O presidente do Instituto Alfa e Beto, professor João Batista Oliveira, publicou em seu blog Educação em Evidência, na Veja.com, uma série de posts sobre os resultados do PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes 2018, divulgados em dezembro de 2019.
O PISA abrange as áreas de Leitura, Matemática e Ciências e foi aplicado por uma instituição contratada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do MEC. Cerca de 13 mil estudantes brasileiros foram avaliados. Em 2018, o foco do PISA foi Leitura.
As provas e questionários são aplicados em mais de 80 países com o objetivo de produzir indicadores que contribuam para a discussão da qualidade da educação nos países participantes. Os resultados também permitem a comparação da atuação dos estudantes e do ambiente de aprendizagem entre diferentes nações.
As provas avaliam a capacidade do jovem de 15 anos de buscar, selecionar, interpretar, integrar e analisar informações de uma ampla gama de textos associados a situações que vão além da sala de aula.
Abaixo, os textos publicados, bem como vídeos em que o presidente do Instituto Alfa e Beto comenta cada tema:
BRASIL NO PISA OU A CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA
O mundo da educação se debruça sobre os resultados do PISA. Como na “Crônica de uma morte anunciada”, quase todos os habitantes nada fazem de concreto para proteger as vítimas – a juventude do país sacrificada no altar da incompetência no trato das questões educacionais. Como na crônica de García Márques, é incrível a quantidade de coincidências funestas acumuladas que dão a impressão de uma fatalidade que deixa invisíveis os responsáveis pelo genocídio que se comete no Brasil. Qual o crime? Quais as vítimas? Quais as consequências?
O crime reside na ausência de uma política educacional competente e consistente e na banalização de pseudossoluções. As vítimas são especialmente os jovens que, em vez de encontrar na escola o passaporte para o futuro, encontram nela o início de uma vida de frustrações e fracassos. As consequências são um país que destrói o potencial de seus recursos humanos e, assim, não se credencia para competir no século XXI.
Pioramos? Não: chafurdamos na lama. Desde que o Brasil participa do PISA, no ano 2000, nossos resultados praticamente não melhoram. Os avanços foram mínimos e se devem ao fato de que mais jovens chegam ao 2o ano do ensino médio, e não à melhoria do ensino.
Como nos comparamos com os demais países? A comparação que interessa são os países da OCDE – os países que, de uma forma ou outra, ingressaram no chamado “primeiro mundo”. Nossos resultados indicam que depois de nove anos na escola, nossos alunos, em média, dominam apenas os conteúdos equivalentes ao quarto ou quinto primeiro ano das escolas daqueles países. Cerca de metade dos brasileiros não atinge o limiar da porta da entrada – o nível 2 numa escala de 7 pontos. Atenção: 35% dos jovens de 15 anos não participam do Pisa, pois estão fora da escola, e também abaixo desse limiar.
Outro resultado que deveria ser preocupante: a elite brasileira, formada sobretudo pelos alunos que estudam em nossas escolas particulares, alcança resultados próximos à média do que alcançam o conjunto de alunos dos países da OCDE. Apenas 2% dos jovens brasileiros atingem os níveis mais elevados de desempenho. Nos países da OCDE, tipicamente 10% ou mais dos alunos chegam lá. Essa é a locomotiva do progresso. Mas no Brasil são vítimas de uma política equivocada de ensino médio e da forma de seleção para as universidades.
Onde estão os culpados? Por que nosso desempenho é tão medíocre? Por que, tendo mais que dobrado os gastos com educação nos últimos vinte anos, não conseguimos melhorar?
Por que, apesar de tanta publicidade e autopromoção, não temos exemplos concretos de mudanças estruturais em nenhum estado da Federação?
Apesar de anunciada, a morte de Santiago não foi levada a sério pela maioria das pessoas que estavam envolvidas, e que poderiam tê-la evitado. O mesmo acontece no Brasil.
Essas pessoas somos nós. Nos próximos posts, vamos analisar os detalhes do crime. E, quem sabe, provocar a consciência e a disposição para o diálogo e para a ação por parte de quem poderia contribuir para evitar que ele continue a ser cometido.
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EM 20 ANOS DE PISA, MUDOU ALGO?
Nesta nova série sobre o PISA, faremos, com base na análise dos dados, reflexões que nos permitam repensar as políticas de educação no Brasil.
As figuras 1, 2 e 3 mostram a evolução do desempenho das escolas públicas e privadas nas disciplinas de Matemática, Leitura e Ciências. Os dados mostram os resultados por percentil e os comparam com a média dos países-membros da OCDE. Vale destacar:
- Os resultados melhoram até 2009 e depois ficam estagnados. Isso vale para a rede pública e privada.
