O jornal Gazeta do Povo publicou nessa quarta-feira, dia 26 de agosto, uma matéria baseada em um estudo sobre o impacto do fechamento das escolas em decorrência da pandemia de COVID-19 no desempenho dos alunos. O artigo foi escrito pelo professor João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, em parceria com os pesquisadores Matheus Gomes e Thais Barcellos, ambos da consultoria IDados. Leia a matéria abaixo.
A retomada das aulas depois da pandemia da Covid-19 vai trazer um dilema para muitas escolas de ensino fundamental e médio: como recuperar o tempo perdido da forma mais eficiente possível, para não afetar de forma significativa também o ano de 2021? Segundo um estudo publicado em julho por pesquisadores do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, a melhor solução é concentrar-se nas matérias mais importantes.
“A questão é focar nas disciplinas essenciais: português, matemática e ciências. E não ficar tirando pedaço de tudo. Recuperar nisso, depois você volta ao normal”, diz João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto e um dos autores do estudo.
No Brasil, 19,5 milhões de alunos da educação básica e superior brasileira estão sem aulas durante a pandemia da Covid-19, segundo dados de agosto do DataSenado. Entre os quase 56 milhões de alunos matriculados em instituições de ensino, 35% tiveram as aulas suspensas devido à pandemia de covid-19, e 58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas remotas. Além disso, na rede pública, 26% dos alunos que estão tendo aulas online não têm acesso à internet.
Segundo dados de maio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), 186 países ou regiões fecharam escolas total ou parcialmente para conter a disseminação da Covid-19, o que atingiu cerca de 70% dos estudantes.
Para Batista, um erro comum durante o isolamento social tem sido o foco excessivo em conteúdos extracurriculares. “O que você vê na pandemia, no dia a dia? O pessoal fica catando na internet atividades interessantes para a criança fazer. Pega alguma coisa, bota no WhatsApp e fala: ‘olha que legal!’ Isso não leva a nada. Se você não tem uma ideia muito clara da disciplina, da estrutura, da sequência de como aquilo funciona, dificilmente você vai promover uma recuperação dos buracos e muito menos um avanço”, afirma.
Na história, fechamento das escolas fez a escolaridade média diminuir
O estudo recorda alguns eventos que alteraram a frequência escolar dos estudantes de forma significativa, e aponta que, em casos semelhantes ao da pandemia, a consequência foi a diminuição da escolaridade média dos alunos afetados.
Em 1916, por exemplo, uma epidemia de poliomielite nos Estados Unidos forçou o fechamento das escolas nos primeiros dois meses do ano letivo, o que resultou em evasão escolar significativa.
Na Bélgica, em 1990, uma greve de professores em uma comunidade paralisou as escolas por quase seis meses, e a escolaridade média dos alunos afetados pela greve caiu em relação àqueles que não foram afetados.
Há também um exemplo mais recente, de 2005, quando os furacões Katrina e Rita levaram ao fechamento de escolas no sul dos Estados Unidos. O resultado foi uma queda no desempenho dos estudantes em matemática.
Aumentar carga horária para compensar perdas não é boa solução, diz pesquisa
Uma das principais soluções que têm sido propostas para compensar o tempo perdido por conta do isolamento social é o aumento da carga horária nas escolas. O currículo poderia ser cumprido com mais facilidade, e o ano letivo de 2021 seria retomado sem alterações.
Os pesquisadores afirmam que essa opção, por si só, não deverá trazer bons resultados. Mencionando diversos estudos sobre o tema, eles concluem que, em situações normais, fora do contexto de pandemia, a ampliação da jornada não costuma aumentar de forma significativa o conhecimento dos alunos sobre os temas estudados. Os efeitos positivos do aumento da carga horária encontrados em alguns estudos são modestos e dependem de um currículo bem estruturado.
Além disso, os pesquisadores apontam os benefícios de apresentar novas informações de forma espaçada, para garantir um nível de atenção elevado e maior tempo para assimilar a informação e “gerar associações entre as informações novas e as antigas”.
“Tempo a mais funciona se ele for de boa qualidade e se não for exagerado, se tiver um equilíbrio”, diz João Batista. “Não adianta esticar o negócio se for para fazer mais do mesmo. E não adianta esticar se o aluno for ficar estonteado de tantas horas.”
Os autores destacam que as perdas por conta da pandemia devem ser notadas especialmente em alunos mais pobres e na disciplina de matemática. O prejuízo pode ser atenuado com a adoção de estratégias adequadas.
A primeira delas, para os pesquisadores, é fazer um diagnóstico dos alunos no pós-pandemia, para saber quais são as principais deficiências apresentadas. Eles também sugerem a adoção do ensino estruturado – um modelo pedagógico em que aquilo que o professor faz em sala de aula é previamente estabelecido, e em que as reações às respostas dos alunos obedecem a um script – para aumentar a eficácia das aulas.
Os autores apontam ainda a necessidade do “uso estratégico dos deveres de casa e de programas de leitura”, da “redução do absenteísmo” e de “programas intensivos de tutoria em pequenos grupos”.