Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo
A discussão sobre currículos escolares é sempre política e polêmica. Traz consequências significativas para a educação, especialmente avaliação, formação de professores e produção de materiais didáticos. Temos muito que aprender com a experiência de países centralizados ou federalistas como Austrália, Cingapura, Finlândia, França, Inglaterra, EUA, ou com as de regiões como o cantão suíço de Genebra ou da província de Ontário (Canadá).
As nações desenvolvidas reformam seus currículos premidas pelas pressões crescentes da globalização, que passaram a exigir capital humano mais qualificado. Pelos avanços da neurociência e do conhecimento sobre o desenvolvimento cognitivo, que elevaram o patamar do que sabemos a respeito de como ensinar e aprender.
E ainda pelos resultados de exames internacionais, que puseram os países diante do espelho, derrubando mitos e ministros da área.
Reformar um currículo é algo que não se faz de maneira açodada. Exige amplo debate, pois, no geral, parte dos resultados das avaliações envolve especialistas nacionais e internacionais e busca situar a educação no contexto do país avaliado.
Na Finlândia e na Inglaterra mudanças e ajustes curriculares tornaram-se algo recorrente. Isso permite modular melhor o que é desejável com o que é viável.
Reformar um currículo exige reconhecer o que deu certo e abrir mão dos erros históricos e recentes e, com base em evidências, olhar para o futuro. Os estudos realizados em função do exame internacional Timss provocaram importantes mudanças nos currículos de matemática e ciências, reduzindo a ambição e aumentando o foco e rigor.
Todos estão de olho no exemplo de Cingapura: o currículo da educação infantil e as opções no ensino médio se expandem, e o equivalente ao fundamental torna-se compacto e consistente. O ensino da alfabetização recuperou-se dos equívocos construtivistas, enquanto o da língua começa a abandonar os modismos dos “gêneros” e revalorizar o ensino da gramática.
Reformar um currículo é tarefa realizada por especialistas com competência na área, no ensino da área e por suas contribuições acadêmicas ou profissionais. Nem sempre se obtém consenso. Divergências não superadas ficam registradas em votos separados e contribuem para manter aceso o debate.
Depois de elaborado, a partir de princípios consistentes, é que uma nova proposta de currículo passa pelo crivo de professores qualificados, para testar a sua aderência e promover ajustes finos.
No Brasil, nada disso é levado em conta. O Ministério da Educação estabelece prazos curtíssimos para elaborar currículos de 13 disciplinas em todas áreas e níveis. O ensino médio está condenado a mais algumas décadas de engessamento. Não há debate. Os consultores escolhidos para a tarefa refletem o pensamento hegemônico de que a pedagogia no país se tornou vítima.
Uma ONG sugeriu ao ministério o nome de 60 especialistas com credenciais bastante adequadas na maioria dos casos, mas desses apenas três foram “aproveitados”.
Não há, no entanto, espaço para divergência. O que se prevê são apenas audiências públicas sem direito a fazer perguntas. Em raia paralela, o ministro Roberto Mangabeira Unger (Secretaria de Assuntos Estratégicos) parece disposto a apresentar proposta alternativa de currículo –e esse é todo o espaço de debate existente.
Por que não recomeçar do zero a discussão sobre currículos, aproveitando a experiência e a as melhores práticas dos países que têm avançado na educação?