- Mas a melhora é relativa: ela se deve ao fato de que, a partir de 2009, um número maior de alunos do 2º ano do ensino médio faz a prova. Ou seja: o que mudou foi a composição dos alunos que fazem o Pisa, e não o nível de conhecimentos dos alunos brasileiros.
- A aparente melhora do ensino médio na verdade retrata a recuperação do nível que havia sido atingido em 2006 – a rede privada sequer voltou ao nível em que estava no ano de 2009.
- Em outras palavras: desde que começamos a participar do Pisa, há cerca de 20 anos, pouco ou nada mudou no desempenho dos alunos. O que mudou, positivamente, foi a quantidade de alunos que chegam ao 2º ano do ensino médio.
Cabe observar que nos últimos 20 anos – período compreendido pelo Pisa, vários governos empreenderam diferentes iniciativas para promover melhorias na educação. Houve um aumento de 4 para 6% nos investimentos na área – hoje gastamos mais do dobro do gasto há 20 anos.
No entanto, os resultados não apontam melhorias na qualidade do que se aprende ao longo do processo escolar. Quando observamos os dados da Prova Brasil, observamos que as melhorias se concentram nas séries iniciais, e que, pelo menos até aqui, essa melhoria não repercutiu de maneira decisiva na melhoria do desempenho dos alunos do 9º ano – e dos alunos que fazem o Pisa.
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O FOSSO QUE NOS SEPARA DOS PAÍSES DA OCDE
Apresento agora dados que permitem identificar a distribuição das notas nos diferentes níveis de desempenho e o fosso que nos separa dos países da OCDE.
As figuras 1, 2 e 3 apresentam a distribuição dos alunos brasileiros por percentil.
O dado mais relevante refere-se à comparação entre os alunos brasileiros e os da OCDE: os 10% melhores alunos do Brasil (P90) no PISA têm um desempenho equivalente ao de um aluno médio dos países da OCDE. Isso se repete em Matemática, Leitura e Ciências.
O segundo dado relevante é o P50: a média do Brasil no PISA situa-se cerca de 100 pontos abaixo da média dos países da OCDE, com pequenas flutuações nas diferentes disciplinas. Isso significa que um aluno médio brasileiro tem um nível de conhecimentos equivalente ao de um aluno europeu com quatro anos de escolaridade a menos. Sobre esse tema trataremos com maior profundidade em outro post desta série.
A divisão das notas em percentis também permite observar que permanecem enormes as diferenças entre os melhores (P95) e os piores alunos (P5).
No relatório do PISA/2018, a OCDE mostra que apenas 65% dos jovens de 15 anos estão representados na amostra. Possivelmente esses são alunos que desistiram da escola e, em sua grande maioria, devem se situar entre os alunos com pior desempenho. Isso significa, portanto, que, se fôssemos avaliar o capital humano do país – e não apenas dos alunos matriculados em escolas –, nossas notas estariam ainda piores, e o fosso em relação aos países desenvolvidos será ainda maior.
Um outro dado que chama a atenção: 43% dos alunos brasileiros encontram-se abaixo do nível mínimo esperado para esse nível de ensino nas três disciplinas. Em matemática, 68% dos alunos encontram-se abaixo do mínimo. Isso significa que, na verdade, menos da metade dos alunos brasileiros passam na porta de entrada desse exame – ou seja, não aprenderam o que seria esperado aprender até o final do ensino fundamental.
Esses dados podem ajudar a entender várias características do sistema educacional brasileiro. De um lado, o nível de conhecimentos dos alunos é baixo, mas eles são promovidos até os anos finais do ensino médio sem qualquer padrão de controle de qualidade.
Aparentemente, a reprovação causa danos – bem como a evasão. E ficar numa escola, mesmo de baixa qualidade, agrega algum conhecimento. Como podemos observar nos resultados dos alunos, cada série adicional de ensino agrega conhecimentos – é melhor avançar do que ficar parado. A promoção automática não atrapalha a média do Brasil no PISA, ao contrário. No entanto, o sistema parece nem estimular nem promover a busca de elevados padrões de qualidade.
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OS RESULTADOS DO BRASIL, DOS PAÍSES DA OCDE E DOS DEMAIS PAÍSES
Neste recorte, apresento dados que permitem comparar o Brasil com os países-membros da OCDE e também com os países não-membros.
