Em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo neste domingo, 30 de setembro de 2018, com o título “O futuro do Magistério”, João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, comenta o paradoxo a ser enfrentado por estados e municípios, que, nas próximas décadas, gastarão mais com salários de professores aposentados do que com professores da ativa. Ao mesmo tempo, esses entes da federação poderão ser beneficiados com o fato de que mais da metade dos professores atuais vão se aposentar até 2030, além da progressiva redução do número de alunos no Ensino Básico, resultante das mudanças demográficas por que passamos. Em resumo: surge uma oportunidade para que se melhore o nível do nosso magistério. Para isso, seria necessário aprender com os nossos próprios erros e, principalmente, com o que foi realizado em países que deram grandes saltos na área de educação.
“Três lições parecem óbvias. Primeira: nos países onde a educação funciona, os professores são recrutados entre os 30% melhores de sua geração. Em alguns deles, como Cingapura e Finlândia, entre os 5% melhores. Segunda: professores são formados das maneiras mais diferentes – não existe um currículo universal ou receita única. No entanto, nesses países os professores dominam o conteúdo que vão ensinar e aprendem a ensinar, sob a orientação de mestres experientes, em escolas típicas do sistema educacional, mas que funcionam bem e servem de modelo. Terceira: a maioria dos professores trabalha em sistemas escolares nos quais o diretor da escola tem autoridade sobre eles, podendo removê-los em caso de desempenho inadequado. Tudo isso exige tempo, planejamento e muita competência”, escreve o Prof. João Batista Oliveira.
Para ele, “está nas mãos dos próximos governantes decidir se o país terá docência de alto nível. (…) A hora é agora”.
Leia o artigo na íntegra aqui ou na reprodução que segue abaixo:
O futuro do magistério
Está nas mãos dos próximos governantes decidir se o País terá docência de alto nível
O País encontra-se diante de um paradoxo. Nas próximas décadas, Estados e municípios gastarão mais para pagar a professores aposentados do que aos da ativa. Mas poderão beneficiar-se do bônus demográfico, que criou uma janela de oportunidade: cerca de 60% dos atuais professores efetivos da educação básica poderão aposentar-se até 2030. Com a população escolar em queda, seria possível promover uma profunda transformação nas carreiras docentes. Está nas mãos dos próximos governantes decidir se o Brasil contará com um magistério de alto nível.
Comecemos pelo exame dos dados, fruto de um trabalho em colaboração com os economistas Guilherme Hirata e Talita Mereb, do Instituto IDados. A população em idade escolar vai se reduzir dos atuais 42,2 milhões para 40,5 milhões em 2030 e para menos de 33 milhões em 2060. Isso significa que teremos faixas etárias de aproximadamente 2,8 milhões e 2,2 milhões de crianças respectivamente.
Se tomarmos como média 25 alunos por turma e um professor por turma, estamos falando de uma demanda para pouco mais de 1,1 milhão de professores efetivos, incluindo escolas públicas e privadas. Hoje temos o dobro disso e 30% com carga horária dobrada. O atual plantel do ensino público regular é de 1,5 milhão de docentes, pouco mais de 1 milhão é efetivo. Destes, 60% poderão aposentar-se nos próximos 12 anos, mantidas as regras atuais. Trata-se de uma combinação perfeita para uma transição bem-sucedida. Mas tudo conspira contra.
Uma análise do quadro atual de formação de professores ajuda a compreender o grau de desperdício e desinformação a respeito da oferta e demanda por professores. Do total de 8 milhões de alunos matriculados no ensino superior, cerca de 1,5 milhão – quase 20% dos universitários – faz curso de Pedagogia ou licenciatura.
A cada ano se formam cerca de 240 mil professores. Do total de alunos matriculados, cerca de 350 mil se beneficiam de algum tipo de bolsa ou financiamento – 160 mil são bolsistas do Fies/ProUni. A esmagadora maioria dos alunos desses cursos se situa entre os 10% de alunos com pior desempenho no Enem.
Os dados disponíveis sobre salários e carreiras também confirmam o desacerto geral: as carreiras preveem uma progressão que independe de mérito e os poucos sistemas de mérito existentes não comprovaram sua eficácia. Estágios probatórios habitam o mundo do faz de conta.
Salários elevados – que existem em dezenas de municípios – não foram suficientes para mudar o perfil de recrutamento. Tampouco existe relação comprovada entre titulação ou salário dos professores e desempenho dos alunos. Nem entre número de alunos por professor, exceto na educação infantil. Também se mostraram infrutíferos os bilhões gastos em “capacitação”.
A informação disponível sobre os cursos de formação de professores corrobora o que é de conhecimento geral: são cursos fracos, ministrados por professores sem nenhuma experiência concreta em sala de aula, sem nenhuma conexão com as evidências científicas acerca do que efetivamente funciona em educação.
Portanto, o desafio não será trivial para quem quiser aproveitar a janela de oportunidade. Como as experiências nacionais são desastrosas, resta olhar para a experiência alheia para aprendermos o caminho das pedras. O que podemos aprender com outros países?
Três lições parecem óbvias. Primeira: nos países onde a educação funciona, os professores são recrutados entre os 30% melhores de sua geração. Em alguns deles, como Cingapura e Finlândia, entre os 5% melhores. Segunda: professores são formados das maneiras mais diferentes – não existe um currículo universal ou receita única.
No entanto, nesses países os professores dominam o conteúdo que vão ensinar e aprendem a ensinar, sob a orientação de mestres experientes, em escolas típicas do sistema educacional, mas que funcionam bem e servem de modelo. Terceira: a maioria dos professores trabalha em sistemas escolares nos quais o diretor da escola tem autoridade sobre eles, podendo removê-los em caso de desempenho inadequado. Tudo isso exige tempo, planejamento e muita competência.
As ideias que vêm circulando no País sobre o tema caminham na direção contrária ao que se poderia aprender com a nossa experiência e com a experiência internacional. A maioria das sugestões prevê um modelo nacional único – seja de remuneração, formação, certificação ou carreira.
Querem soluções rápidas, com números grandiosos. Ignoram os requisitos para promover a transição. E situam a solução no lugar de onde há décadas vêm saído orientações e propostas equivocadas sobre quase tudo: o Ministério da Educação (MEC). Se valer a experiência nacional sobre o que não deu certo e conseguirmos valer-nos da experiência alheia sobre o que teve sucesso, devemos começar experimentando.
Voltemos à simulação: uma transição bem realizada exigiria não mais que 30 mil novos professores por ano para todo o País. Isso representa aproximadamente 1% do total de uma coorte, menos ainda se incluirmos como candidatas ao magistério pessoas já formadas, e não apenas os egressos do ensino médio. Se pensarmos nos 30% academicamente mais preparados, isso representa menos de 10% deles. A conta fecha.
A título de exemplo: apenas cem municípios abrigam 33% dos alunos das escolas públicas. Por que não, mediante diagnóstico preciso, estimulá-los a desenvolver modelos viáveis para lidar com a questão, avaliar as experiências e disseminá-las posteriormente?
O bônus demográfico e a prudência sugerem que esses caminhos teriam menores chances de dar errado do que os velhos “planos infalíveis”. O problema é que agora não podemos mais errar. O bônus também traz um ônus – a população de idosos, maior e mais vocal, vai reclamar mais recursos para assegurar sua sobrevivência. A hora é agora.
* PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO