Em um mundo cada vez mais cientifico e tecnológico, é importante que pessoas usem as evidências como base para argumentação, e não apenas ideologias e opiniões. Trabalhar com evidências é substituir o “achismo” pelo rigor de estudos
O que sabemos a respeito do que funciona em educação? Como sabemos o que sabemos? As duas perguntas iniciam o prefácio do livro Educação baseada em evidências: como saber o que funciona em Educação.O livro insere-se na tradição do Instituto Alfa e Beto de organizar e disseminar evidências a respeito de tópicos importantes da educação, e, dessa forma, estimular a comunidade científica e profissional a incorporar a evidência científica como elemento para aprimorar o debate na área.
Cada um dos capítulos que compõem a obra implicou revisões de literatura, pesquisas e grande esforço de síntese, para reunir e rever estudos individuais, meta-análises, compatibilizando-os à luz do que já existe, com visão em escala internacional, o que é evidência em todo mundo. “Em um mundo cada vez mais cientifico e tecnológico, é importante que pessoas usem evidências como base para argumentação, e não apenas ideologias e opiniões. Trabalho sério em cima de estudo. As pessoas, à medida que se formam mais, se qualificam mais, podem cobrar mais dos governantes as políticas consistentes de educação”, diz João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, um dos coautores da obra.
O livro explora dois conjuntos de questões com base nas evidências disponíveis: os fatores externos à escola – fatores familiares, gastos públicos e impacto de incentivos, entre outros, e os internos – impacto da figura do professor, diretor, formação e modelo pedagógico, por exemplo. Tais questões estão na base de decisões tomadas por legisladores e autoridades educacionais nos diversos níveis, do ministro da Educação ao professor, passando por Secretarias e órgãos públicos correlatos, para chegar à sala de aula ou até mesmo aos pais, que decidem onde o filho vai estudar. São perguntas cujas respostas afetarão a vida de muitos, especialmente dos jovens, futura força de trabalho de um país. Deveriam ser objeto de permanente discussão entre pesquisadores, estudiosos do tema e estar na agenda do setor produtivo, que depende de recursos humanos de qualidade.
Sabemos que decisões de políticas públicas não são totalmente racionais, por isso é importante basear as escolhas em informações válidas, para fugir de ideologias e pressões de toda ordem. As políticas de educação – um bom exemplo é a discussão atual no Brasil para a escolha de um currículo nacional – demandam imensos esforços e recursos e afetam a vida de milhões de crianças e jovens, por isso, é importante aproveitar ao máximo as sugestões que as evidências podem trazer.
É fato que o debate sobre evidência em educação vem crescendo no País, a partir de iniciativas como a do Instituto Alfa e Beto. Mas o tema ainda não recebeu o devido espaço em fóruns qualificados, como as faculdades de Educação, ou a visibilidade que deveria merecer no Congresso Nacional ou até nas Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. O que vemos, no Brasil, é que raramente a evidência científica tem peso nas decisões do setor. Consequentemente, a educação baseada em evidências também tem encontrado barreiras para chegar à sala de aula, porque não faz parte do discurso oficial.
Também coautor do livro, Gregory Elacqua diz que, hoje, no Chile, mais de 200 especialistas são chamados a comentar os projetos de lei da área, quando estão na Câmara local para serem votados. A massa crítica acadêmica que gera os debates deve influir nas decisões políticas. O parlamentar desenha o projeto de lei, a imprensa amplia e divulga a discussão e depois toma-se decisão. Se a lei é aprovada, deve ser porque passou por uma discussão técnica e pelo crivo da opinião pública, entre outras frentes de debate. No Brasil, o formato de audiências públicas não permite o espaço para a discussão, o que dificulta o aprofundamento do conteúdo, das ideias e das próprias evidências.