O teste do Pisa inclui 37 países-membros da OCDE, os chamados “países ricos”, e um conjunto de 42 outros países que se voluntariam e pagam para participar do exame, como é o caso do Brasil. As figuras 1, 2 e 3 nos permitem entender a posição relativa do Brasil em relação a esses dois grupos de países.
Vejamos o caso da Prova de Matemática. A média dos países-membros da OCDE é de 489 pontos. A média dos demais países, e nesse grupo está o Brasil, é de 434 pontos. E a média do Brasil é de 384 pontos.
Em Matemática, portanto, estamos 105 pontos abaixo da média dos países da OCDE e 50 pontos abaixo da média dos demais países. Se tomarmos a média das escolas públicas, ela cai para 367 pontos. Algo semelhante ocorre nas demais disciplinas.
Podemos considerar que 25 pontos equivalem à aprendizagem que ocorre ao longo de duas séries escolares. Portanto, 11 anos de estudos no Brasil equivalem a sete anos de estudo num país típico da OCDE. Isso inclui os alunos das escolas públicas e privadas brasileiras. Se considerarmos só as escolas públicas, a diferença de nível de aprendizagem é de mais de quatro anos.
É oportuno acrescentar um dado adicional a respeito dos alunos das escolas privadas do Brasil. Sua média é de 476 pontos em Matemática, 513 em Leitura e 498 pontos em Ciências. Portanto, esse grupo está abaixo da média da OCDE em Matemática, mas ligeiramente acima nas duas outras disciplinas.
Vale lembrar que o nível socioeconômico dos alunos de escolas privadas no Brasil é superior – em termos relativos – ao nível socioeconômico da média dos países da OCDE. O desempenho de nossos melhores alunos corresponde ao desempenho de um aluno médio dos países da OCDE.
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RESULTADOS DAS REGIÕES NORTE E NORDESTE: BEM ABAIXO DAS DEMAIS
Neste texto, apresento dados que permitem refletir sobre o desempenho dos alunos brasileiros por regiões do país.
Este quadro apresenta a evolução das notas do PISA por disciplina e região. Anteriormente havia uma amostra que permitia fazer comparações por estados. Em 2018, a OCDE mudou a formato da amostra, e agora não sabemos mais os resultados por estado. Faremos, portanto, a análise por região.
A comparação relevante se dá entre os anos de 2012 e 2018, quando já estava relativamente estabilizada a atual proporção de alunos matriculados no 2º ano do ensino médio que participam do PISA e que puxam a média para cima. O que podemos observar?
A diferença de notas entre as regiões é relativamente alta: Norte e Nordeste encontram-se cerca de 40 pontos abaixo da média dos estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Isso vale para as três disciplinas. Grande parte desse resultado se deve à diferença do nível socioeconômico dos alunos.
A estagnação do ensino médio que se verifica no ENEM e na Prova Brasil também se reflete no PISA: a variação de resultados nesse período vai de – 8 a + 9 pontos, uma variação relativamente modesta face a um desvio-padrão de 100 pontos.
Embora a magnitude das mudanças não seja grande, os dados sugerem algumas diferenças regionais: uma estagnação ou mesmo ligeiro recuo no Sudeste, e um leve avanço no Centro-Oeste.
Em síntese, os dados do PISA não permitem detectar nenhuma iniciativa que esteja contribuindo para melhorar o desempenho dos alunos brasileiros.
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LIÇÕES QUE PODERÍAMOS APRENDER COM OS PAÍSES DA OCDE
Sugiro algumas lições que poderíamos aprender a partir do desempenho de alguns países com elevado nível de matrícula no ensino técnico.
Na maioria dos países da OCDE, um significativo número de alunos frequenta cursos técnico-vocacionais nos últimos anos da escola secundária. Portanto, as estatísticas apresentadas abaixo se referem a alunos que tipicamente participam do PISA.
Os 37 países da OCDE participam do PISA. Desses, 12 possuem 50% ou mais dos alunos em cursos exclusivamente técnicos ou com um forte componente técnico. Nos demais, a taxa total de participação de alunos em cursos médios técnicos é inferior a 50, mas nove desses 25 países possuem mais de 30% dos alunos do ensino médio em cursos inteiramente técnicos.
Com raras exceções, como é o caso da Finlândia e na maioria dos estados dos Estados Unidos, o ensino técnico é ministrado em escolas vocacionais.
Há dois resultados sobre os quais vale refletir.
Em primeiro lugar, todos esses países – apesar do grande número de alunos matriculados em cursos médios técnicos – apresentam desempenho significativamente superior ao do Brasil.
Esse é o dado mais importante a considerar. Ainda que os alunos do ensino médio técnico não atinjam o mesmo nível de notas que os alunos das escolas acadêmicas, a média geral dos países continua muito acima da nossa.
