Os problemas de alfabetização costumam aparecer quando as crianças estão nos primeiros estágios da vida escolar, mas muitas vezes prosseguem por anos a fio para serem detectados apenas em séries mais avançadas, quando muito tempo já foi perdido na escola sem que elas sejam capazes de dominar os conteúdos.
Um teste elaborado pela Universidade Northwestern*, nos Estados Unidos, promete ajudar na detecção prévia de dificuldades de aprendizagem, identificando problemas em crianças a partir dos 3 anos de idade. O teste é simples e consiste em pedir que a criança identifique o som de algumas letras e tente decifrar um discurso em um ambiente caótico e barulhento.
O resultado mostra que crianças pré-alfabetizadas cujo cérebro processa o discurso de forma ineficiente nos ambientes barulhentos são mais propensas a ter problemas com a leitura e o desenvolvimento da linguagem na idade escolar. A relação entre a capacidade do cérebro de processar a língua falada no ruído e a habilidade de leitura em pré-leitores “fornece um espelho biológico da futura alfabetização de uma criança”, disse Nina Kraus, autora do estudo e diretora do Laboratório de Neurociência Auditiva da Universidade Northwestern, em reportagem publicada no jornal O Globo.
O experimento foi realizado com 112 crianças e teve dois momentos. No primeiro, as crianças foram testadas e colocadas para ouvir palavras em um ambiente barulhento, enquanto tinham a resposta cerebral analisada por meio de eletroencefalografia. Um ano depois, seu desempenho escolar foi avaliado. Aquelas que conseguiram entender melhor as palavras em meio ao barulho tiveram um processo de alfabetização mais rápido do que as outras, que não compreenderam bem as palavras no teste.
Segundo o estudo, a avaliação neurofisiológica realizada identifica com precisão o desempenho da criança aos 3 anos de idade em vários testes de pré-leitura e prevê também como, um ano depois, com 4 anos, essa criança realizaria múltiplas competências linguísticas importantes para a leitura. De acordo com o texto, a descoberta abre uma porta para intervenções precoces e específicas que podem evitar uma vida com dificuldades de leitura. “Crianças que sofrem para ouvir em ambientes ruidosos podem ter dificuldades para fazer significado da linguagem que ouvem diariamente, e isso pode colocar em risco sua alfabetização”, afirma o texto.
Para entender o estudo é preciso saber que três aspectos do chamado processamento auditivo-neurofisiológico têm sido frequentemente associados com a alfabetização: variabilidade de disparo neural, sistema de temporização auditiva, e processamento de características acústicas detalhados, tais como aqueles encontrados em consoantes. Essa complicada codificação desempenha um papel central na leitura e no desenvolvimento da linguagem. Porém, para realizar o processo e compreender a mensagem, a criança precisa sintonizar os sons concorrentes – ou seja, a mensagem e o barulho. Como o ruído exige muito processamento sensorial, é possível dizer que pessoas com problemas de aprendizagem da linguagem muitas vezes têm déficits de percepção quando estão em ambientes barulhentos.
Ainda segundo a pesquisa, há muitas razões pelas quais uma criança pode apresentar dificuldades na leitura, incluindo causas genéticas e ambientais. “Mas a compreensão dos fatores que causam deficiência de leitura também é importante para prever quais as crianças terão dificuldades quando começarem a ler”, diz o texto. O estudo conclui que as crianças com essa dificuldade certamente terão a aprendizagem defasada se foram expostas a tantos ruídos. “Os esforços para promover a alfabetização durante a Primeira Infância podem ser tremendamente eficazes, e nossa esperança é que esses resultados abram uma nova via de identificação precoce para proporcionar às crianças o acesso a essas intervenções fundamentais.”
O estudo registra importantes descobertas. Primeiro, reforça o conhecimento sobre conexão entre consciência fonêmica e aprendizagem da leitura. Segundo, identifica um novo marcador biológico e abre caminho para o diagnóstico precoce. Terceiro, identifica a necessidade de testes que levem em conta as características da descoberta (teste oral em ambiente com ruídos). Além disso, reforça o que há muito sabemos – e praticamos no Instituto Alfa e Beto: treinamento fonológico a partir dos 4 anos de idade, na pré-escola.
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