O Instituto Alfa e Beto trabalha para qualificar o debate sobre educação no Brasil e celebra iniciativas que caminham nesta mesma direção. É o caso do JEDUCA, associação de jornalistas de educação que reúne profissionais de todo o país.
Leia também:
No jornalismo, educação nunca será demais, por Paulo Saldaña VEJA.com: Série de artigos analisa os dados da Prova Brasil 2015 |
Recentemente, o JEDUCA lamentou a imperícia do Ministério da Educação ao divulgar de forma atropelada os dados do IDEB 2015. Isso porque os jornalistas, importantes atores do debate educacional, não puderam ter acesso antecipado aos dados como costuma acontecer em divulgações dessa natureza. A prática do embargo é essencial para que os profissionais possam se preparar e oferecer aos seus leitores reportagens de qualidade. O Instituto Alfa e Beto compartilha desta visão. “O jornalista precisa ser informado para poder enriquecer o debate, porque enriquecer o debate é o papel da avaliação, uma instituição da sociedade que precisa ser respeitada em sua liturgia”, disse ao JEDUCA o presidente do Instituto.
Reproduzimos abaixo material produzido pela associação que mostra como a divulgação atropelada dos dados do IDEB prejudicou os jornalistas e toda a sociedade:
Dez minutos. Foi esse o tempo que a repórter da Rádio Gaúcha Ângela Chagas teve na quinta-feira (08/09) para abrir planilhas e montar uma chamada sobre o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) para o principal programa do noticiário da emissora. O caso de Ângela é extremo, mas revelador da dificuldade que jornalistas enfrentam com a ausência de uma política de embargos na divulgação de relatórios e indicadores educacionais. O tema foi objeto de uma nota da Jeduca, que recebeu apoio de educadores e jornalistas não especializados, como Miriam Leitão, da Rádio CBN.
O Ministério da Educação não definiu com antecedência nem a data de divulgação do Ideb. Só na manhã de quinta enviou às redações o release convocando para a entrevista coletiva do ministro da Educação, Mendonça Filho, marcada para o meio-dia, em Brasília (a Jeduca antecipou o anúncio na véspera, em sua página no Facebook). Mais um motivo para queixas de jornalistas, para os quais um cronograma tão apertado tem impacto direto na qualidade do material produzido. “É uma cobertura que envolve um volume de dados gigantesco. Sem tempo, você não consegue aprofundar, informar a sociedade corretamente”, afirma Ângela.
Com a pauta cada vez mais carregada de política em Brasília, a Rádio Gaúcha não conseguiu mandar repórter para a coletiva e Ângela teve de cobrir a entrevista a distância, de Porto Alegre, pelo site do MEC. “O ministro mencionou algumas vezes dados dos Estados, entre eles o Rio Grande do Sul, mas eles não apareciam na tela. Fiquei desesperada e mandei e-mail às 12h28 para o MEC pedindo que ao menos enviassem a apresentação do ministro. Eles até mandaram, mas chegou às 13h19.”
Já era tarde. O principal programa da Rádio Gaúcha começa às 12h50 e o Ideb era uma das três manchetes principais. “Ia fazer um comentário mais genérico sobre informações do Ideb nacional”, diz Ângela, que correu para olhar as planilhas do indicador logo que elas subiram no site do Inep. “Na última hora consegui montar uma chamada, de três linhas, destacando que o Estado teve o pior desempenho no ensino médio desde o início da série histórica do Ideb, em 2005.”
A “nota” do ensino médio no Rio Grande do Sul tinha sido de 3,7 em 2005. No Ideb 2015, ela caiu para 3,6. “A matéria tinha que puxar para os dados estaduais porque existe um debate grande sobre a qualidade do ensino no Estado. As pessoas aqui já temiam o impacto no Ideb da crise financeira do governo, que não cumpre o piso nacional dos professores e tem pago os salários do funcionalismo de forma parcelada.”