A segunda reflexão está baseada nas figuras 1, 2, e 3. Essas figuras foram extraídas do relatório do PISA 2018. As informações merecem reparos, pois as amostras dos vários países não coincidem com as informações sobre países e percentuais de alunos em cursos técnicos. Esses dados nos permitem desenvolver as seguintes observações e reflexões:
. Em Matemática, a nota dos alunos de escolas técnicas da OCDE situa-se 39 pontos abaixo da média dos demais alunos. Esses alunos encontram-se apenas 19 pontos abaixo da média dos alunos das escolas privadas do Brasil.
. Em Leitura, é de 45 pontos a diferença entre alunos de escolas técnicas e acadêmicas nos países da OCDE – ainda menor do que a diferença entre alunos de escolas públicas e privadas no Brasil. O mesmo acontece no teste de Ciências.
Ou seja, apenas de problemas existentes na amostra, os dados sugerem que, nos países desenvolvidos, para um contingente significativo de alunos, parece mais adequado oferecer um ensino que eles sejam capazes de seguir e concluir do que oferecer a chamada “educação geral para todos”.
No Brasil, como não temos essa distinção no ensino médio (ainda prevalece a “educação geral para todos”, com uma infinidade de matérias), muitos alunos que frequentam a escola pública são penalizados.
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QUANTO VALE UMA SÉRIE ESCOLAR NO BRASIL?
Neste texto, apresento dados para refletirmos sobre essa questão do título. Trata-se de uma análise de caráter especulativo, ainda que baseada em dados. O critério é o acúmulo de conhecimentos, medido por meio de testes como o PISA.
Esta figura apresenta a nota dos alunos brasileiros no PISA em anos anteriores. Concentramos o exemplo na disciplina de Matemática. A OCDE recomenda usar a série de 2003 em diante para comparações temporais, dado que em 2003 foi a primeira vez que Matemática foi tema central.
A nota obtida em função da série escolar varia nas diferentes aplicações do teste, mas é bastante estável. Usamos os dados mais recentes. Entre o 8º e o 9º ano, o ganho é de 25 pontos. Entre o 9º ano e o 1º ano do ensino médio, o ganho é de 42 pontos. Entre o 1º e o 2º ano, o ganho é de 45 pontos. E entre o 2º e 3º ano, o ganho é de 15 pontos.
Isso sugere que os conteúdos relevantes para o PISA se concentram nos dois primeiros anos do ensino médio. Mas para ter capacidade de adquirir esses conhecimentos, seria necessário obter pelo menos 420 pontos – e nas séries anteriores os ganhos são menores.
A média em Matemática das escolas públicas brasileiras no PISA é de 384 pontos. Para alcançar a média da OCDE, seria necessário aumentar o desempenho em 100 pontos, ou seja, o aluno médio deveria adquirir o conhecimento equivalente ao que se adquire ao longo das três séries do ensino médio.
Na verdade, o problema é mais grave: o nível mínimo para a OCDE seria de 420 pontos. A média de 384 pontos das nossas escolas públicas revela que 85% dos alunos encontram-se abaixo do nível mínimo no caso de Matemática.
Juntando as informações dos dois parágrafos anteriores, podemos supor que, pelo menos no caso da Matemática, o nível de desempenho dos alunos das escolas públicas brasileiras situa-se, em média, entre 6 e 7 séries escolares.
Isso confirma o que sabemos pelo SAEB/Prova Brasil: menos de 50% dos alunos adquirem os conteúdos das séries iniciais.
A situação das escolas privadas é um pouco mais confortável, pois elas já se encontram perto da média dos países da OCDE.
O problema é que parte significativa dos alunos dessas escolas provém das camadas de melhor nível socioeconômico do país e, consequentemente, com maiores chances de um bom desempenho escolar.
Um abismo de desempenho separa nossas escolas privadas e nossas elites da elite educacional dos países da OCDE.
O Brasil precisa urgentemente repensar o seu currículo e suas estratégias para melhorar a educação na base, a partir das séries iniciais.
Mas o país também precisa cuidar de suas elites – nossos melhores alunos estão muito aquém do que precisariam para circular de igual para igual entre as elites dos países da OCDE.
O ENEM e os vestibulares são parte do problema – e esta discussão sequer é percebida como relevante.
Temos uma longa jornada pela frente – e o país sequer entendeu que precisa repensar suas políticas educacionais. Muito menos sabe em que direção deve seguir.
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O QUE O PISA NOS DIZ SOBRE O TEMPO INTEGRAL?
Analisaremos um dado pouco divulgado: quanto tempo os alunos estudam por semana? Isso faz diferença no resultado?
Fiel às suas tradições, o Brasil sempre procura soluções mágicas (e rápidas) para os problemas da educação. Ora é a BNCC que vai nos salvar, ora é a educação conectada. A bola da vez é o ensino em tempo integral. Será? O que nos dizem os dados?
Comecemos pelos dados do Brasil. Esta figura mostra a baixa relação entre duração do ano letivo e desempenho escolar – controladas as demais variáveis que influem nas notas.
As escolas produzem melhor resultado na medida em que oferecem pelo menos quatro horas de aula por dia. A partir daí os ganhos por tempo adicional de ensino são relativamente modestos e praticamente desaparecem com mais de 6 horas de aula por dia.
Os dados acima referem-se ao agregado. Estudos recentes apresentados no Congresso Anual da ANPEC e realizados pelos economistas Leonardo Rosa (sobre Pernambuco) e Ricardo Paes e Barros (sobre Santa Catarina) encontram alguns efeitos positivos de intervenções associadas ao tempo integral, mas nenhum desses estudos comprovam que o efeito provém do tempo de aula – talvez decorram de outras iniciativas associadas à implementação da proposta de tempo integral. Retornarei adiante a esse tema. Vejamos o que nos dizem os dados do PISA.
No relatório do PISA de 2018, há dois conjuntos de dados muito importantes sobre o tema. O primeiro deles registra, para cada país, o quanto os alunos consideram de tempo perdido na escola. O Brasil é um país onde se perde muito tempo com questões de disciplina e outras – o que sobra para ensinar é pouco. Isso já era sabido. Mas, em vez de corrigirmos isso – que não custa dinheiro, ficamos em busca de soluções mágicas, como o tempo integral. Daí a importância do outro dado que aparece no relatório.
Entre os países de maior desempenho, os alunos declaram que dedicam entre 35 e 60 horas por semana para estudar e ir à escola. Em alguns países, os alunos declaram um esforço de aproximadamente 35 horas/semana. A maioria dos países se concentra entre 38 e 44 horas – a média dos países membros da OCDE é de 42 horas. Entre os países que vão de 35 até cerca de 55 horas por semana, não há muita diferença de desempenho. Apenas os alunos que dedicam 60 horas ou mais – entre escola e estudo – têm um ganho adicional de cerca de 20 pontos na nota do PISA.
Esses dados são de fundamental relevância para entender o que melhora a educação. O que melhora a educação é uma boa escola, um bom currículo, bons professores. Uma variação de até 20 horas (35 a 55 horas de aula e estudo) afeta pouco o desempenho escolar. Portanto, a extensão do horário de funcionamento das escolas é mais uma questão cultural. Somente nos casos de dedicação extrema – 60 horas ou mais de estudo por semana – aparece uma diferença significativa no desempenho. Resta examinar se os custos pessoais e sociais compensam esse ganho.
A lição do PISA é clara: se quisermos melhorar a educação no Brasil, precisamos parar de falar em “mais” e começar a falar em melhor. Especialmente melhor currículo, melhores professores, melhor ensino e melhor aproveitamento do tempo.
As estratégias para ampliar o tempo de aula (tempo integral) poderão fazer sentido se atenderem a três elementos. Primeiro, se estiverem associadas à implementação dos fundamentos de uma boa escola. Este sem dúvida parece ser o caso da proposta do ICE em Pernambuco. Segundo, se a proposta passar no teste da escalabilidade, ou seja, se for algo possível de implementar em toda a rede, tanto do ponto de vista econômico quanto de regras relativas à seleção de professores etc. Terceiro, se as propostas estiverem associadas à implementação de novas carreiras que permitam atrair e manter no magistério professores com um novo perfil e apoiados por robustos mecanismos de estágios probatórios.
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COMO OS PAÍSES DESENVOLVIDOS SE COMPORTAM NO PISA: OITO LIÇÕES IMPORTANTES
Examinaremos agora oito importantes lições que o PISA nos permite aprender em relação à história da participação dos países da OCDE nesse teste. Como o foco da prova de 2018 foi em Leitura, usamos os dados de leitura – mas a análise não seria diferente se baseada nos resultados de Matemática ou Ciências. As comparações se dão entre a média dos países-membros da OCDE em relação à média geral de todos os países participantes do PISA. Vamos às lições:
Primeiro: quem é bom é bom em tudo. Dos 23 países da OCDE que se situam na média ou acima da média em Leitura, quase todos também estão na média ou acima dela nas demais disciplinas. E dos 13 restantes, cinco situam-se a menos de 10 pontos da média.
