Para boa parte dos professores – e também dos estudantes, a gramática parece ser uma disciplina sem sentido, marcada por regras e descolada da realidade. Soma-se a isso professores muitas vezes mal preparados e que, sem suporte, levam à aprendizagem deficitária da língua portuguesa.
Para Roger Beard, pesquisador e professor da Universidade de Londres, uma das maiores referências no mundo quando o assunto é ensino da língua, esse é justamente um dos maiores desafios dos educadores no ensino da língua.
De acordo com o especialista, o ensino da gramática se faz necessário e as evidências científicas apontam que, para ser eficaz, ele precisa ser combinado com o ensino da escrita para que as crianças percebam a aplicação de seus conhecimentos. “Um conjunto de evidências sugere que o ensino contextualizado da gramática está auxiliando no desenvolvimento da escrita, especialmente se as crianças são ajudadas a generalizar a partir de um exemplo, usando-o em diferentes padrões e aplicações, em sua própria escrita ou na escrita de outros autores”, diz Beard.
Em agosto, Beard virá ao Brasil para o VIII Seminário Internacional do Instituto Alfa e Beto, que terá como tema o Ensino da Língua e a Formação de Professores. O evento, que acontece no Rio de Janeiro entre os dias 13 e 14 de agosto, vai debater, entre outros, o ensino eficaz da gramática, da escrita e da compreensão da leitura.
Nós conversamos com Beard a respeito desses assuntos e o resultado desta entrevista está sendo publicado em partes neste espaço. Confira a seguir a quarta parte dessa conversa (as demais partes estão disponíveis aqui):
A gramática é importante para a compreensão da leitura? Como ela pode ajudar no desenvolvimento dessa habilidade?
Essa é uma questão bastante controversa. É possível que a consciência das crianças a respeito das regras gramaticais se desenvolva naturalmente, como num impulso, a partir da evolução da compreensão da leitura e da escrita, como um todo. Em alguns casos as crianças não estarão conscientes das regras e convenções gramaticais sem que elas tenham sido introduzidas formalmente a elas. No entanto, há evidências sobre a necessidade de se tratar de tornar explícitas as regras implícitas da gramática com o objetivo de se atingir as plenas capacidades da criança de compreender e escrever e ajudá-las quando elas não estão muito certas de como expressar algo ou de como compreender algo. Nesse ponto o bom ensino da gramática chama a atenção para as regras mais implícitas e torna essas regras claras, fazendo com que as crianças entendam as convenções demonstradas em uma lição específica, fazendo com que elas aprendam técnicas de compreensão e de escrita.
Porém, não há muitas evidências a respeito do papel da metalinguagem no processo de ensinamento da gramática. Um estudo realizado há muitos anos, em Chicago, fez uma metaanálise e descobriu que contextualizar as aulas de gramática não tinha muito impacto no desempenho dos alunos na escrita. Mas vou levar comigo ao Brasil um conjunto de evidências que sugere que o ensino contextualizado da gramática está auxiliando no desenvolvimento da escrita, especialmente se as crianças são ajudadas a generalizar a partir de um exemplo, usando-o em diferentes padrões e aplicações, em sua própria escrita ou na escrita de outros autores. Esse estudo foi conduzido por uma colega minha em uma universidade britânica e vou apresentar essas evidências no seminário com mais propriedade. Essas são evidências de que o ensino da gramática pode ajudar no desenvolvimento da escrita – o ensino da gramática não como uma coisa separada, mas como parte do ensino da escrita.
Essa pesquisa é o primeiro estudo a respeito desse tema?
Acho que sim. Até onde sei esse é o primeiro estudo randomizado a esse respeito, o que significa que um grupo teve aulas de gramática e um outro grupo não teve aula de gramática. Quando analisado o impacto na escrita antes e depois da intervenção, nota-se que o ensino da gramática teve resultado positivo na escrita das crianças.
Quais técnicas não funcionam para ensinar gramática?
As técnicas que envolvem o ensino da gramática separada do ensino da escrita não mostram impactos no curto prazo devido ao tempo necessário para que isso se repercuta na prática. Dessa forma, os efeitos não podem ser vistos no curto prazo. Em alguns casos, talvez, pode haver resultado no longo prazo. Um autor famoso no Reino Unido disse certa vez mesmo que o ensino da gramática não provoque impactos no curto prazo, mais do que ser ensinada e aprendida, ela cria um banco de recursos internos de que lançamos mão quando sentimos necessidade.
O único trabalho envolvendo gramática que parece ter algum impacto prévio na escrita é o que relata uma técnica chamada “exercícios de dedilhado”, comparando o ensino da gramática com o ensino do piano, onde é preciso fazer exercícios para o dedo. A principal pesquisa a respeito dessa técnica envolveu a técnica de combinar sentenças, e foi feita nos Estados Unidos. As crianças eram instruídas a combinar sentenças, transformando sentenças positivas em negativas, perguntas em afirmações, assim por diante. Um ensino apropriado da gramática combinado com essas lições parece ter tido resultados positivos. Mas essa não é uma técnica muito reconhecida no Reino Unido. Até onde sei, não existem muitas evidências sobre sua eficácia.