Este post faz parte de uma série produzida pelo Instituto Alfa e Beto que irá desvendar em 20 capítulos a inteligência. Todas as segundas-feiras são publicados novos artigos neste espaço. Acompanhe! Clique aqui e veja todos os posts já publicados. Para ver o índice completo da série, clique aqui.
Que será, será? Assim começa a canção, que continua: Vou ser bonita? Rica? Inteligente? E termina: Que será, será, O que for, será! |
Sempre queremos saber do futuro – nosso e de nossos entes queridos, mas também queremos saber o potencial de nossos alunos ou nossos funcionários. Que será?
Quando a criança ou jovem que desponta na dança, na música, na expressão corporal, em algum esporte ou mesmo na pintura – ou seja, quando se trata de excelência em habilidades específicas – não temos dificuldades em reconhecer, classificar, encorajar e até mesmo encaminhar as pessoas para uma formação especializada.
Mas como fazemos para saber sobre o talento intelectual de uma criança, e o que fazer com isso? Podemos usar bola de cristal. Consultar os astros ou os oráculos. Mas também podemos nos basear em algumas pistas – os chamados fatores preditivos. Fatores preditivos são indicadores que nos permitem prever com algum grau de probabilidade a ocorrência de determinados desempenhos. O QI é um desses fatores – um dos mais sólidos de que dispomos no arsenal de instrumentos da ciência psicológica.
Inteligência é uma dimensão importante da espécie humana – não é por acaso que nos autodenominamos de Homo Sapiens. Como veremos ao longo desta série, essa capacidade que temos para lidar com conceitos e problemas – abstratos e reais – tem enormes consequências práticas para os indivíduos e a sociedade.
Por isso a mensuração ou a estimativa da inteligência tem enorme valor prático: ela prediz, com elevado grau de precisão, o desempenho na escola, no trabalho e muitos outros aspectos do que consideramos “sucesso” na vida. O que vamos fazer com a informação é outra história – da qual também trataremos adiante.
Medidas de QI possuem elevada correlação com notas em testes padronizados, inclusive testes com o Pisa (e certamente com o Enem e a Prova Brasil). Elas são melhores preditores do desempenho escolar do que o nível socioeconômico dos alunos. Isso não significa que basta saber o QI de uma pessoa para dizer a nota que ela vai tirar numa prova. Mas significa que, sabendo o QI de uma pessoa, podemos estimar, com muitos anos de antecedência e com muita precisão, seu futuro nível de desempenho na escola e na vida. Podemos saber se podemos exigir mais ou menos das pessoas e estabelecer limites mínimos de expectativa. Isso vale para todos os níveis de QI – não apenas para os níveis mais baixos ou mais elevados.
Isso também nos permite repensar nossas expectativas a respeito do que o indivíduo será capaz de fazer diante de determinados desafios acadêmicos ou profissionais e do que as instituições – especialmente as escolas – são capazes de fazer.
Que será, será. Mas o que será, não é assim, o fruto do acaso, nem do mero desejo das mães ou do poeta.
A capacidade preditiva dos testes de QI não se refere apenas a sucesso na escola. Determinadas profissões e grupos ocupacionais atraem pessoas de QI mais elevado e, dentro de diferentes ocupações, os indivíduos com QI mais elevado apresentam desempenho mais elevado em tarefas que exigem habilidades cognitivas mais complexas do que os demais. Uma consequência importante disso é que pessoas de maior QI tendem a ganhar mais dinheiro do que outras – mas não são necessariamente mais ricas, pois não é claro que elas sabem administrar dinheiro ou saibam viver vidas minimamente organizadas.
Por aí já podemos ver como o tema é sensível e delicado, pois sugere que há limites. Na verdade os limites existem, só que (a) não são conhecidos para nenhum indivíduo em particular e (b) os limites previstos por um teste podem ser superados – dentro de uma margem – com estímulos e intervenções vindas do ambiente, especialmente nos primeiros anos de vida. E também, e sempre, podem ser superados com esforço dos indivíduos diante dos desafios.
Diante da maioria das tarefas é muito mais importante cultivar e estimular o esforço. Mas para promover o pleno desenvolvimento das pessoas é preciso entender que as pessoas com maior QI precisam se esforçar menos para obter o mesmo resultado que outros – mas podem obter desempenho muito maior com um esforço maior. Uma coisa não anula a outra.
Dada a interação entre situações, QI e esforço, tanto o QI quanto as medidas de QI não têm e não podem ter um caráter determinante. Eles pode apenas ter um caráter indicativo. Em outras palavras: sabemos e podemos prever limites para o conjunto de indivíduos com um determinado QI, mas nunca sabemos quais serão esses limites para um indivíduo específico.
Que será? Ou melhor dizendo: o que poderá ser? O que tem mais probabilidade de acontecer?
Num mundo em que o conhecimento constitui a principal riqueza das nações, o capital de um país pode ser medido pelo capital intelectual e este, por sua vez, repousa no QI, que pode mudar muito pouco de nível, mas que pode ser desenvolvido, inibido ou ampliado nos limites do que a pessoa pode alcançar. Cabe portanto debater a melhor forma de utilizar a informação sobre o QI e como desenvolver o potencial cognitivo das pessoas.
Mas antes disso precisamos fazer alguns alertas, pois o tema é controverso.
Na próxima semana…
As controversas e armadilhas em torno da discussão sobre inteligência e QI. |