Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo
Neste mês de novembro o Senado deverá aprovar o novo Plano Nacional da Educação (PNE). Não é uma resposta à voz das ruas, é uma colcha de retalhos que responde a grupos de interesse. O futuro governante – se quiser reformar a educação – terá mais um enorme desafio a vencer, considerando que os insatisfeitos hoje apreenderam a protestar com contundência.
Já tivemos dois planos de educação aprovados pelo Parlamento, ambos sem eficácia. Este terceiro não promete ser mais bem-sucedido. Mas, diferentemente dos anteriores, ao expandir a agenda de “direitos”, pode tornar ainda mais ineficiente algo que já não funciona bem.
O novo PNE contém 20 propostas e centenas de indicadores – que correspondem aos desejos das várias corporações que conseguiram emplacar algumas das 2 mil sugestões apresentadas no processo de audiências públicas, organizadas no melhor estilo que o governo sabe orquestrar. Algumas medidas são inócuas ou inatingíveis, mas a maioria atende a interesses outros que não os dos alunos e engessa ainda mais o setor. Pinço, para avaliação, quatro medidas que podem dar a dimensão do estrago que a aprovação da lei e seu cumprimento poderão causar.
A mais grave é a que trata de reservar 10% do produto interno bruto (PIB) para a educação, sem antes cuidar de fazer uso mais eficiente dos recursos hoje despendidos, sem determinar o uso deles e, ainda, sem levar em conta as mudanças demográficas que o País experimenta. Na prática, significará fortalecer o governo central e enfraquecer Estados e municípios. E isso deverá ser aprovado por senadores, que são eleitos para defender a perspectiva do equilíbrio federativo.
A segunda mais grave é a que define como “gestão democrática” das escolas o modelo de eleição dos diretores. Ou seja, o governador e o prefeito eleitos democraticamente perdem o direito de contratar os seus funcionários. A democracia representativa vai para o lixo, juntamente com a Federação. Imaginem qualquer organização em que se troca a gestão a cada dois ou três anos. E como ficam os sistemas educativos em que o cargo de diretor é de carreira? Que tal fazermos eleição direta para diretores de hospitais e de presídios? Ou para os gerentes do Banco do Brasil? Dá para perceber?
A terceira é a que estabelece os 8 anos como a idade para alfabetizar as crianças, em total desrespeito às que são condenadas a frequentar a escola pública. Esse assunto nunca deveria ser matéria de lei. É questão a ser resolvida em programas de ensino, tema que as autoridades se recusam a tratar e sobre o qual a maioria dos Estados também se omite.
O quarto aspecto é uma mera ilustração de tantas outras crenças não fundamentadas sobre o que melhora a educação: trata-se da exigência de que professores tenham cursos de mestrado e doutorado, apesar da evidência de que isso tende a piorar a qualidade do ensino. Mas, claro, significa mais remuneração, independentemente da competência, que passa a ser avaliada por critérios formais.
Nenhum aspecto importante de uma verdadeira reforma educacional está previsto na lei. Mesmo porque não é assim que se fazem reformas em educação, prescrevendo no detalhe, ao melhor estilo das Ordenações Manuelinas, o que deve ser feito nas próximas décadas.
A educação brasileira padece de males estruturais. Não é algo que se mude por pactos costurados de forma açodada. Educação se faz com políticas de longo prazo e consistentes, não com colcha de retalhos. Educação se faz com instituições sólidas, respeito às evidências científicas sobre o que funciona e debate fundamentado, não sob o ruído dos decibéis.
Falar em novo “pacto” em educação requer, antes de tudo, rever o pacto federativo nas questões educacionais. Hoje todos podem tudo e o governo federal pode mais do que todos. O Ministério da Educação transformou-se num grande bazar de commodities educacionais que opera no varejo, atendendo diretamente escolas, governos municipais e estaduais e as organizações não governamentais (ONGs) e os movimentos sociais que lhe são fiéis.
Um pacto federativo real requer redefinir e restringir ao estritamente necessário e constitucional a ação do governo federal. E, no lugar de pacotes negociados em balcões de troca, usar mecanismos que estimulem Estados e municípios a desenvolver propostas diferenciadas, que atendam a critérios rigorosos, como o das evidências e da avaliação de resultados. Sem o basta ao predomínio da ideologia nas decisões não haverá progresso, por mais que o petróleo jorre das reservas do pré-sal.
As poucas reformas educativas que deram resultados eficazes, desde a revolução Meiji (no Japão), no final do século 19, têm ingredientes em comum. Um deles é a liderança de um estadista para articular ideias e granjear apoios para as reformas. Outro é o uso de evidências e melhores práticas disponíveis, devidamente adaptadas aos diferentes contextos históricos e culturais.
É também preciso paciência para começar do começo e avançar em ordem. Isso significa atrair jovens talentosos para o magistério e oferecer formação teórica adequada aos que irão lecionar e estágios probatórios rigorosos conduzidos por mestres no sentido próprio da palavra. Significa criar instituições e mecanismos sólidos, como um currículo nacional, avaliação e mecanismos de financiamento. E dar condições institucionais para que a escola possa funcionar. Isso é programa para longo prazo.
Até o momento assistimos a dois movimentos dos candidatos a presidente da República em 2014. Um quer mais do mesmo. Outro quer melhorar a partir do que está aí. Haverá um terceiro, com visão de estadista, preparado para mudar a realidade atual e colocar o Brasil na trilha de uma educação de qualidade?