, de modo geral, embora tenha havido efeitos sobre alfabetização no curto prazo (ver Fontanive et al, 2008), o programa não teve efeito no longo prazo, ou seja, crianças que passaram pelo programa em 2007 não tiveram notas melhores que as crianças que não passaram pelo programa.
No entanto, uma peculiaridade do projeto foi a implementação de três métodos diferentes de alfabetização: um baseado no método fônico, um baseado no construtivista e outro baseado em gestão escolar e não em um método de ensino propriamente dito. Ao comparar novamente os resultados na Prova Brasil levando em consideração os diferentes métodos implementados, observa-se que as escolas que utilizaram o método fônico se destacam. A Figura 1 apresenta os resultados. Ela mostra que todos os grupos, tanto de tratamento quanto de controle, tiveram desempenhos parecidos na prova de Língua Portuguesa no período, exceto o grupo de escolas do método fônico. Justamente no ano em que a coorte que passou pelo programa participou da Prova Brasil houve uma mudança de trajetória. O ganho relativo das escolas desse grupo foi de cinco pontos, o que equivale a 30% do aumento médio verificado no período (17 pontos). Os resultados são bastante consistentes (a diferença persiste mesmo após diversas especificações e testes de robustez).
Juntando as duas evidências apresentadas, o estudo sugere que não basta alfabetizar na idade certa; seria preciso levar em consideração também o método utilizado, ou seja, seria preciso atender as duas condições (idade e método) para haver efeitos de longo prazo.
Estamos passando por um período de intensa discussão a respeito da estagnação da produtividade do trabalhador brasileiro. Um dos principais entraves é a falta de habilidades cognitivas básicas, como saber ler, escrever e fazer contas. Politicas direcionadas à qualificação de mão-de-obra podem ajudar no curto prazo, mas precisamos solucionar os problemas também no início do ciclo educacional para não mais utilizar soluções paliativas. Alfabetizar na idade certa e do jeito correto é o primeiro passo.
Figura 1 – Nota em Língua Portuguesa na Prova Brasil, por tipo de grupo de pesquisa
Fonte: Hirata e Oliveira (2017).
Referências:
Almond, D.; Currie, J. (2011). Human Capital Development Before Age Five. In: Handbook of Labor Economics. Vol. 4B, edited by Ashenfelter, O.; Card, D., 1315–1486. Amsterdam: Elsevier, North-Holland.
Carneiro, P., & Ginja, R. (2014). Long-term impacts of compensatory preschool on health and behavior: Evidence from Head Start. American Economic Journal: Economic Policy, 6(4), 135-173.
Fontanive, N., Klein, R., Abreu, M., & Bier, S. E. (2008). A alfabetização de crianças com seis anos: uma contribuição para o debate sobre aquisição de habilidades de leitura escrita e matemática no primeiro ano do ensino fundamental. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 16(61), 543-560.
Heckman, J.; Pinto, R.; Savelyev, P. (2013). Understanding the mechanisms through which an influential early childhood program boosted adult outcomes. The American Economic Review, 103(6), 2052-2086.
Hirata, G.; Oliveira, P. R. (2017). Long-lasting effects of promoting literacy: do when and how to learn matter? (mimeo). Disponível a pedidos.