João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, dedica-se há muito tempo em entender o cenário de fracassos por que passa a alfabetização no Brasil e, ainda, em propor um ensino eficaz, baseado em evidências.
Sua atuação no meio educacional foi reconhecida, no segundo semestre de 2006, com o Prêmio Darcy Ribeiro de Educação. Esse prêmio foi criado em 1988 com o objetivo de reconhecer pessoas e entidades cujos trabalhos mereceram destaque especial na defesa e na promoção da educação brasileira.
Em meio a intensos compromissos profissionais, João Batista respondeu à equipe da Língua Nostra, intrigantes e prementes questões relativas à alfabetização.
No cenário preocupante por que passa o ensino inicial da leitura e da escrita, os leitores da Língua Nostra poderão conhecer o que pensa esse renomado pesquisador.
Equipe Língua Nostra: O senhor defende uma educação baseada em evidências e uma aproximação entre o que se faz na sala de aula e descobertas científicas. Explique.
João Batista: Todo educador profissional e todo profissional educador deveria pautar sua ação profissional em protocolos baseados em evidências científicas. Existe um conhecimento científico bastante robusto para guiar as práticas educacionais de todos educadores – da educação infantil à formação de doutores. Sempre pode haver indivíduos talentosos – mas nas profissões respeitadas mesmo os mais talentosos e criativos profissionais respeitam protocolos para sua atuação – isso vale para médicos, engenheiros ou pilotos. Não deveria ser diferente para educadores, especialmente para os professores.
Equipe Língua Nostra: O senhor mostra a ampla superioridade (efetividade) de métodos fônicos se compararmos a métodos globais no ensino inicial da leitura e da escrita. Aceitando a ideia de que o estudante tem como objetivo principal a apropriação competente da leitura e da escrita para dar conta das múltiplas situações da vida e, ainda, de que a escola tem sua parcela de responsabilidade nisso, como analisa a defesa dos estudiosos por uma alfabetização em contexto de letramento?
João Batista: Trata-se de um grupo de pessoas que abandonou seu compromisso com a ciência e transformou suas crenças numa ideologia. A maioria dessas pessoas se encontra nas faculdades de educação – alguns poucos em departamentos não acadêmicos de psicologia que não exigem de seus professores publicarem em revistas científicas de circulação internacional. Trata-se, portanto, de um movimento social que perdeu os vínculos com a ciência e transformou a universidade numa trincheira de luta, e não num centro de produção do conhecimento com base nos métodos científicos. Por sua projeção e pelos recursos de que dispõem – especialmente os recursos públicos e canais privilegiados a programas financiados pelo MEC – eles causam um mal irrecuperável às crianças e aos professores.
Equipe Língua Nostra: Salvo algumas exceções, as avaliações oficiais mostram que de maneira geral o ensino da língua materna no Brasil é precário. Em sua opinião, a que se deve esse cenário? Ainda, quais são as mudanças que temos que implementar para qualificarmos o ensino da língua materna no Brasil?
João Batista: Esse cenário se aplica às demais disciplinas, o problema é que Linguagem e Matemática são essenciais para as demais disciplinas, portanto a deficiência do ensino nessas áreas causa um estrago definitivo. As causas são várias, mas podem ser resumidas em uma só: o Brasil ainda não conseguiu lideranças capazes de mobilizar a sociedade em torno de um projeto educacional consistente. Até que isso ocorra será difícil melhorar. Quando ocorrer, vamos levar pelo menos 20 a 30 anos para dar o salto de qualidade.
Equipe Língua Nostra: É possível antever uma dificuldade de aprendizagem? O fato de uma criança ser de uma família pobre, o que representa parcela expressiva de nossa população, é motivação suficiente para colocá-la num grupo de risco de enfrentar dificuldade de aprendizagem?
João Batista: Há uma diferença entre diagnosticar e tratar. O diagnóstico é necessário para prever, evitar e tratar de problemas. Pobreza está fortemente associada a muitos outros fatores de risco em diversas áreas do desenvolvimento humano, inclusive o desenvolvimento da linguagem, social e cognitivo. O nível socioeconômico das pessoas – tipicamente medido por meio de indicadores econômicos e sociais, como escolaridade – é fortemente associado ao desempenho escolar. Portanto é razoável supor que crianças oriundas de meios econômicos mais desfavorecidos tenderão a apresentar características fortemente associadas a dificuldades de aprendizagem. É importante conhecer as crianças e suas características para poder ajudá-la de forma adequada. Você não precisa colocar a criança num grupo de risco – muitas delas são crianças que vivem em grupos e situações de alto risco – negar essa condição é falsear o diagnóstico. Isso nada tem a ver com rotular as pessoas ou segregá-las em agrupamentos especiais depois do diagnóstico. Mas o que mais ajuda é o diagnóstico e a intenvenção precoce que ajuda a evitar, reduzir ou minimizar o impacto desses fatores.
Equipe Língua Nostra: Quais são suas sugestões de leitura para os leitores de Língua Nostra? Como o alfabetizador deve trabalhar com leitura em sala de aula?
João Batista: Ler muito. Ler os clássicos – esses livros que se recusam a morrer. As crianças são particularmente privilegiadas, pois a literatura infantil – os poemas, fábulas e especialmente os contos clássicos com seus encantos e terrores – constituem uma receita infalível para tornar as crianças em apaixonados pela leitura. No site do Instituto Alfa e Beto temos duas propostas de leitura para crianças. Uma delas se chama “Os seiscentos livros que toda criança deve ler antes de entrar para a escola”. São 6 anos, 100 livros por ano, 2 livros por semana. E também temos um Guia dos Clássicos para crianças e jovens de 4 a 14 anos – vale a pena conferir.