Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Valor Econômico
Dos R$ 120 bilhões gastos anualmente com o ensino fundamental e o médio, R$ 30 bilhões são consumidos com alunos multirrepetentes, que estão defasados em mais de dois anos em relação à sua série escolar. São 10 milhões que constituem esse exército de alunos defasados e que representam uma demanda adicional de 4,2 mil salas de aula, usadas em dois turnos, e, dada a taxa de ineficiência existente, cerca de 800 mil contratos de professores de 20 horas/aula semanais. O que explica tamanha ineficiência? Quais as causas? Existem soluções?
Os números são espantosos: segundo os dados do Censo Escolar de 2012, quase 25% dos alunos das escolas públicas acumulam dois ou mais anos de atraso escolar. Já no 1º ano da escola, quase 5% das crianças estão atrasadas. Tal tendência cresce, chegando a 40% no final das séries iniciais e a quase 45% no 6º ano do Ensino Fundamental. A partir daí, evidencia-se a evasão dos alunos e com isso cai um pouco a defasagem no final desta etapa da aprendizagem. Mas o processo se acentua novamente no ensino médio – cerca de 50% dos alunos carregam mais de dois anos de reprovação.
A principal causa do atraso escolar é a reprovação em massa. Já as causas da reprovação são menos claras. Se o critério fosse o da aprendizagem, a reprovação deveria ser muito maior, conforme nos mostram os resultados de exames como a Prova Brasil e o Enem.
Por que as escolas brasileiras reprovam tanto os alunos em todas as séries, níveis de ensino e regiões do país? Por que a reprovação tende a ser maior nos lugares com pior desempenho? Uma explicação plausível é a de que a reprovação em massa tornou-se uma prática institucionalizada para a qual não existe nenhuma sanção. Em caso de dúvida, reprova-se. O aluno paga o pato, o contribuinte paga a conta e a educação não avança. E vigora uma certa impressão de rigor, que o sistema é sério, faz o seu trabalho e discrimina os bons dos maus alunos.
Reprovar alunos é prática muito pouco usada nos países com bom desempenho educativo. Ela existe na maioria das nações, mas é usada com extrema parcimônia, e em casos graves. Pode funcionar em alguns casos, exemplo, quando o aluno efetivamente não conseguiu comparecer à escola por razões de saúde ou em situações de forte crise individual ou familiar. Naqueles países onde a repetência existe, raramente uma criança é reprovada mais de uma vez ao longo da escolarização. Há estudos que comprovam que, se a reprovação pode ter efeitos benéficos, a repetição – isto é, repetir o mesmo programa de ensino sem apoios adicionais – faz mais mal do que bem. O grande argumento contra a reprovação é que o maior benefício para um aluno é ter colegas melhores do que ele na sala – colegas melhores puxam os piores para cima.
No Brasil, é fácil demonstrar que há uma correlação inversa entre idade e desempenho na Prova Brasil: quanto mais tarde o aluno chega, pior é o seu desempenho. Por outro lado, onde há políticas antirreprovação, os resultados médios não caíram, o que significa que chegar mais cedo é melhor do que pior. Reprovação em massa como se faz no Brasil é definitivamente um péssimo negócio para os alunos e para os cofres públicos.
Há diversas formas de corrigir o atraso escolar. A mais simples é evitar que aconteça. Mas isso exige um sistema educacional de qualidade, o que não se delineia no horizonte. O atraso escolar é estimulado, entre outras, por políticas que aceitam a alfabetização do aluno até o 3º ano, quando isso deveria ocorrer no 1º ano da escola. No outro extremo, a solução da promoção social ou promoção automática, apesar de conhecidos inconvenientes, seria muito melhor e moralmente mais defensável do que a reprovação em massa. E existem várias soluções pedagógicas intermediárias, viáveis e já conhecidas, aplicáveis a diferentes níveis do ensino.
Fora do âmbito pedagógico – onde há pouca vontade de resolver o assunto -, existem caminhos que podem ser mais eficazes. Alguns destes se inspiram na estratégia bem sucedida que o Brasil usou para lidar com o apagão, da década de 90: como o ensino fundamental está praticamente universalizado, faria mais sentido pagar o valor total do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) ao município com base no número de crianças de 6 a 14 anos ali existentes. O Estado receberia pelo número de jovens de 15 a 17 anos nas escolas estaduais.
No caso do ensino fundamental, isso ensejaria a municipalização prevista na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), criando um estímulo forte para municípios buscarem soluções próprias para o problema dos defasados. As redes de ensino interessadas em melhorar a qualidade teriam um forte incentivo econômico para eliminar o atraso escolar e para acertarem de uma vez a municipalização, com ganhos adicionais de eficiência.
No caso do ensino médio, o ganho baseado na idade estimularia os governos estaduais a oferecer cursos ao alcance dos alunos, relevantes para os próprios e para o mercado de trabalho, o que levaria à tão necessária diversificação dos tipos de escola e de ensino para essa etapa. E, como o pagamento seria por aluno na idade certa, haveria forte incentivo para ajudar os municípios a fazerem a sua parte.
O Fundef surgiu como instrumento modernizador de políticas públicas, usando instrumentos de gestão econômico-financeira, para provocar avanços na educação. Mas logo se diluiu na geleia geral do Fundeb. O pensamento econômico-gerencial rigoroso poderia contribuir para estimular os educadores a promover uma educação de melhor qualidade. Mas claro, é muito mais fácil administrar politicamente a educação como “área social”, pleitear recursos do pré-sal e 10% do PIB. E os defasados que se virem!