Segundo: ao longo de 20 anos de aplicação da prova, a maioria das oscilações se dá para melhor. Países que estavam bem abaixo da média, como Polônia ou Portugal, em duas ou três rodadas chegaram próximos da média. As quedas tendem a ser passageiras – raramente superiores a 20 pontos. Isso sugere que a base desses países era razoável e que medidas pontuais e acertadas podem promover grandes avanços. Por outro lado, países no topo da distribuição continuam surpreendendo com avanços de 20 ou mais pontos. A lentidão de avanços como no Chile, por exemplo, pode sugerir que faltam condições e/ou componentes centrais nas propostas de reforma do país.
Terceiro: a maioria dos países de elevado desempenho tem populações reduzidas – menos de 20 milhões de habitantes. Os que se situam em torno da média já incluem populações maiores – que chegam a 50 e 70 milhões de habitantes. Os Estados Unidos são o único país de grande porte com notas próximas à média (e também a Rússia, mas que não é um país-membro).
Quarto: alguns países não vêm conseguindo avançar na educação. Israel é um deles – a média é relativamente baixa e as diferenças são gigantescas. Certamente não falta conhecimento nem recursos – há barreiras de ordem cultural que impedem a redução das desigualdades. Mas isso também não explica porque Israel apresenta resultados tão medíocres em educação.
Quinto: nos países de elevado desempenho, mas com algum grau de descentralização, como o Canadá, a diferença de resultados entre as províncias é relativamente pequena – chega a um máximo de 40 pontos na média. Isso não significa que não haja espaço para o Canadá e suas províncias melhorarem seu desempenho – apenas que, por detrás das diferentes estratégias usadas nas várias províncias, parece haver elementos comuns que asseguram um nível de desempenho relativamente elevado em todas elas. O mesmo já não ocorre nos Estados Unidos, onde as diferenças de desempenho entre estados são enormes – como também são enormes as estratégias de reforma educativa usada neles.
Sexto: há grande diferença de desempenho dentro dos países – cerca de 100 pontos. Em Cingapura – país com a segunda maior nota em Leitura –, a diferença entre o melhor e o pior aluno é dessa ordem. Mas o pior aluno tem nota superior à média do Brasil, e, em Cingapura, mais da metade dos alunos tem o inglês como 2a língua. É importante cuidar das desigualdades, mas elas sempre existirão. Se pelo lado da qualidade há grandes vantagens em promover uma elite de altíssimo nível, do lado da equidade pode ser mais viável assegurar um padrão mínimo elevado para todos do que tentar reduzir o tamanho da diferença.
Sétimo: a maioria dos países-membros da OCDE tem entre 20 e 70% dos seus alunos em escolas técnico-profissionais de nível médio. Há diferença de desempenho entre os alunos dessas escolas e os alunos das escolas acadêmicas. Apesar disso, esses países conseguem se manter acima da média do conjunto de países que participam do PISA. E os resultados desagregados dos alunos dos cursos profissionais, em média, são superiores à média da maioria dos outros países.
Oitavo: em todos os países da OCDE, existem projetos, propostas e uso de tecnologia da educação. Mas em nenhum deles isso é o carro-chefe de seus sistemas educativos. As tecnologias vão sendo usadas e descartadas – algumas se tornam mais resilientes e úteis -, mas, em nenhum caso, o uso de tecnologia está associado a saltos de qualidade nesses países.
Que lições podemos tirar desse breve resumo? A meu ver há duas grandes lições: onde queremos chegar e o que fazer para chegar lá.
Para saber onde queremos chegar, precisamos entender o que esses países fazem em comum para estar onde estão, e não o que fazem de diferente. O que fazem de diferente não tem muito interesse e possivelmente reflete peculiaridades culturais que não dá para imitar. Já o que é comum é possível imitar: são os fundamentos de um bom sistema escolar, que o Brasil insiste em ignorar. Precisamos entender e implementar os fundamentos da escola – e começar de baixo para cima. E também precisamos entender que a diversificação do ensino médio é condição necessária para assegurar um futuro – educacional e profissional – para a grande maioria da população.
Precisamos também procurar entender como esses países – especialmente os que deram saltos de qualidade expressivos – fizeram para promover essas mudanças. E as lições aí são muito claras: as reformas eficazes começam com um elevado grau de estrutura e padronização e reduzido grau de autonomia. Em todos os momentos, há foco no essencial e eliminação de atividades que distraem. Tudo isso acompanhado por avaliações criteriosas. E, ao longo da reforma, há autonomia progressiva e proporcional ao estágio de qualificação dos professores e escolas. Onde isso é feito com rigor os resultados começam a aparecer quatro a cinco anos depois. E onde a reforma avança, os resultados se consolidam.
