Este artigo faz parte de uma série que debate em dez capítulos questões fundamentais para o avanço da educação no Brasil. As publicações acontecem em comemoração aos 10 anos de atuação do Instituto Alfa e Beto. Leia AQUI a série completa de artigos.
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Em junho de 2014, a Presidente da República sancionou o Plano Nacional de Educação para o período 2014 a 2024, com 20 metas para educação do país que previam universalizar o acesso da pré-escola ao Ensino Médio, alfabetizar todas as crianças até o terceiro ano do ensino escolar, oferecer educação de tempo integral em 50% das escolas públicas, melhorar a qualidade da educação em todos os níveis, triplicar as matrículas na educação técnica e profissional de nível médio, aumentar em 50% as matrículas no Ensino Superior, expandir a pós-graduação, melhorar a titulação dos professores em todos os níveis, e elevar os investimentos em educação para 10% do Produto Nacional Bruto.
Estas metas se desdobravam em 254 estratégias, que reuniam as propostas e ideias que haviam sido trazidas pelos milhares de participantes das conferências municipais, estaduais e de sucessivas Conferências Nacionais de Educação nos anos anteriores. Acreditava-se que este processo participativo, com a predominância das associações de classe, e uma lei extremamente detalhada, eram a melhor maneira de identificar o que a educação brasileira precisava, e garantir que que o Plano teria apoio na sociedade e no governo, como política de Estado. Acreditava-se também que a economia brasileira continuaria crescendo, que a percentagem dos recursos públicos dedicados à educação continuaria aumentando e que assim seria possível cumprir todas as metas e estratégias do Plano.
A primeira versão do Plano ficou pronta em 2011, quando o Brasil parecia ter se recuperado na crise de 2009, e foi sancionada em 2014, quando a economia já havia parado de crescer e os royalties do petróleo, que seriam uma das principais fontes de financiamento para a expansão dos recursos, se haviam transformado em miragem, com a queda dos preços internacionais e a crise da Petrobrás. Em 2016, com a economia em profunda recessão, o Ministério da Educação foi o que mais teve cortes em seu orçamento, de 12%, e os estados mal estão conseguindo manter os salários dos professores. Não há perspectiva de que 2017 seja melhor.
Não é só por falta de dinheiro, entretanto, que o PNE está fadado a se transformar em uma grande frustração. Em 2011, quando a primeira versão foi publicada, escrevemos um artigo dizendo que o Plano mais parecia uma enorme lista de Papai Noel, que não distinguia com clareza o que é prioritário do que é supérfluo, ou mesmo prejudicial. Sabemos que o simples aumento de gastos não garante a melhora da educação, e que não basta transcrever os desejos em lei para que eles se tornem realidade. A melhoria da educação depende de diagnósticos claros, baseados em evidências, das causas dos problemas, e políticas consistentes e de longo prazo para, entre outras coisas, melhorar o gerenciamento das redes e escolas públicas, assegurar a qualidade e a formação dos professores (que é muito diferente da simples titulação), introduzir currículos modernos e adequados, garantir a alfabetização das crianças no primeiro ano da educação básica e criar alternativas de formação no ensino médio – e nem sempre os interesses da educação do país e das corporações que habitam o setor educacional coincidem.
É inevitável que a crise econômica, política e de valores que o Brasil vem atravessando leve a retrocessos importantes na educação, mas pode ser também uma oportunidade para repensar com mais profundidade quais são as prioridades, e como melhor gastar os recursos limitados de que o país dispõe, ante tantas necessidades dentre as quais a educação é somente uma delas.
* Simon Schwartzman é cientista político, ex-presidente do IBGE e membro da Academia Brasileira de Ciências.