Nota do Instituto Alfa e Beto:
Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo
O título deste artigo remete a tema que merece a imediata reflexão do novo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro. Faço a indagação e ouso eu mesmo antecipar a resposta: Não. Vejamos o porquê.
O Plano Nacional da Educação (PNE) é fruto de um longo processo de consulta pública. Para bom entendedor, isso significa um processo capitaneado por certos grupos com interesses bem específicos. Trata-se de mais um caso de sucesso do corporativismo tutelado. As corporações, unidas, jamais serão vencidas. Este lema continua vivo. A cultura da educação, no Brasil, tem significado que dá a pensar. A educação é tudo para todos – menos para o aluno.
Das 20 metas do Plano, 18 preveem expansão de oferta em todos os níveis, com quantitativos inatingíveis. O PNE preserva a tradição brasileira de expansão sem qualidade, inaugurada na década de 60 e que confunde política educacional com mero crescimento: mais, mais e mais, e achei foi pouco.
A intenção subjacente às várias metas do PNE é promover a equidade e melhorar a qualidade. Seria injusto afirmar, portanto, que as metas do plano são apenas quantitativas ou visam apenas aumentar vagas e salários. Só que o dinheiro, ao término, é todo gasto com os “mais e mais”, sobrando pouco ou nada para promover a melhoria da qualidade. Sabemos que não se muda a educação por decreto. Leis como a do PNE podem piorar o que já é ruim. Temos exemplos recentes de políticas econômicas equivocadas que nos levaram à crise econômica atual.
Cabe então, nesse momento, sr. Ministro, o exame de exemplos de como a eventual implementação do PNE poderá piorar a educação.
Comecemos pelos recursos, os famosos 10% do PIB. Em tempo de crise, isso equivale a falar de corda em casa de enforcado. Jogar mais dinheiro na educação sem antes corrigir as ineficiências gritantes do setor só aumentará os custos e não assegurará nenhuma melhoria de qualidade.
Continuemos com os recursos: aos custos atuais, somente a expansão prevista para a oferta de vagas nas universidades públicas já consumiria a maior parte dos supostos recursos adicionais. Como ficaria o resto? Quem está cuidando de fazer as contas?
Mais sobre recursos: a ideia de pagar aos professores salários compatíveis com o mercado de trabalho é um bom começo. Mas fazer isso sem antes levar em conta o atual excesso de professores das redes públicas (quase o dobro do que seria necessário), a redução do crescimento demográfico, o aumento dos custos dos inativos e a proposta de expansão do tempo integral – capciosamente denominada de educação integral – só terá um desfecho. Engessar ainda mais os orçamentos.
E nada garante que isso contribuirá para atrair jovens talentosos para o magistério. Além disso, não há espaço para contemplar redução de custos do ensino com a implementação eficiente de novas tecnologias. Para não sair do tópico: não existe nenhuma evidência de que professores com títulos de pós-graduação promovam a melhoria do desempenho dos alunos. Mas isso irá onerar em 25% ou mais a folha de pagamentos.
Deixando o terreno dos recursos e entrando na seara das promessas, temos outro cardápio indigesto para avaliar – e este trata mais diretamente de questões substantivas.
Para quem gosta de se autoiludir, o PNE propõe extinguir o analfabetismo adulto e reduzir para 50% o analfabetismo funcional. Alguém já viu o resultado dos bilhões de reais investidos no programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) nos últimos 10 anos? Com menos de 15% de taxa de conclusão, seria o EJA o melhor parceiro para promover cursos de formação profissional? O fracasso do PRONATEC e da proposta de Ensino Médio concomitante não bastariam para alertar sobre as formas erradas de promover a formação profissional?
No mesmo PNE coloca-se como meta alfabetizar as crianças até o final do 3º ano, o que reflete total descompromisso com uma educação de qualidade. O que faz no 2º e no 3º anos um aluno que ainda não aprendeu a ler e a escrever? E qual a razão para, de fato, deixar de alfabetizar – e bem – as crianças no 1º ano? Alguém quer se aventurar a responder?
E por aí vai. Além das 20 metas, o PNE detalha mais de duas centenas de submetas, todas caminhando na mesma direção e contemplando os interesses dos vários grupos envolvidos na elaboração do Plano. Já há instituições se preparando para acompanhar a evolução das metas! Nesse mundo tem gosto para tudo.
Mas se a história é boa mestra, pouco ou nada disso que está no PNE vai acontecer. Se acontecer, contudo, não será isso que vai melhorar a educação. Por que é possível ter tanta certeza nesse sentido?
Há duas razões fortes para descrer na ineficácia do PNE. A primeira é que não existe relação conhecida entre o que está proposto na lei e as evidências sobre o que funciona no caminho da melhoria da educação. A segunda é que na história da educação e das reformas educativas dos países com bom desempenho na área, a trilha seguida tem sido muito diferente. Menos do que metas, o que há são instituições sólidas, políticas consistentes e mecanismos sociais de pressão para que haja educação de qualidade. E tudo isso, para acontecer, precisa repousar numa cultura da educação e uma cultura da escola que sejam compartilhadas pela sociedade. Esse elo ficou perdido.
O Brasil gosta de correr, não tem paciência para planejar, para fazer uma coisa bem feita de cada vez. Quem tem pressa come cru. Ou, para quem tem gosto mais requintado, vale a advertência de Santo Agostinho: bene curris sed extra viam – você corre bem, mas na pista errada.