O curitibano Evandro Marenda enxerga a ilustração como um fenômeno. Em entrevista para o Blog da Alfa e Beto Soluções, ele conta mais sobre a arte que traz à luz, ilumina e explica um projeto pedagógico.
Como ocorre a sintonia entre ilustração e texto em seus projetos?
Evandro Marenda – ‘Ilustrar’ pode ser entendido como ‘trazer à luz’, ‘iluminar’, ou ‘explicar’. Mas a ilustração pode ter funções diferentes, dependendo do projeto em que entra.
Em livros, eu trabalho com projetos didáticos, de literatura e paradidáticos. Nos projetos didáticos as instruções para as ilustrações são bem específicas, na maioria das vezes o pedido é a descrição da ilustração – ‘desenhar uma sala de aula com 10 crianças, de várias etnias, algumas de óculos, uma em cadeira de rodas, fazendo uma atividade de montar cartazes, sob supervisão da professora’, por exemplo, ou ‘desenhar uma castanheira que ocupe parte da página e os cocos das castanhas abertos, para que a criança possa ver de onde vêm as castanhas’. Nos livros didáticos a ilustração é o equivalente visual do texto e serve como um “potencializador” para a informação, então geralmente é alinhada lado a lado com o conteúdo escrito. Algo destoante pode ser interpretado como ruído.
Na literatura, por outro lado, na maioria das vezes, a ilustração tem a função de complementar e ampliar a narrativa escrita. Como na literatura é comum possibilitar múltiplas interpretações, a ilustração tem espaço para – ao mesmo tempo que elucida algumas coisas como aparência de personagens e cenas – sugerir caminhos além dos que o texto já sugere. Não é raro o texto ser bem pouco descritivo e a ilustração mostrar elementos que o texto sequer menciona. Aqui seria redundante ilustrar exatamente o texto, como nos livros didáticos. Geralmente elementos adicionais são bem-vindos, mesmo que destoantes.
Qual a importância da ilustração nos livros paradidáticos?
EM – O livro paradidático é a via entre o didático e a literatura, então aqui vejo que a ilustração obedece a ambos, ao mesmo tempo. No livro paradidático o ensinamento está diluído em uma narrativa literária, mas mantém firmes elementos e diretrizes didáticas, dentro da fantasia poética. Imagino como uma direção linear, mas que serpenteia, diferente da puramente didática, que é reta. E aqui há espaço para a criança imaginar, mas não tão livremente como na literatura. A ilustração no paradidático então vai abrir espaços na parte poética dos textos e dar suporte na parte didática.
Como sua ilustração se relacionou com o texto do livro “Trabalho na Colônia de Férias”?
EM – O texto ‘Trabalho na Colônia de Férias’ é um texto paradidático. Aqui há um objetivo de informar sobre profissões, sobre o caminho da produção agrícola, para a industrial e distribuição comercial nas cidades. Esses elementos didáticos aparecem nas ilustrações como ilustrações didáticas, os produtos, indústrias, caminhões de transporte, os esquemas entre eles.
Mas o texto faz isso contando a história de uma criança da cidade que participa de uma colônia de férias na fazenda, conhece os trabalhadores rurais e depois visita uma fábrica de laticínios, observa o produto ser transformado industrialmente até chegar no mercado da cidade, de onde a criança vem no começo do livro. O texto mostra a visão humana e colaborativa desse processo, através das relações.
O texto não descreve mesmo nenhum dos personagens e deixa para a ilustração dar corpo a eles, nem mesmo o personagem principal, pelo texto, sabemos se é menina ou menino – e escolhi menino simplesmente porque os dois últimos livros que havia ilustrado da mesma coleção eram sobre meninas.
O texto trabalha com rimas também, mas não de palavras, rimas narrativas. O menino conhece pessoas e descobre o que produzem na fazenda, um após o outro. Então nas ilustrações trabalhei com rimas, como elementos dos trabalhos dos personagens à sua volta, decorando a cena de cada um. Para a agricultora – serrote, vassoura de arado, regador; para o cuidador de animais – balde, luva, pá, carrinho de mão; para a mãe do personagem, enfermeira – estetoscópio, prancheta, seringa; etc.
O que você destaca nesse livro que contribui para o melhor entendimento dos alunos sobre o tema “Mundo do trabalho”?
EM – Para as ilustrações fiz o traço mais grosso, com o giz de cera, para acompanhar o foco do trabalho manual da primeira metade da história. Gostei muito desse texto por dar nome aos trabalhadores e humanizá-los, não são simplesmente “a agricultora”, “o cuidador de animais”, “a cozinheira” e “o apicultor”, mas Dona Rosa, Seu Didi, Dona Eva e Seu Zezé. E também a noção da importância do trabalho de cada um, que o menino reconhece em sua admiração. Então a expressão de felicidade e admiração, de satisfação ao comer o mel ou ansiedade por conhecer a fábrica, são tão importantes nas ilustrações.
O livro citado por Evandro – “Trabalho na Colônia de Férias” – faz parte da Coleção Leituras para o Ensino Fundamental I e pode ser adquirido aqui.