Vamos dar sequência à série de posts “Redescobrindo as funções da escola em tempos de covid-19″. No primeiro post, procuramos responder algumas perguntas relacionadas à aprendizagem: o que os alunos vão perder? Vão parar de aprender? Como fica o prejuízo? E a equidade?
Neste post, vamos tratar do valor do ensino presencial.
O despreparo (em todo o mundo) para lidar efetivamente com as novas (e velhas) tecnologias de ensino está associado em grande parte ao desconhecimento das características que tornam robusto o ensino presencial.
O modelo institucional da escola (professor, aluno, sala de aula, horários, disciplinas, disciplina, provas, notas) vem se consolidando há mais de 20 séculos, e sua universalização, a partir da Revolução Industrial, confirmou sua robustez.
Conhecer melhor o valor do ensino presencial poderá ajudar tanto a aprimorar a sua qualidade quanto a incorporar o ensino híbrido e outras formas de tecnologia e ensino à distância.
A pergunta relevante é: o que dá robustez ao modelo da escola convencional? Neste post, tratamos do que é próprio da escola, o ensino presencial, que se reflete no modelo predominante, mas não exclusivo, da aula expositiva. Tratamos aqui de quatro aspectos de maneira breve e isolada. Mas possivelmente seu efeito não é isolado – cada aspecto interage e maximiza os demais.
. A escola organiza e transmite informação. Um bom currículo escolar apresenta conteúdos relevantes de forma organizada e com uma estrutura e sequência que facilitam e promovem a sua retenção e transferência a outras situações. Evidências sobre o tempo de ensino, frequência escolar e uso de testes do tipo perguntas e respostas estão fortemente associadas ao desempenho dos alunos em testes acadêmicos e de QI.
. A escola ensina e requer modos de cognição mais desafiadores. O modo padrão é chamado sintagmático, característico da criança, dos indivíduos de baixa escolaridade: banana e laranja são comestíveis, têm casca, semente. São observações puramente funcionais, perceptuais. O modo da escola é paradigmático – aprendemos a classificar para além das aparências (são frutas). A escola faz isso o tempo todo, e isso muda a forma como o cérebro processa informação.
. A escola ensina e prática modos de aprendizagem que ajudam a aprender: perguntas e respostas, tempo limitado para responder, aprender a ouvir o professor ou o colega, responder a queima-roupa, ficar concentrado por algum tempo. Há mecanismos sociais para desenvolver e assegurar a aprendizagem desses comportamentos – chamados de metacognição.
. A escola ensina coisas que “não servem para nada” de maneira proposital. Não se chega ao absurdo de plantar e arrancar cabos de vassoura, como no treinamento monástico. Mas chega perto disso. A escola encoraja o raciocínio formal, descritivo, repetitivo e, sobretudo, descontextualizado, o que força o raciocínio, obriga a pensar, e não apenas a “falar”, ou seja, ensina o domínio da língua e a explicitação da sintaxe para entender todo tipo de relação (proximidade, causa efeito etc.) – elementos essenciais para promover o raciocínio abstrato.
Tudo isso funciona quando é bem feito e vai junto. Por detrás disso, encontra-se uma estrutura, uma organização hierárquica, que torna possível ao professor cumprir o seu papel e, dessa forma, promover as habilidades socioemocionais que, entre outras coisas, viabilizam a atenção, a memória e, sobretudo, o esforço necessário para as aquisições cognitivas.
Continuaremos a tratar desse assunto nos próximos três posts.
Dica de leitura: livro Aprender e Ensinar
(Post publicado originalmente no blog Educação em Evidência, em Veja.com)