Na entrevista que segue abaixo, o professor João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, conta-nos sobre os objetivos do Programa Alfa & Beto na TV – 1º Ano, que estreará no dia 26 de outubro, na Rede Vida, além dos desafios envolvidos nessa nova iniciativa do Instituto em resposta à suspensão das aulas presenciais devido à atual pandemia.
O programa será exibido de segunda à sexta pela manhã, sendo reprisado na parte da tarde. Como o próprio entrevistado explica, o público-alvo são as crianças que estariam concluindo o 1º ano, as que nunca foram alfabetizadas e as que estão concluindo o Pré-II. “Qualquer criança com 5 anos pode se beneficiar do programa”, diz. Concebidos para a linguagem televisiva, os programas serão focados em Língua Portuguesa e Matemática.
“Temos um currículo robusto de Língua Portuguesa e Alfabetização, fundamentado na Ciência Cognitiva da Leitura. E um programa de Matemática baseado na proposta de Cingapura, considerada como a mais avançada no mundo”, destaca o professor João Batista Oliveira.
Vamos à entrevista:
Desde o começo da pandemia o Instituto Alfa e Beto vem tomando iniciativas no sentido de atenuar as consequências da suspensão das aulas. Foi assim com a Plataforma Alfa E Beto de Ensino à Distância (cursos gratuitos realizados por milhares de professores e outros profissionais da área de educação), com a disponibilização também gratuita de aplicativos educativos, com palestras de orientação a gestores de vários municípios etc. E agora chega o Programa Alfa & Beto na TV – 1º Ano. Trata-se também de uma iniciativa relacionada a esse contexto que estamos vivendo de escolas fechadas e uma parcela considerável de alunos prejudicados? Quais os objetivos principais do Alfa e Beto na TV – 1º Ano?
JBO: O principal objetivo é alfabetizar as crianças a ensinar as habilidades básicas da aritmética. O público-alvo são as crianças que estariam concluindo o 1º ano, as que nunca foram alfabetizadas e as que estão concluindo o Pré-II. Qualquer criança com 5 anos pode se beneficiar do programa. Mas ele também dialoga bem com crianças mais velhas. Há muitas sutilezas e desafios o tempo todo. O outro objetivo é desenvolver e avaliar estratégias alternativas de atendimento, seja por meio de aulas pelas TV, seja por um misto de ações. As aulas televisadas foram desenvolvidas tendo esses dois objetivos em mente.
Como surgiu a ideia desse programa de Alfabetização e de Matemática para o 1º ano na TV? A ideia tem algum programa como inspiração?
JBO: A Rede Vida nos procurou. Eles chegaram até nós por indicação de outra ONG, a Fundação Lemann. Disseram que iriam abrir um canal para educação e saúde durante a pandemia, e gostariam de atender os alunos das séries iniciais. Gostamos de desafios e aceitamos. Temos experiência com o uso de tecnologias em diversas áreas. E na pré-história de minha vida profissional, estive fortemente associado a iniciativas que, na década de 70, eram denominadas de teleducação. Quem trabalha com TV educativa e com alfabetização não pode ignorar os programas da CTW, criadores do Vila Sésamo (Sesame Street) e tantos outros programas educativos que continuam a circular em inúmeros países. Eles são e continuam sendo um grande manancial de inspiração.
Os programas serão baseados nos conteúdos dos livros do Instituto Alfa e Beto voltados para Alfabetização e Matemática de 1º ano. Quais os desafios de levar para a linguagem, formato e características próprias da TV conteúdos didáticos próprios de livros usados nas escolas?
JBO: Oferecemos dois cursos, um de Língua Portuguesa e outro de Matemática. A base é o currículo, e temos um currículo robusto de Língua Portuguesa e Alfabetização, fundamentado na Ciência Cognitiva da Leitura. E um programa de Matemática baseado na proposta de Cingapura, considerada pelos especialistas como a mais avançada no mundo. Os programas foram concebidos para a linguagem televisiva, e os alunos terão como apoio os materiais e livros produzidos e usados nos programas regulares do Instituto Alfa e Beto.
Como será a abordagem usada nos programas para prender a atenção da garotada e ao mesmo tempo ensinar de forma efetiva?
JBO: Prender a atenção da garotada – este é o grande desafio de qualquer programa, seja ele educativo ou não. Não foi possível desenvolver pré-testes, os programas foram produzidos em tempo recorde e no meio de fortes restrições técnicas resultantes das regras de distanciamento associadas à pandemia. Tivemos que apostar na experiência, nos princípios de bons programas televisivos e educativos, e no talento das pessoas envolvidas – nos roteiros, na execução e na direção. Cada programa tem dois bonecos: o Alfa e o Beto, em Língua Portuguesa, e o Gama e a Delta, na Matemática, com os quais esperamos que as crianças se identifiquem. São crianças alegres, inteligentes, curiosas, como toda criança. Quanto a ensinar, estamos bem mais confiantes, pois esta é uma área em que temos bastante experiência. Mas isso precisará ser comprovado na prática. E temos um objetivo adicional em mente, que é o de mostrar aos professores maneiras de ensinar e abordagens que possivelmente eles nunca tiveram oportunidade de ver. Este é um desdobramento que pretendemos explorar em profundidade, mesmo depois que cessar a urgência para a qual o programa foi criado.
Como as crianças, juntamente com seus responsáveis, devem acompanhar o programa no dia-a-dia? Elas usarão livros, cadernos, lápis de cor e outros materiais usados nas escolas? Haverá lições de casa, resolução de exercícios, enfim, atividades como as que acontecem em sala de aula?
