Este post faz parte de uma série produzida pelo Instituto Alfa e Beto que irá desvendar em 20 capítulos a inteligência. Todas as segundas-feiras são publicados novos artigos neste espaço. Acompanhe! Clique aqui e veja todos os posts já publicados. Para ver o índice completo da série, clique aqui.
No post de hoje, o décimo capítulo da série QI: Desvendando a Inteligência, trataremos de um conjunto importante de habilidades que afetam a nossa vida, as habilidades socioemocionais. Elas também afetam o uso de nossa inteligência, mas, independentemente da nossa inteligência, elas afetam muito nossa forma de ser e de lidar com nossos sentimentos, com os outros e com o mundo.
A lista de habilidades socioemocionais não para de crescer – quando lemos a respeito de “habilidades para o século XXI” encontramos tudo que nossos antepassados já nos recomendavam como virtudes, caráter ou hábitos saudáveis de vida, e vamos encontrando muitas outras, como a “capacidade de colaborar produtivamente em grupos”.
Habilidades socioemocionais são habilidades não-cognitivas relacionadas com o caráter, temperamento, personalidade ou a qualidades pessoais. Elas podem ser agrupadas de diferentes maneiras – utilizamos abaixo um esquema proposto por um grupo de trabalho organizado pela OCDE14:
Habilidades relacionadas com o atingimento de objetivos:
- Perseverança
- Autocontrole (parte das habilidades de controle executivo)
- Paixão pelos objetivos
Habilidades de trabalho em grupo:
- Sociabilidade
- Respeito
- Atenção
Habilidades para lidar com emoções
- Autoestima
- Otimismo
- Confiança
É fácil perceber como essas habilidades são fundamentais para a vida. E elas também nos permitem prever como as pessoas se comportam ou se comportarão em diferentes ambientes, agora e no futuro. Para a maioria das situações da vida, essas habilidades são muito mais importantes e mais úteis do que um nível muito elevado de QI. De nada adianta ser inteligente se a pessoa é preguiçosa ou não tem paixão pelo que faz. Dificilmente vai adiante na vida quem não respeita os outros ou quem não confia em si mesmo.
Aqui temos várias boas notícias. A primeira é que essas habilidades, tão importantes, não possuem relação com o QI – embora nos limites inferiores a pessoa pode ter problemas de coordenação associados ao controle de suas emoções ou para transformar seus desejos em ação concertada.
A segunda é que essas habilidades são mais sujeitas a mudança e podem ser desenvolvidas durante mais tempo. Tomemos o caso do temperamento: ele se define nos primeiros anos de vida. Mas ao longo da vida podemos “domar” o nosso temperamento e corrigir as suas manifestações mais indesejadas – por exemplo.
Essas habilidades são particularmente críticas e vulneráveis na pré-adolescência e adolescência, período em que aumento o risco de desajustes. Por outro lado, como adultos, sabemos do impacto que podem ter as boas amizades, a família e instituições de apoio social para ajudar o jovem a se autocontrolar e a desenvolver comportamentos socialmente mais aceitáveis.
Não temos a mesma flexibilidade para fazer isso com o nosso QI. Um nível relativamente baixo de QI pode ser compensado – dentro de limites virtualmente desconhecidos – com doses maciças de motivação, esforço e tenacidade. Isso pode não ser suficiente para resolver o Teorema de Fermat, mas pode ser suficiente para concluir um bom curso superior, produzir videogames ou soluções para graves problemas sociais ou conflitos interpessoais, ganhar a vida de forma satisfatória e educar os filhos de forma adequada e contribuir para a sociedade de forma significativa.
A terceira notícia também é boa, mas não tão boa: podemos desenvolver um pouco nossas habilidades socioemocionais, mas o nível de esforço é grande, e tão maior quanto mais tarde decidirmos mudar a forma de conduzir nossas vidas. Mudar é difícil, requer um longo processo de desaprendizagem (ou descondicionamento) e um novo processo de aprendizagem, que, muitas vezes, requer um novo ambiente e novas formas de relacionar com esse ambiente. Pense na dificuldade de mudar hábitos como postergar a conclusão de tarefas, ser pontual ou deixar de mostrar impaciência diante de certas pessoas ou ideias de que não gostamos.
A quarta notícia é mais preocupante: a falta de estímulos adequados para o desenvolvimento socioemocional nos primeiros meses de vida pode levar a problemas graves, inclusive cognitivos e de difícil reversão – como no caso da falta de crianças geradas ou criadas em ambientes sujeitos a um alto nível de estresse ou falta de afeto. Este, por exemplo, é o caso de crianças que vivem em orfanatos sem contato com um adulto com quem interagir ou de crianças cujas mães passam por períodos longos de depressão pós-parto.
No próximo capítulo de nossa série sobre QI e desenvolvimento da inteligência falarei do elo que liga as habilidades cognitivas e não-cognitivas, o controle executivo. Não perca. |
*Referência bibliográfica:
14 A OCDE produziu um estudo detalhado a respeito do estado da arte a respeito das habilidades sociomocionais. Este estudo foi objeto de um seminário realizado no Brasil em 2015 e tem tradução em Português:
- OCDE/Fundação Santillana (2015). Competências para o progresso social: o poder das competências socioemocionais. Paris: OCDE (Fundação Santillana para a tradução em Português).