Mesmo quem não teve um deadline tão apertado quanto Ângela reclamou do tempo disponível para a cobertura. Repórter da editoria de Cidades do Jornal do Commercio, no Recife, Margarida Azevedo passou boa parte da manhã de quinta pedindo ao MEC que adiantasse o envio de planilhas para preparar gráficos. Não conseguiu. “Tive de fazer a opção de deixar fora da edição o recorte municipal. Só na sexta-feira trabalhamos os dados das 14 cidades da Região Metropolitana do Recife”, diz Margarida.
O Jornal do Commercio publicou uma página sobre o Ideb, com uma retranca sobre o desempenho de Pernambuco comparado com outros Estados que tiveram boa pontuação no indicador e uma reportagem de uma agência de notícias sobre os dados nacionais. “Só pudemos investir na sexta em histórias como a da Escola Municipal Lagoa Encantada, que, apesar de ficar num bairro violento do Recife, teve um aumento absurdo no Ideb, de 3,6 em 2011 para 6,1”, conta Margarida.
Precavida, Margarida já procurou autoridades locais para negociar a adoção do embargo na divulgação do Idepe, versão estadual do Ideb que costuma receber bastante atenção porque define o pagamento de bônus a professores de escolas que atingem metas. “O secretário de Educação Frederico Amorim disse que ia analisar com carinho a sugestão”, diz. “O problema é que não existe uma prática, uma cultura de embargo. Normalmente a divulgação é feita em coletivas e aí fica difícil conseguir boas entrevistas com fotos em escolas do interior, por exemplo. A gente termina o trabalho sempre com a sensação de que ele ficou incompleto.”
“A falta de embargo faz com que a gente faça mais divulgação e menos jornalismo. Você consegue o dado e publica”, acredita Paulo Saldaña, repórter da Folha de S. Paulo – que dedicou quatro páginas ao Ideb. “E indicadores de educação não são como os de inflação, por exemplo. Eles têm muito mais variáveis envolvidas.”
E são essas variáveis, como o cruzamento de dados socioeconômicos, de tamanho e localização das escolas, que permitem contextualizar melhor os resultados do Ideb. “A divulgação desta vez não inclui diferenças de nível socioeconômico como em outras edições do Ideb”, diz Saldaña.
Para o repórter da Folha, com a falta de tempo, os jornais tendem a produzir uma cobertura mais uniforme, sem muitas apostas. Saldaña sentiu falta de aprofundar aspectos como a falta de referências de qualidade no ensino médio, que teve piora na pontuação mesmo entre escolas particulares. “No ensino fundamental você ainda encontra um conjunto de escolas públicas no Ceará, por exemplo, que consegue ter bom desempenho. No médio, isso não existe, a não ser em alguns casos em que o modelo de ensino é diferente, como o das escolas de tempo integral de Pernambuco.”
Saldaña chama a atenção para a importância do timing da cobertura. “Os dados estão aí e a gente pode continuar trabalhando em cima deles, mas você tem de levar em conta a perda de impacto jornalístico que acontece depois da divulgação do Ideb”, diz. “Existe uma dificuldade histórica de conseguir espaço para educação. Podemos fazer matérias mais legais a partir de agora, mas vai ser mais difícil publicar porque você perde o gancho do ‘Dia do Ideb’.”
Repórter de educação do Estado de S. Paulo, Victor Vieira, concorda com Saldaña. “O dia da divulgação é o dia em que todo mundo está falando do Ideb. O leitor já viu alguma coisa a respeito na TV, ouviu no rádio. Então é muito ruim você perder esse apelo, essa chance de passar para a sociedade uma leitura melhor dos dados.”
Vieira conta que só teve a confirmação de que o Ideb sairia na quinta pela Jeduca. “Antes os jornais estavam contando com a divulgação na segunda semana de setembro. Nós aqui falamos algumas vezes com o MEC para tentar confirmar a data e sempre perguntamos se haveria embargo”, diz o repórter, que participou de sua segunda cobertura do Ideb. “Da outra vez foi ainda pior: não teve embargo e a coletiva foi dada no fim da tarde de uma sexta-feira, que é o dia da semana mais complicado nas redações.”
