Este post faz parte de uma série produzida pelo Instituto Alfa e Beto que irá desvendar em 20 capítulos a inteligência. Todas as segundas-feiras são publicados novos artigos neste espaço. Acompanhe! Clique aqui e veja todos os posts já publicados. Para ver o índice completo da série, clique aqui.
A inteligência, tal como definida no início desta série, refere-se a uma característica estável das pessoas e tem forte base genética. Portanto, suas alterações são poucas ao longo da vida. Essa capacidade varia para cima, mas também pode variar para baixo. Portanto, as variações de sua medida, o QI, também são poucas. Mas elas existem, podem ser importantes e ocorrem tanto em indivíduos quanto no coletivo – o QI dos países também pode aumentar, uma vez que é o agregado dos QIs individuais.
Dada a associação entre um QI mais elevado e resultados considerados positivos para o indivíduo e a sociedade, a maioria dos estudiosos do tema consideram que, embora pequenas, essas mudanças e diferenças devem ser conhecidas e maximizadas por meio de intervenções comprovadamente eficazes.
Já para os críticos isso é apontado como um dilema: se a medida muda, não é confiável; se não é confiável, não serve. É mais ou menos como dizer que o termômetro é inútil porque a temperatura registrada no termômetro varia conforme a febre, e o mercúrio no termômetro, por sua vez, varia conforme a altitude. Nada disso invalida a precisão desta medida. E se o QI fosse imutável, seu uso seria inaceitável, pois apenas criaria mais estigmas. É como querer impedir que as pessoas nasçam ou deixem de nascer com uma determinada cor ou característica étnica porque tal cor ou característica é estigmatizada.
Voltemos à correnteza principal. O QI é aferido por meio de testes – o mais conhecido é o Teste de Matrizes Progressivas de Raven, mas há vários outros. Esses testes produzem índices um pouco diferentes uns dos outros, mas os bons testes são altamente correlacionados entre si e os resultados dos indivíduos ao longo da vida são muito estáveis.
Mas a palavra “estáveis” não significa estanque, nem imutável. O QI pode mudar. Para cima e para baixo. E pequenas mudanças de 3 a 4 pontos tanto podem refletir flutuações de medida como efetivas mudanças na capacidade. Pequenas diferenças fazem muita diferença.
Há duas fases de maior instabilidade do QI – nos anos iniciais e nos anos finais da vida.
Nos anos finais, há um declínio comprovado, fortemente associado ao declínio da memória e velocidade de processamento. Pessoas com maior QI têm uma perda um pouco mais acentuada, podendo chegar a cerca de 6 pontos (40% de um desvio padrão). Isso é inevitável – mas as diferenças individuais são grandes10 .
Nos anos iniciais, quando as medições flutuam mais, inclusive pelas maiores dificuldades de mensuração, o QI pode ser fortemente influenciado pelo que acontece no ambiente intrauterino e depois do nascimento.
Os casos mais drásticos e conhecidos são os de adoção: crianças nascidas em ambientes socioeconômicos mais desfavorecidos, onde também há maior concentração de QIs mais baixos em qualquer país, costumam ter avanços de 12 pontos ou mais quando adotadas nos primeiros anos de vida por famílias pertencentes a grupos mais favorecidos do ponto de vista socioeconômico11. O mesmo ocorre – mas com menor impacto – com algumas intervenções educacionais.
Há três aspectos importantes a aprender dessas evidências:
- Primeiro, avanços reais no QI, mesmo que sejam de 1 ponto, são significativos. Um ponto e meio significa 10% de ganho em um desvio padrão – isso pode ser muito significativo. Pode não levar uma criança de menor QI a uma boa universidade, mas pode tirá-la da zona de risco ou assegurar que ela conclua o ensino médio. Um aumento de 6 pontos equivale a 40% do desvio padrão, um aumento significativo em qualquer ponto da escala.
- Segundo, os ganhos em QI podem ser comprovados, mas também há perdas, e muitos dos ganhos comprovados são revertidos. Por exemplo, há intervenções educacionais que comprovadamente aumentam o QI dos participantes, mas alguns desses aumentos se mantêm com o tempo, outros desaparecem. No entanto, mesmo quando os efeitos desaparecem, os ganhos podem ser muito significativos, pois permitiram ao indivíduo avançar em diversas dimensões, e o que foi conquistado não se perde12.
- Terceiro, a chamada Primeira Infância constitui uma janela de oportunidades em diversos aspectos – inclusive para a inteligência.
Para conferir as referências bibliográficas deste texto, clique aqui.
Na próxima semana…
É de pequeno que se torce o pepino, diz o dito popular. Como se explica a importância dos primeiros anos de vida para o avanço ou recuo da inteligência? |