Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo
Entre os temas da campanha política, ganhou destaque o dos currículos para a educação. Os presidenciáveis tangenciam o assunto em suas falas. O paradoxo é perceber a desatenção do governo federal e de instituições, como o Consed e a Undime –entidades que congregam os secretários estaduais e municipais de Educação–, com a questão. Embora seja algo básico, discutir currículo é explosivo.
Ótimo que o assunto tenha sido politizado, saindo da esfera pedagógica. O Brasil chegou a um tal descaso com as questões básicas da educação que o simples fato de o tema estar nos programas de governo hoje propostos é motivo de celebração. Só que precisamos tornar o debate sério.
Currículo tem a ver com a natureza e função da escola, e com quem tem autoridade para definir o que elas devem ensinar. Deve também estar relacionado, em qualquer fase do ensino, ao ordenamento geral de um sistema educacional, para permitir a transição do aluno entre etapas. E aí entra a outra complicação, que é a da diversidade, dos regionalismos e da diversificação dos currículos nos vários níveis de ensino, especialmente no nível médio.
É bom recuperar a história, a razão de ser dos currículos e como isso ocorreu no tempo. Merece destaque a tensão entre Atenas e Esparta, que até hoje se reflete na tensão entre educação geral e profissional. O tratado de Platão sobre o tema permanece atual e foi retomado no currículo clássico do trivium (gramática latina, lógica e retórica) e quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia), que ainda subjaz à ideia de uma educação humanística. A discussão sobre o papel da escola e da língua oficial de ensino, característica do século 18 e 19, quando aconteceu a consolidação dos estados nacionais, também é interessante, embora menos relevante no caso do Brasil. Cabe a releitura da influência do enciclopedismo no currículo do século 19, após a União Europeia recuperar as ideias do Iluminismo, e os novos critérios da Idade Moderna, aos quais ainda estamos atrelados.
Devemos examinar o estado da arte dos países mais avançados e avaliar as reformas curriculares realizadas. É importante relacionar esse debate ao surgimento de testes internacionais como Timms e Pisa como respostas aos desafios da globalização da sociedade do conhecimento. É instrutivo observar como essas nações lidam com questões como a extensão do currículo, o que é obrigatório e opcional, quais disciplinas merecem ênfase e como se dá a discussão sobre a diversificação, especialmente no ensino médio.
Atenção especial merecem os países federalistas, mas de modo particular, os recentes avanços ocorridos nos Estados Unidos, país de fortes bases comunitárias locais e avesso a interferências do poder central, especialmente em matérias como a educação. Na última década, os EUA costuraram – de baixo para cima – uma interessante e rigorosa proposta curricular que, mesmo sem ser unanimidade, nivelou a nação às congêneres na questão do rigor curricular.
Finalmente, cabe discutir os critérios para a elaboração do currículo no País. O que deve conter? Quem precisa ser ouvido e qual a audiência? Qual o papel do governo federal? E o dos Estados e outros atores? Quais os critérios para apreciar as contribuições e quem liderará o processo e buscará consenso para implementar o que for decidido? Temos que sair do atraso. No lugar do debate, o que temos visto até agora é o “assembleísmo” e a gritaria como estratégia de “formação de consensos” em educação. O país pede mudanças: os presidenciáveis estão dispostos a tal compromisso?