A exemplo de áreas como a Medicina, as ciências que nos ajudam a compreender fenômenos do ensino e da aprendizagem evoluíram muito nas últimas décadas. No caso da alfabetização, as neurociências, a psicolinguística e a psicologia cognitiva explicam como nosso cérebro aprende a ler e servem de base para políticas públicas em diversas partes do mundo – especialmente nos países desenvolvidos, que, não por acaso, gozam de bons índices educacionais.
No Brasil, infelizmente, as evidências científicas continuam a ser descartadas em iniciativas como o Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Ao longo de seus 11 anos de história, o Instituto Alfa e Beto vem trabalhando para difundir e aplicar no Brasil os achados mais consistentes da ciência no campo da alfabetização.
Abaixo, estão sintetizados os principais deles:
Ciência Cognitiva da Leitura – é o termo usado para referir-se ao paradigma predominante sobre alfabetização. Esse paradigma se apoia em base em evidências científicas experimentais rigorosas e validadas por estudos empíricos. Diferentemente do passado, quando havia um ou poucos nomes associados a uma determinada “teoria” ou “método” de alfabetização, a Ciência Cognitiva da Leitura goza hoje do consenso da maioria dos pesquisadores que atuam no campo da alfabetização. Leia mais: “A neurociência deve ir para a sala de aula”.
O que é alfabetizar – de acordo com o paradigma da Ciência Cognitiva da Leitura, alfabetizar significa dominar o código alfabético, ou seja, usar conhecimentos sobre as correspondências entre fonemas e grafemas para extrair o som e o sentido da palavra. Leia mais: “Ainda prevalecem ideias equivocadas sobre alfabetização.”.
O que acontece no cérebro – hoje sabemos que alfabetizar pode ser definido também como “ensinar o cérebro a ler”, formar as conexões cerebrais entre as áreas visuais, auditivas e motoras do cérebro para ler e associá-las com as áreas responsáveis pelo processamento e compreensão da linguagem. Leia mais: Cérebro e alfabetização.
O que a criança precisa para se alfabetizar – para ser alfabetizada, a criança precisa de um determinado nível de maturação cerebral e de ativação das áreas responsáveis pela formação da palavra (área cerebral denominada área da forma visual das palavras); precisa de algumas capacidades de concentração, memória de curto prazo, e de um mínimo de capacidade de abstração para compreender o princípio alfabético e as valências entre fonemas e grafemas. A maioria de crianças de 5 anos de idade é capaz de fazer isso com algum esforço – algumas o fazem com muito esforço e outras com menos. Ao final dos cinco anos de idade as crianças em geral já devem possuir todas as condições para serem alfabetizadas de maneira sistemática. Exceções existem – algumas crianças conseguem aprender a ler sem ajuda a partir de 3 ou 4 anos. A única consideração relevante, nesse caso, é que isso compete com outras atividades que seriam mais importantes nessa etapa do desenvolvimento infantil. Leia mais: Que habilidades as crianças precisam para aprender a ler?
Leitura desde o berço – a alfabetização começa antes da educação formal. Há muito o que pode ser feito em casa, na creche e na pré-escola, e as evidências são bastante fortes: ler muito com a criança, criar o gosto pela leitura, desenvolver o vocabulário, desenvolver o conhecimento das letras (nome e forma), desenvolver consciência fonêmica, desenvolver habilidades motoras finas, estimular a escrita espontânea etc. Leia mais: Leitura para bebês: um hábito que transforma vidas.
Como saber se a criança foi alfabetizada – a criança alfabetizada é capaz de identificar palavras e pseudopalavras e ler textos conectados com um mínimo de 60 palavras por minuto. Este é o mínimo necessário para que a memória de curto prazo utilize as informações da leitura para processar o sentido e dar sentido ao que se lê. Leia mais: Como saber se uma criança está alfabetizada?
Alfabetização de adultos – ler envolve a interpretação de sinais gráficos por meio de redes neuronais que atribuem sons a letras e aportam o sentido que vem do léxico. Isso vale para adultos e crianças. Trata-se, tanto no adulto quanto na criança, de uma função cognitiva. Logo, tudo que a Ciência Cognitiva da leitura aprendeu sobre alfabetização de crianças aplica-se também à alfabetização de adultos. O domínio do princípio alfabético e da consciência fonêmica, por exemplo, são os melhores preditores de competência em alfabetização de adultos. Leia mais: O desafio da alfabetização de adultos e entrevista de Régine Kolinski.