O impacto das distorções do modelo federativo brasileiro sobre a educação foi o tema central do debate Educação Municipal no Contexto Federativo, promovido nessa quarta-feira, pelo Instituto Alfa e Beto (IAB) no auditório do Jornal Folha de S. Paulo. O encontro também marcou a entrega do Prêmio Prefeito Nota 10, oferecido pelo IAB ao gestor do município com maior percentual de alunos com desempenho adequado na Prova Brasil, indicativo de uma rede com bom padrão de ensino em todas as escolas, capaz de oferecer qualidade com equidade. O objetivo do prêmio é chamar a atenção para as políticas públicas que estão sendo capazes de dar condições para que todas as escolas de uma rede de ensino funcionem bem.
O debate dirigido pelo jornalista Fábio Takahashi, da Folha, contou com a participação de Mariza Abreu, da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Fernando Rezende e Fernando Abrucio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os especialistas apontaram três distorções do federalismo brasileiro que prejudicam a educação: uma estrutura de financiamento que não garante aos municípios recursos proporcionais à ampliação progressiva de suas atribuições; o fato desses municípios serem responsáveis pela implementação de políticas públicas decididas de forma centralizada, sem a sua participação e sem levar em conta a enorme diversidade de realidades; e o fato de união e estados não garantirem a capacitação dos municípios para a gestão dessas políticas públicas.
Especialista na área fiscal e tributária, o economista Fernando Rezende explicou que a Constituição de 88 transferiu aos municípios diversas responsabilidades nas áreas de educação, saúde e assistência social, sem ter previsto aumento proporcional dos recursos. Na educação, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) teria sido a solução engenhosa encontrada posteriormente para reduzir a disparidade entre onde estavam as verbas e onde estava a demanda. Constituído por recursos dos estados complementados pela União, o fundo direciona as verbas proporcionalmente ao número de matrículas. Transformado em Fundeb, porém, o fundo passou a financiar também o ensino médio, sem que o aumento das responsabilidades fosse proporcional à ampliação dos recursos. Os problemas de financiamento se acentuaram com o aumento dos gastos com seguridade social, que reduziu a base dos Fundos de Participação dos Municípios nos impostos federais.
“Precisamos rediscutir o modelo de financiamento e as responsabilidades dos entes federados, não podemos continuar trabalhando com remendos”, concluiu Rezende.
O sociólogo Fernando Abrucio advertiu que o problema tende a se agravar e pode quebrar os municípios com o avanço da municipalização das séries finais e o aumento da oferta de pré-escola e creches, cuja universalização vem se tornando obrigatória em vários Estados.
Abrucio, Rezende e Mariza criticam o modelo federativo também por descentralizar a implementação das políticas públicas, enquanto centraliza o desenho dessas políticas. Mariza e Abrúcio destacaram a necessidade de criar instâncias que favoreçam a descentralização das decisões e a colaboração entre os entes federativos: “Precisamos criar fóruns federativos com a participação de Estados e Municípios, como existe na Austrália, Canadá e Alemanha, para discutir políticas públicas que sejam adequadas à enorme diversidade do país, criar fóruns federativos para gerir os grandes fundos como o FNDE”, propõe o sociólogo, que defende ainda a criação de instâncias que favoreçam a cooperação entre os municípios para equacionar problemas comuns, como currículo, transporte, merenda, etc. “”Precisamos dar mais flexibilidade para que as políticas se ajustem à heterogeneidade dos municípios. Com o atual modelo institucional não chegaremos às metas traçadas”, advertiu Abrúcio, lembrando ainda que a federação e os estados devem contribuir para desenvolver a capacidade de gestão dos municípios. “Se Federação é autonomia, precisamos garantir aos municípios não só os recursos, mas capacidade de gestão”.
Mariza Abreu, que já foi secretária municipal e estadual de educação no Rio Grande do Sul, criticou também a ausência de representantes dos estados e municípios no conselho que decide a destinação das verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e lembrou que não só o governo como o legislativo contribuem para as dificuldades financeiras da educação municipal: “O Congresso reajustou as verbas do FNDE acima da inflação, enquanto o reajuste dos repasses destinados para a merenda e o transporte pagos pelos municípios é feito quando o governo quer e usados como mecanismo como mecanismo de constrangimento para induzi-los a adotar as políticas educacionais decididas em Brasília como o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).”
Ela lembrou ainda que as distorções não se restringem ao financiamento, que, à despeito da criação do Fundeb, houve uma queda tanto nas matrículas como no desempenho dos alunos do ensino médio “porque o problema não é a falta de dinheiro mas, de um lado, a falta de preparo dos alunos que concluem o ensino fundamental e, de outro, a ausência de um currículo adequado capaz de manter os alunos que iniciam o curso”.
O presidente do IAB, João Batista Oliveira, encerrou o evento ressaltando que, que, a despeito de todas as dificuldades apresentadas, existem alguns gestores municipais podem fazer muito pela melhoria da educação no país e que os vencedores do Prêmio Prefeito Nota 10 eram a prova disso.
“Apesar de tudo o que o país está vivendo, da situação de descrédito dos políticos, os gestores municipais podem fazer muito pela educação. Os vencedores do Prêmio Prefeito Nota 10 estão aí para mostrar que quando se faz política para o bem é possível fazer muito e fazer mais com menos”, concluiu o presidente do IAB.
O grande vencedor nacional do prêmio foi Guilherme Landim, prefeito de Brejo Santo, no Ceará. Com um PIB per capita que representa um quarto da média nacional, o município tem mais do dobro do percentual nacional de alunos com desempenho adequado na Prova Brasil. Além dele, receberam menções honrosas os gestores dos municípios com melhor desempenho na região centro-oeste — Otaviano Pivetta, prefeito de Lucas do Rio Verde (MT) –, da região sudeste – Antonio Del Ben Júnior, de Cerquilho (SP) – e da região sul — Corinha Molling, prefeita de Sapiranga (RS).