Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Valor Econômico
A mudança do Ensino Médio, com ênfase na diversificação de trajetórias para os alunos, marca o encontro do Brasil com as demandas da economia e abre espaço tanto para decisiva contribuição do Sistema S quanto para aliviar a crise financeira dos Estados. O empresariado – acomodado ao patamar medíocre da mão de obra oferecida pelas escolas – não poderá perder esta chance de participar.
O ponto central da reforma proposta consiste em ampliar trajetórias, permitindo aos alunos escolher entre dois caminhos, o de feição mais acadêmica, com ênfase na preparação para o Ensino Superior, e outro, mais profissionalizante, voltado à preparação técnica para o mundo do trabalho.
Nos dois casos, haverá opções. O aluno poderá escolher curso mais científico ou humanístico ou uma determinada área técnica industrial, agroindustrial ou atividade no ramo dos serviços. Terão que dominar alguns conhecimentos, o que não significa cursar as mesmas disciplinas do núcleo comum, ao mesmo tempo, numa escola “acadêmica”: cada escola ministrará a parte do núcleo comum no contexto de suas propostas pedagógicas.
Até a década de 1970, havia, no país, diversificação. No ensino acadêmico, tínhamos o clássico e o científico; no profissional, o industrial, comercial, agrícola e o curso normal – uma das poucas coisas boas que sabíamos fazer para formar professores. Tudo isso poderá ressurgir com uma nova roupagem do século XXI.
A reforma também coloca o Brasil na mesma trilha que sempre pautou a educação nos países industrializados. A classificação internacional da educação, conhecida como o ISCED, mostra como os países organizam a sua educação em níveis: os níveis 0, 1 e 2 correspondem à Educação Infantil, séries iniciais e séries finais do ensino brasileiro. A partir do ISCED 3 começa a diversificação – o que se dá por volta dos 14 ou 15 anos em praticamente todos os países industrializados. O Pisa avalia isso – o conhecimento que se espera de todo cidadão aos 15 anos de idade. Daí para diante os caminhos divergem.
O país retoma, agora, o que já é rotina nas nações desenvolvidas. Na maioria dos países da OCDE, a matrícula nos cursos voltados para a preparação para o mundo do trabalho representa de 30 a 70% dos alunos. Apenas os Estados Unidos oferecem formas diferentes de diversificação. Nas últimas décadas, surgiram ali as “career academies”. Na maioria dos países, fica sempre aberta a opção para continuar os estudos em nível superior – como está previsto na MP do Ensino Médio.
Essa MP significa igualmente o reencontro com a economia. Nos EUA, pouco mais de 50% da força de trabalho tem algum tipo de curso pós-secundário. Não existe nenhuma economia capaz de oferecer emprego de nível superior para 100% de sua população. Na maioria, entre 40 a 50% da força de trabalho possuiu uma formação profissional adequada em nível médio. No Brasil temos apenas 8% de alunos matriculados em cursos médios técnicos e menos de 15% da força do trabalho com formação profissional, o que está associado à baixa produtividade da nossa mão-de-obra. Para a reforma virar realidade é fundamental o envolvimento do Sistema S e do setor privado na aprovação dessa legislação e na sua implementação.
A reforma do Ensino Médio vem também em boa hora para as combalidas finanças dos Estados e sua proverbial dificuldade de administrar gigantescas redes de ensino. Imaginemos uma situação em que o Sistema S e outras escolas especializadas ofereçam Ensino Médio técnico de excepcional qualidade para 50% dos jovens de 15 a 17 anos. Os atuais recursos do Sistema S dão de sobra para isso e competência não lhes falta. Nos grupos de municípios acima de 20 mil habitantes poderia haver pelo menos uma escola com algumas opções profissionais básicas, assegurando revolução na qualidade dos serviços. O BNDES, que já sinalizou intenção de fomentar a formação de capital humano, poderia ser o indutor-mor dessa vertente. Metade do problema estaria resolvido.
Aos Estados restaria cuidar de pouco mais de 4 milhões de alunos. Cerca de 6 mil escolas com 750 alunos em média dariam conta do recado, como o ICE – Instituto de Co-responsabilidade empresarial – já demonstrou. Se induzidos a municipalizar o que resta do Ensino Fundamental, os Estados poderiam superar grande parte dos seus problemas financeiros. Fazer isso de forma viável exige cuidadoso planejamento da infraestrutura, localização das escolas e revisão na legislação, especialmente referente a contratos e horas de trabalho dos professores.
Há ambiguidades e excessos na Medida Provisória que precisam ser aprimorados e revistos. Por exemplo, números de disciplinas e carga horária. No IB – International Baccalauréat – o programa de Ensino Médio mais bem-conceituado do mundo, o aluno escolhe sete disciplinas, três ele cursa como principais e quatro como secundárias.
No Education at a Glance 2016, da OCDE, onde se encontram as estatísticas educacionais mais atualizadas, vemos que, nos países industrializados, os alunos frequentam escola durante 180 a 190 dias, com uma carga horária máxima de 800 horas por ano. Afinal, existe vida inteligente e coisas interessantes fora da escola! O Brasil deve entender que mais quantidade não é sinônimo de qualidade, e que para haver qualidade não precisa de quantidade.
Resistências haverá – tanto por parte dos ideólogos de uma pretensa formação geral quanto dos corporativistas que defendem seus mercados de trabalho. Não há como dialogar com os ideólogos, pois não se curvam a argumentos e à realidade. O critério de decisão deveria ser sempre o mesmo: o que é melhor para o futuro dos jovens, da economia e da sociedade.