João Batista Oliveira afirma que, à luz da história, é possível acompanhar a participação de intelectuais na formulação políticas públicas. Pestalozzi, Montessori e outros, figuras de projeção internacional, foram marcos de influência no debate intelectual na educação, no início século XX. No Brasil, sobressaíram-se Capanema, Anísio Teixeira, e de certo modo Darci Ribeiro e Paulo Freire, pessoas que influíram e marcaram presença intelectual. Segundo o presidente do IAB, no passado, eram os intelectuais que davam a estrutura e o subsídio necessário para a evolução do processo de debate político. A partir da segunda metade do século XX, começou a haver uma influência maior dos grupos acadêmicos e, a partir dos anos 1990, muitos países passaram a alinhar suas políticas e práticas com base nas evidências científicas e melhores práticas. No Brasil, no entanto, isso tampouco acontece, bem como não se inserem no debate atores relevantes como intelectuais e pesquisadores, dedicando maior atenção aos interesses corporativos – sejam eles econômicos ou ideológicos.
A ideia de educação baseada em evidências é tendência consistente, que evolui desde meados do século XX. Os primeiros levantamentos em larga escala em educação, como o Relatório Coleman (1966) nos Estados Unidos, ou o Relatório Plowden (1967) no Reino Unido, foram conduzidos a pedido do poder público com o objetivo de subsidiar políticas de melhoria escolar e equidade. Os países anglo-saxões notadamente têm cedido espaço cada vez maior para as evidências científicas nas decisões governamentais. O programa norte-americano No Child Left Behind (2001) incluiu, em sua lei, autorização à obrigatoriedade de se tomar decisões de investimento somente nas atividades educacionais que apresentassem resultados baseados em evidência científica.
Com o advento, de um lado, da neurociência e, de outro, da informática, as técnicas de pesquisa deram um salto brutal, especialmente anos 1990, assim como aconteceu em outras áreas, e a educação passou a dispor de instrumentos mais robustos de avaliação e medição. Começou-se a ter evidências de testes de avaliação, como o PISA, podendo-se ter melhor noção de como funciona a aprendizagem, progressão escolar, o que permitiu a geração de uma nova elite científica, de grande influência e contribuição para o desenvolvimento da educação.
Cabe aos pesquisadores e intelectuais trazer para debate o conceito de evidência. Indagar de forma rigorosa se todo fato é evidência, se toda evidência é científica e o que constitui evidência confiável em educação. Ao se negar evidências em educação, em função de preferências ou ideologias, o que se nega é a própria ciência e a possibilidade de seu uso.
Principais aspectos e conclusões da obra
O livro adota um ponto de vista, o do aluno. O que é bom para ele? O que contribui para melhorar o seu desempenho? É desse ponto de partida que são analisadas as evidências. Para um político ou para um sindicato, “o que funciona” pode ser diferente daquilo que efetivamente promove os interesses do aluno. A educação existe para desenvolver o potencial dos alunos, portanto “o que funciona” deve ter como critério aquilo que é melhor para eles.
A primeira parte do livro levanta questões externas de influência à escola, trabalhadas nos capítulos de 1 a 5. Na segunda parte, a partir do capítulo 6, são apresentados os aspectos internos da organização escolar. Confira, a seguir um resumo das principais questões evidenciadas na publicação.
Capítulo 1 – A escola faz diferença? Essa questão não é trivial, e durante muitos anos a evidência parecia indicar que não fazia muita diferença – o desempenho dos alunos seria explicado muito mais pela condição de nascimento do que pelo que acontecia nas escolas. O livro retoma essa temática e confirma o papel modesto da escola, que aumenta e importa mais nos países mais pobres e para as crianças que nascem em meios socioeconômicos desfavorecidos. O que de fato faz diferença é o que acontece na escola, na sala de aula, e na interação com cada aluno. Gastos com educação, por exemplo, raramente estão associados a melhorias no desempenho do aluno, depois de atingido um determinado nível para assegurar o funcionamento adequado das escolas. Há um nível mínimo de recursos e insumos e isso é necessário para atrair e manter bons professores e oferecer um ambiente de trabalho adequado. Mas isso está menos associado ao volume de recursos gastos do que a forma como os recursos são gastos: nāo há grandes diferenças no desempenho de países que gastam 50 ou 100 mil dólares por aluno.