ALGUMAS LIÇÕES QUE PODEMOS APRENDER COM A REFORMA EDUCATIVA EM PORTUGAL
Em recente artigo publicado em Portugal e que recebeu surpreendente circulação no Brasil, o ex-Ministro Nuno Crato analisa os danos que a interrupção do processo de reforma educativa iniciada no início do século começam a apresentar no desempenho dos alunos portugueses no PISA. Embora situados na média dos países da OCDE nas três disciplinas, os resultados desta última rodada mostram que o avanço parou e a desigualdade aumentou.
Embora seja um país de pequenas dimensões, Portugal seria um bom exemplo sobre como deveríamos fazer para colocar a educação nos trilhos. A história já é bastante conhecida, mas não custa resumi-la em seus aspectos mais fundamentais. Leia aqui uma entrevista que fiz com o ex-ministro Nuno Crato.
A receita da reforma educativa de Portugal é simples, o trivial variado. Começou pela base, com um Programa Nacional de Leitura apoiado em uma rede de bibliotecas e iniciativas e priorizando a alfabetização das crianças. Isso ocorreu no início deste século. Em seguida, houve uma reforma curricular e a introdução progressiva de sistemas de avaliação. O grande salto se deu na gestão de Nuno Crato, com a simplificação do currículo e incentivos para as escolas focarem o ensino nas disciplinas básicas. Os incentivos estavam associados à melhoria do desempenho e se deram na forma de pessoal adicional para as escolas – isso num período de enorme penúria devido a cortes em salários e gastos públicos. Além disso, houve uma forte recomendação para as escolas cortarem as atividades e “projetos” que tipicamente contribuem para tirar professores e alunos do foco.
O último resultado do PISA pode ser lido de duas maneiras. De um lado, mostra que, depois de uma vertiginosa subida, Portugal deu uma parada, talvez refletindo que a reforma se consolidou. Afinal, Portugal se encontra na média dos países da OCDE – embora se situe entre os de menor nível de renda. Esta explicação, no entanto, não satisfaz ao ex-ministro Nuno Crato. Ele observa não uma parada, mas uma estagnação. E registra que houve aumento na desigualdade. E vai mais além: atribui o fato às mudanças havidas nos últimos anos, que afrouxaram os princípios gerais da reforma e reintroduziram as práticas que não haviam dado certo.
No Brasil, há grupos bem intencionados que acreditam na ideia de conquistas definitivas – sobretudo quando cristalizadas em documentos e leis. Nada disso existe no mundo real – conquistas precisam ser mantidas e aprimoradas. É fácil destruir, difícil é construir e manter.
E como fica o Brasil nesse cenário? Este será o objeto do último post desta série sobre os resultados do PISA, que será publicado amanhã.
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ALGUMAS LIÇÕES QUE PODEMOS APRENDER COM BASE NA EXPERIÊNCIA DE PAÍSES QUE EXPERIMENTARAM GRANDES AVANÇOS EM SEUS SISTEMAS EDUCACIONAIS
Não há segredo sobre o que precisa ser feito. Mas, infelizmente, não há entendimento claro a respeito disso em nosso país. Num trabalho que publiquei recentemente (“Para desatar os nós da educação – uma nova agenda”), procuro mostrar que o elevado grau de consenso a respeito dos problemas e as soluções propostas para a educação no Brasil passam ao largo da experiência internacional e até mesmo do conhecimento mais adequado de nossa realidade.
Dentre os vários “nós” que nos impedem de avançar, o mais importante deles é a ideia de que só se avança com “mais” – mais recursos, mais escolas, mais salários para professores, maior titulação para professores, mais anos de escolaridade obrigatória, mais tempo na escola – a última moda é que a salvação virá da implantação do tempo integral. Ou seja: se dermos mais da mesma qualidade do ensino as coisas vão melhorar. Não vão – só os custos irão aumentar.
Um outro nó reside no vago conceito de “valorização do professor”, e que, na prática, se reflete na luta – legitima – por melhores salários, condições de trabalho para os professores e infindáveis “capacitações”. Nada de errado nisso. O problema é que, dado o nível de formação dos atuais professores, essas estratégias, por mais justas que sejam, não provocam melhoria no ensino. O nível de preparo dos nossos professores requer estratégias diferentes de meras melhorias salariais. E o salto de qualidade de que a educação precisa requer professores com um perfil diferenciado.