JBO: O ideal é que as crianças tenham o tempo e espaço reservado, como é o caso de qualquer processo de ensino à distância. Como há uma hora marcada e as crianças são muito pequenas, é importante um acompanhamento dos pais para que a criança esteja com tudo pronto e à mão: livros, cadernos, lápis, borracha, deveres de casa. O programa é interativo: o que é perguntado aos bonecos é perguntado ao aluno, que deve participar e responder como se estivesse dentro do programa. Há joguinhos de computador, ditados, leitura, resolução de problemas escritos e orais, enfim, uma série ininterrupta de interações, incluindo o aprendizado e a prática da caligrafia. E esperamos que as redes de ensino se mobilizem para interagir em torno dos deveres de casa e atividades complementares.
Presume-se que o papel das famílias é vital para que os objetivos sejam alcançados. Qual seria a melhor maneira de eles ajudarem os filhos diante de um programa de alfabetização na TV? E no caso dos professores? Eles também podem contribuir? Ou eles poderiam ver o programa como um “concorrente” ao que eles já fazem nas escolas?
JBO: Respondo primeiro em relação às famílias. O principal papel da família é prover os meios, organizar o tempo e o espaço, ajudar a criança a se organizar e assumir a autonomia e responsabilidade. O segundo papel, quando a Secretaria de Educação estiver participando, é assegurar o recebimento e envio das tarefas de casa. E há o papel de sempre – que é o de interagir, conversar, supervisionar os deveres de casa, encorajar a criança a assumir as suas responsabilidades e, sobretudo, ler e conversar com a criança sobre livros e leituras. Responde agora sobre os professores. Sou professor, comecei a lecionar há mais de 60 anos. O que mais toca um professor é ver uma boa aula, ver um bom professor em ação. Nossos programas vão demonstrar para os professores – e para a sociedade – o que significa ser um bom professor, e o impacto que isso pode ter na vida dos alunos. Tenho certeza de que eles vão querer superar os professores do Alfa e Beto na TV. Torço para isso. Mas vale uma ressalva. No estúdio, temos domínio completo sobre os alunos. Na sala de aula é preciso ter as habilidades necessários para o domínio da turma. Isso não é algo que se pode ensinar pela TV.
Voltando para a questão do contexto de suspensão das aulas devido à pandemia de covid-19. Há uma grande preocupação no que diz respeito aos prejuízos à aprendizagem dos alunos em geral, desde a alfabetização até o ensino médio. O caso dos alunos que estão nessa etapa crucial da alfabetização é mais crítico e mereceria uma atenção maior do poder público e da sociedade em geral? Por quê?
JBO: A razão é muito simples: quem não tem autonomia é dependente. Quem não tem autonomia para ler e escrever depende de uma intermediação que muito poucas famílias têm condição de proporcionar. O Brasil vem descuidando da educação há 5 séculos, mas vem descuidando particularmente da alfabetização há quarenta anos. Quem sabe a pandemia e esse programa que estamos criando possam ajudar o Brasil a decidir, de maneira resoluta, por alfabetizar todas as crianças até o final do 1º ano do ensino fundamental. Basta querer.
Quais as expectativas do Instituto Alfa e Beto e da própria Rede Vida em relação à audiência e os impactos que o Programa Alfa & Beto na TV – 1º Ano pode ter, considerando o alcance do sinal aberto da emissora?
JBO: A Rede Vida alcança mais de 400 municípios – potencialmente, são mais de 100 milhões de pessoas. Isso é um bom tamanho. Precisamos de alianças com municípios que coloquem a criança em primeiro lugar.
O Instituto Alfa e Beto está contando ou pretende contar com o patrocínio ou apoio de outras empresas nesse projeto? De que forma as empresas ou mesmo outras entidades da sociedade civil poderiam se envolver com o Alfa & Beto na TV – 1º Ano para que o programa alcance seus objetivos?
JBO: O maior desafio é conquistar os municípios. A oportunidade é única – aproveitar esses quatro meses em que possivelmente as escolas estarão fechadas, no todo ou em parte, tanto para recuperar o tempo perdido, no caso dos alunos do ensino fundamental, quanto para preparar as crianças que perderam um ano preparatório de pré-escola. A questão financeira sempre se coloca, mas o maior desafio é contar com Prefeitos e Secretários que coloquem a criança à frente de outras preocupações – especialmente eleições e o formalismo do calendário convencional.
De um modo geral, o Brasil ainda está mal quando o assunto é alfabetização e aprendizagem de Matemática de 1º ano? Os avanços nos últimos anos e décadas foram consistentes ou estão acontecendo num ritmo lento ante às nossas necessidades?
JBO: O Brasil está e continua atrasado na alfabetização. A BNCC – Base Nacional Curricular Comum trata mal o assunto. A PNA – Política Nacional de Alfabetização publicou documentos corretos, mas carece de instrumentos operacionais adequados, pelo menos até aqui. E o establishment educacional está apostando no fracasso deste governo e dessa política – até aqui não houve nenhuma manifestação de acolhida e entendimento das propostas contidas na Política Nacional de Alfabetização. E o MEC, por sua vez, também não deu nenhum passo no sentido de promover e acolher iniciativas consistentes e comprovadamente eficazes. Trabalho com esse tema há vinte anos e ainda sinto que a alfabetização continua sendo uma questão marginal na educação. Em relação ao programa: trata-se de um programa de TV educativa, semelhante a jogos educativos. Ele não compete com programas de diversão e entretenimento – da mesma forma que os joguinhos não competem. Ele supõe uma rotina, estrutura e organização que são próprias do processo escolar. Desde a década de 60 existem estudos e iniciativas importantes no mundo da teleducação escolar. É preciso assegurar estrutura e ajudar as crianças a se manterem no ritmo.