“Se você tem um filho, não é porque gasta bastante dinheiro com ele que, necessariamente, ele se desenvolverá mais e será uma pessoa melhor que o filho de alguém sem tantos recursos quanto você. O resultado do seu investimento depende muito de como ele está sendo feito – se você está gastando com prevenção contra doenças, com educação e certas coisas que vão chamar atenção de seu filho para aspectos relevantes, ou se você usa o dinheiro com itens completamente irrelevantes, que podem ter efeitos negativos sobre a saúde ou o desenvolvimento dele. A mesma coisa acontece na escola”. A declaração de Ricardo Paes de Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna (IAS) e professor do Insper, não apenas responde a questão “mais investimento garante mais qualidade?”, como também ilustra o que mostram os estudos apresentados no livro Educação baseada em evidências: como saber o que funciona em educação, do Instituto Alfa e Beto (IAB): mais importante que o valor investido em educação é a maneira como os recursos são aplicados.
A obra do IAB tem como base estudos feitos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) para apontar o que realmente pode fazer a diferença. Os autores destacam que os pesquisadores da OCDE que analisaram os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) constataram que maior renda nacional ou maior gasto em educação não garantem melhor desempenho dos alunos. “Por outro lado, dada a importância dos professores no desempenho dos estudantes, os estudos disponíveis sugerem que há forte associação entre a capacidade de atrair e manter bons docentes e o nível de desempenho escolar”, indicam. Além disso, os autores destacam que bons professores permanecem no cargo quando as condições escolares são mais adequadas. “Portanto, pode-se inferir que há forte relação entre o uso de recursos destinados à manutenção de professores mais qualificados e de condições adequadas de trabalho nas escolas – embora não seja possível inferir que isso signifique necessariamente maiores gastos. Na Coreia do Sul, por exemplo, esses gastos maiores são contrabalançados pelo maior número de alunos nas salas de aula, o que resulta em menores custos médios”, pontuam.
André Lázaro, pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso-Brasil) e diretor da Fundação Santillana, acredita que é necessário prosseguir elevando o investimento em educação. “Os países da América Latina, em sua maioria, vêm ampliando os investimentos na área ao longo do século 21, mesmo considerando a crise internacional de 2008”, destaca. “O Brasil elevou de modo expressivo o gasto público em educação com relação ao PIB [Produto Interno Bruto], alcançando valores superiores aos praticados por países desenvolvidos”, acrescenta. No entanto, para o pesquisador, é necessário considerar especialmente os pontos frágeis, que, segundo ele, estão na educação de jovens e adultos, que tem impacto direto na aprendizagem das crianças; na infraestrutura das escolas públicas; na educação no campo; na educação infantil, que tem consequências em toda a trajetória escolar posterior; no ensino médio e profissional, ainda muito tímido a despeito da grande expansão da década inicial do século; e, não menos importante, na educação superior, uma vez que o Brasil apresenta uma das mais baixas proporções mundiais de jovens e adultos com educação terciária. “Daí a relevância do Plano Nacional de Educação [PNE] 2014-2024 e suas vinte metas, que tratam desses e de outros desafios”, avalia o pesquisador.
Os erros e o caminho para o sucesso
Na opinião de Paes de Barros, um dos líderes do eduLab21, laboratório lançado pelo IAS para apoiar a formulação de políticas públicas com base em evidências, é preciso avaliar o cenário com base em três ângulos: 1) Em que o dinheiro está sendo gasto (prioridades estão sendo atendidas)?; 2) Os recursos estão sendo aplicados de maneira eficiente (está se comprando o melhor produto, pelo melhor preço, ou é possível – e importante – rever os fornecedores)?; 3) Os produtos comprados estão sendo utilizados de maneira correta? “Muitas vezes, o que falta é pensar na eficiência alocativa dos recursos. Ou seja, primeiro é preciso garantir que os itens realmente necessários ao funcionamento da escola sejam comprados. Depois, refletir sobre os fornecedores. Por último, usar eficientemente tudo que foi comprado. Não adianta ter um bom orçamento para merenda, por exemplo, fazer a compra e desperdiçar alimentos porque deixou fora da geladeira, ou, então, deixar o material didático em um lugar aberto e perder os livros porque choveu, molhou e eles ficaram inutilizáveis. São pequenos cuidados que fazem mais diferença que simplesmente ter mais dinheiro”, explica.
Lázaro acrescenta que, especificamente no Brasil, o problema começou anos atrás, com a timidez com que o estado brasileiro e suas classes dirigentes trataram o tema no decorrer da história – particularmente no século 20. “Como exemplo, vale lembrar que o Manifesto dos Pioneiros já apontava, em 1932, a necessidade de investimentos para universalizar a educação pública. A ditadura (1964-1985) não ampliou os recursos, embora tenha havido um período de forte expansão do PIB. No entanto, só no início do século 21 registra-se crescimento significativo na proporção de gastos públicos do PIB para educação e, mesmo assim, insuficientes face ao tamanho dos desafios brasileiros”, considera. O pesquisador da Flacso-Brasil salienta que as metas estabelecidas pelo PNE – de atendimento escolar, formação de profissionais e sua remuneração, gestão e financiamento e avaliação e monitoramento – vêm ajudando a melhorar esse panorama. Ainda assim, ele pontua que a destinação de recursos deve ser acompanhada de melhor gestão, o que implica em contar com apoio da sociedade para validar os esforços em curso, acompanhar a aplicação dos investimentos, comemorar os resultados alcançados quando traduzirem o alcance das metas estabelecidas e exigir responsabilidades dos gestores e governantes com a garantia dos direitos expressos na Constituição Federal.
Lázaro enfatiza ainda que não existe “bala de prata”, ou seja, não há uma solução mágica que resolva os desafios educacionais, especialmente em um país que retardou tanto a adotar uma visão cidadã e democrática do direito à educação. No entanto, ele acredita que a correlação entre investimento e desempenho é positiva até que se alcancem patamares mínimos que garantam condições necessárias de aprendizagem. “O Brasil caminha nessa direção, mas ainda tem um longo percurso a cumprir, tanto em relação ao volume de recursos quanto aos critérios de sua distribuição e aos esforços para aprimorar sua gestão”, declara.
Reportagem publicada na edição de maio de 2016 da revista Gestão Educacional. Leia a matéria completa na revista impressa.
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