Capítulos 2/3 – Escolas privadas são melhores do que públicas? Para responder a essa pergunta é preciso isolar o impacto dos fatores extraescolares. Controlados esses efeitos, na maioria dos países as escolas privadas não fazem muita diferença no desempenho escolar, mas podem fazer diferença na formação de atitudes, valores e nas redes sociais que os alunos carregam consigo ao longo da vida. Isso também vale para o Brasil. Há governos que oferecem alternativas aos pais, para escolha da escola pública de preferência, ou matrícula em privada, com subsídios. A hipótese subjacente é que o respeito aos critérios das famílias as levaria a escolher a escola que oferecesse a educação mais adequada para os filhos.
Capítulo 4 – Trata da discussão sobre a possibilidade de os pais terem total liberdade para escolherem a escola que melhor se encaixa em suas preferências, como é feita a escolha em diferentes países, os desafios metodológicos para medir o efeito da escolha e da concorrência entre escolas, com recomendações de políticas públicas e as evidências sobre o tema.
Capítulo 5 – Apresenta as evidências internacionais a respeito da importância do controle externo da escola e da responsabilização das mesmas pelos resultados (conceito de accountability). A mera existência de mecanismos de avaliação externa e de publicidade dos resultados contribui, em muitos países, para promover avanços na qualidade. Mas isso não é regra geral, especialmente quando não há consequências práticas para a escola. Nem toda escola é igual: há escolas eficazes, professores eficazes e diretores eficazes. E em geral esses fatores andam juntos. A política de responsabilização, segundo as evidências, pode resultar em uma administração mais eficiente e aulas mais eficazes. No entanto, é preciso que sejam tomadas precauções, com incentivos adequados, para evitar que as escolas lancem mão de m comportamento estratégico que melhore os resultados de forma artificial.
Capítulo 6 – Escolas eficazes apresentam uma série de características que são muito parecidas em diferentes países, culturas e níveis de ensino: foco no desempenho acadêmico dos alunos, professores alinhados no foco, uso adequado do tempo para ensinar, feedback constante para os alunos.
Capítulo 7 – Diretores eficazes existem e fazem diferença. Independentemente dos países, culturas e níveis de ensino, esses profissionais possuem características em comum: são bons administradores e concentram seus esforços em exercer a liderança pedagógica. Um dos instrumentos mais recorrentes entre os diretores eficazes é a capacidade de estimular e manter professores também eficazes – e eliminar os que não o são. Nos países de melhor desempenho educacional há fatores comuns a respeito da escolha, carreira e rotação de diretores entre escolas.
Capítulo 8 – Trata da forma de escolha de diretores e a relação com o desempenho dos alunos, com evidências de como esse processo acontece no Brasil, em que um dos mecanismos mais adotados nas redes educacionais do País é o de eleição, e as diferenças por região. Demonstra, por números e mapas, que pedagogia e gestão andam juntas e apresenta a práticas em países como Reino Unido, França, Canadá e Austrália. Nesses locais, em grandes linhas, os diretores são escolhidos por critérios de experiência e mérito – como a maioria dos gestores do setor público e privado nesses países; são integrados em carreiras e sua permanência por algum tempo na escola – pelo menos três anos ou mais – está associada ao melhor desempenho dos alunos.
Capítulo 9 – Os professores fazem diferença, na medida em que são bem escolhidos e adotam práticas reconhecidamente eficazes e dominam o conteúdo que ensinam em sala de aula. As evidências corroboram o senso comum de que o professor desempenha papel fundamental sobre o resultado de seus alunos, que é mensurável pelo valor agregado pelo professor ao desempenho dos estudantes. Por outro lado, as evidências não são suficientes para prever se um professor será bem-sucedido. É preciso observar como ele atua na prática e como essa prática afeta o desempenho dos alunos. As pesquisas também sugerem a influência das condições de trabalho na escola (condições adequadas) para o resultado do professor.