Um terceiro nó reside na ideia de que todos podem, devem e vão ingressar no ensino superior. Essa ideia distorce a função da escola, prejudica os currículos e penaliza a maioria dos alunos – que não irão entrar ou não irão concluir o curso superior. A forma de seleção dos alunos para as universidades (ENEM e vestibulares) e a falta de um ensino médio diversificado constituem um enorme fator de atraso da educação brasileira. É algo que tanto pune os alunos menos preparados quanto prejudica o bom preparo de nossas elites.
Um quarto nó reside na convicção de que tudo deve vir de Brasília e que precisamos de uma política nacional única e igual para todos. Ora, o Brasil é muito diferente e desigual. Tratar igualmente os desiguais nem respeita o princípio da isonomia nem contribui para melhorar a educação. Mesmo porque precisamos experimentar e testar muitas ideias e práticas antes de adotá-las em escala.
No entanto, a experiência de outros países, revista ao longo dessa série de posts, sugere alguns caminhos com pouca chance de erro: currículos simples e com foco; e professores instrumentalizados de forma adequada para implementar o currículo. Alguns países usam sistemas de incentivos associados ao desempenho. Em princípio, a ideia é boa e faz sentido, mas, na prática, são poucas as reformas em que o uso de incentivos desempenhou um papel fundamental.
Existem conhecimentos, experiências e instrumentos que permitiriam aos estados e municípios realizar profundas reformas educativas num espaço de tempo relativamente curto. As mudanças demográficas, se forem aproveitadas nos próximos anos, podem facilitar a implementação dessas reformas. A experiência do PISA mostra que, por trás da diversidade e da cor locais, há um conjunto central de ideais que, se perseguidas com insistência e consistência, podem dar resultados significativos. E em prazos relativamente curtos.
da experiência internacional e até mesmo do conhecimento mais adequado de nossa realidade.
Dentre os vários “nós” que nos impedem de avançar, o mais importante deles é a ideia de que só se avança com “mais” – mais recursos, mais escolas, mais salários para professores, maior titulação para professores, mais anos de escolaridade obrigatória, mais tempo na escola – a última moda é que a salvação virá da implantação do tempo integral. Ou seja: se dermos mais da mesma qualidade do ensino as coisas vão melhorar. Não vão – só os custos irão aumentar.
Um outro nó reside no vago conceito de “valorização do professor”, e que, na prática, se reflete na luta – legitima – por melhores salários, condições de trabalho para os professores e infindáveis “capacitações”. Nada de errado nisso. O problema é que, dado o nível de formação dos atuais professores, essas estratégias, por mais justas que sejam, não provocam melhoria no ensino. O nível de preparo dos nossos professores requer estratégias diferentes de meras melhorias salariais. E o salto de qualidade de que a educação precisa requer professores com um perfil diferenciado.
Um terceiro nó reside na ideia de que todos podem, devem e vão ingressar no ensino superior. Essa ideia distorce a função da escola, prejudica os currículos e penaliza a maioria dos alunos – que não irão entrar ou não irão concluir o curso superior. A forma de seleção dos alunos para as universidades (ENEM e vestibulares) e a falta de um ensino médio diversificado constituem um enorme fator de atraso da educação brasileira. É algo que tanto pune os alunos menos preparados quanto prejudica o bom preparo de nossas elites.
Um quarto nó reside na convicção de que tudo deve vir de Brasília e que precisamos de uma política nacional única e igual para todos. Ora, o Brasil é muito diferente e desigual. Tratar igualmente os desiguais nem respeita o princípio da isonomia nem contribui para melhorar a educação. Mesmo porque precisamos experimentar e testar muitas ideias e práticas antes de adotá-las em escala.
No entanto, a experiência de outros países, revista ao longo dessa série de posts, sugere alguns caminhos com pouca chance de erro: currículos simples e com foco; e professores instrumentalizados de forma adequada para implementar o currículo. Alguns países usam sistemas de incentivos associados ao desempenho. Em princípio, a ideia é boa e faz sentido, mas, na prática, são poucas as reformas em que o uso de incentivos desempenhou um papel fundamental.
Existem conhecimentos, experiências e instrumentos que permitiriam aos estados e municípios realizar profundas reformas educativas num espaço de tempo relativamente curto. As mudanças demográficas, se forem aproveitadas nos próximos anos, podem facilitar a implementação dessas reformas. A experiência do PISA mostra que, por trás da diversidade e da cor locais, há um conjunto central de ideais que, se perseguidas com insistência e consistência, podem dar resultados significativos. E em prazos relativamente curtos.