Capítulo 10 – Incentivos para professores podem funcionar em circunstâncias específicas, mas o desenho de programas de incentivos é bastante complexo. Para melhorar a qualidade do ensino, as evidências sugerem que pode ser mais eficaz e mais eficiente eliminar os professores de baixo desempenho do que premiar os melhores, empregando os recursos em carreiras atraentes. Mecanismos de premiação coletiva parecem mais eficazes do que mecanismos de premiação individual, mas para surtirem resultado precisam assegurar a colaboração de todos.
Capítulo 11 – Formação dos professores. É preciso escolher bem. Nos países com melhor desempenho educativo os futuros professores são recrutados entre os melhores alunos do curso secundário. Não existe um caminho único ideal formar professores, mas há indícios de que os melhores professores (1) frequentaram escolas consideradas de alto nível durante a graduação, mas não necessariamente escolas de formação de professores, (2) aprenderam a fundo os conhecimentos do que lecionam e (3) fizeram estágio probatório em escolas que funcionam bem e foram supervisionados por professores experientes. Mas não basta ter bons professores, é preciso saber o que fazem os bons professores, e no que consiste o bom ensino.
Capítulo 12 – Modelos pedagógicos. A evidência disponível favorece a adoção de estratégias denominadas “ensino estruturado”. Em síntese, o ensino organizado em torno do currículo e do professor, direto, intencional, bem planejado, transmitido de forma clara e com feedback adequado aos alunos costuma produzir resultados superiores a outras formas de ensino mais dependentes dos interesses, motivações ou características dos alunos. A forma de estruturar programas de ensino eficazes com os recursos da computação e transmissão eletrônica de dados, também obedece aos mesmos princípios gerais do ensino estruturado.
Capítulo 13 – Tamanho da turma. As evidências apresentadas são muito contundentes: turmas menores – com até 15 alunos – dão mais resultado enquanto duram, mas logo que o aluno reverte para turmas normais, os ganhos desaparecem. Na Primeira Infância, turmas pequenas fazem uma enorme diferença, mas mesmo nesses casos o impacto sobre as crianças carentes se perde se elas não continuarem a receber apoio ao longo dos anos iniciais da escola. No Ensino Fundamental e Médio, turmas pequenas só funcionam melhor do que turmas grandes quando o professor adota práticas pedagógicas próprias para turmas pequenas, o que requer professores muito mais qualificados. Na prática, os estudos mostram que dividir turmas acaba piorando o resultado global, uma vez que professores menos qualificados são recrutados para fazer face às demandas. Ademais, os ganhos adicionais com turmas pequenas não compensam os custos.
Capítulo 14 – A duração do ano letivo e do dia escolar variam muito nos diversos países e mostra pouca relação com o desempenho. As diferenças nos países desenvolvidos são de mais de 30% na duração do ano e dia letivo, e isso não se reflete diretamente no desempenho dos alunos. O que vale mesmo é o tempo efetivo que é usado para ensinar o currículo, e isso é mais relevante em algumas disciplinas do que em outras. Programas de tempo integral e contraturno raramente acrescentam benefícios em termos de aprendizagem dos alunos. Programas durante férias prolongadas de verão podem ajudar os alunos de nível socioeconômico mais desfavorecido, que normalmente levam alguns meses do ano letivo seguinte para recuperar a falta de estímulos durante férias mais longas.
Capítulo 15 – Fracasso escolar, na forma de repetência, não ajuda as crianças a melhorar o desempenho.
Capítulo 16 – O que o aluno já sabe é o melhor preditor do que ele é capaz de aprender. Daí a importância de currículos com foco, estrutura e sequência bem definidos.
Trabalhar com evidências é substituir o “achismo” pelo rigor de estudos no campo da educação. Como afirmam os autores de Educação baseada em evidências: o que funciona em Educação, na introdução da obra, “a ciência é destemida para tudo questionar, mas prudente para limitar suas conclusões ao que dizem os dados. E como os métodos científicos usados em educação evoluíram muito, os novos conhecimentos colocaram em questão muitas crenças que eram apenas isso – crenças”. Em muitos países, a comunidade cientifica está presente na formulação de políticas. Aqui, ainda predominam a inércia e pouco debate.
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