O Estadão deu três páginas para o Ideb na edição de sexta. “Senti falta de recortes de nível socioeconômico e regionais e de desdobrar os componentes do Ideb, como a evolução das notas em matemática e português”, afirma Vieira. Com o prazo curto para análise de dados regionais, também fica difícil questionar autoridades locais. “Aqui em São Paulo a entrevista coletiva do secretário de Educação, José Renato Nalini, aconteceu às 16 horas, então os repórteres chegaram para a entrevista sem muitos subsídios.”
No entender de Vieira, um prazo “razoável” para destrinchar dados e organizar a cobertura seria o de 48 horas. “O ideal, porém, é que a gente tivesse pelo menos três dias, para poder usar todos os recursos tecnológicos em infográficos, por exemplo. O Pisa (sigla em inglês do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) faz isso, divulga resultados com alguns dias de antecedência.” Para ele, a mobilização em favor do embargo não deve se limitar os jornalistas. “Especialistas em educação e muitas redes municipais e estaduais também são pegos de surpresa. Então esse modelo de divulgação prejudica os gestores também. Acho que a defesa do embargo deve ser uma reivindicação do setor acadêmico e de entidades como a Undime e o Consed (que reúnem, respectivamente, secretários municipais e estaduais de Educação) ”, diz.
Embora não seja especializada em educação, Miriam Leitão também comentou o esquema de divulgação do Ideb e fez ajustes de última hora para falar sobre os resultados da avaliação na Rádio CBN. Como explicou no ar o âncora Carlos Alberto Sardenberg, ela decidiu mudar o assunto do seu comentário pouco antes de entrar ao vivo, assim que teve acesso aos dados gerais do Ideb. Miriam mesclou críticas ao resultado da avaliação com o conteúdo da nota da Jeduca.
“Estou vendo jornalistas de educação reclamando que o MEC poderia ter divulgado com antecedência os dados com embargo para que eles pudessem estudá-los e, assim, apresentar uma avaliação melhor”, disse Miriam. “É a Jeduca, um grupo de jornalistas de educação, que reclama disso. Deveria ter mesmo uma informação com embargo para que eles pudessem nos ajudar e ajudar a sociedade.”
O front dos especialistas em educação também se mobilizou, fazendo cobranças ao MEC. Presidente da organização não-governamental Instituto Alfa e Beto, João Batista Araujo e Oliveira afirma ter recomendado enfaticamente a divulgação dos dados do Ideb com embargo ao ministro Mendonça Filho e à presidente do Inep (Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais), Maria Inês Fini, nos dias que antecederam o anúncio. “A Fini alegou que só teria acesso os microdados na segunda-feira (05/09). Eu sugeri então que adiassem o anúncio. Houve imperícia na condução de um assunto muito sério”, diz. “O jornalista precisa ser informado para poder enriquecer o debate, porque enriquecer o debate é o papel da avaliação, uma instituição da sociedade que precisa ser respeitada em sua liturgia. O Banco Mundial divulga alguns relatórios com antecedência de duas semanas ou mais.”
Para João Batista, o MEC deveria cadastrar jornalistas e pesquisadores que receberiam antecipadamente os dados de avaliações educacionais, com o compromisso de só publicá-los em uma data determinada. “É complexo? É. Tem riscos envolvidos? Tem. Mas é muito melhor do que deixar o governo com o monopólio da informação – a sociedade só tem a ganhar com isso. No caso do Ideb, a única pessoa que fez alguma análise no primeiro momento foi o próprio ministro, que disse que tudo estava um caos”, afirma.
A sugestão do presidente do Alfa e Beto é a de que o MEC se reúna com uma comissão de jornalistas e pesquisadores para definir normas de embargo. “O MEC precisa sentar e conversar, entender mais sobre os horários de fechamento e outras variáveis. Isso eles não sabem fazer. Precisa aprender a conversar e sair do discurso de ‘estamos sofrendo pressão’ que a gente sempre escuta quando pergunta o motivo de as coisas não mudarem”, diz João Batista.
No entender do especialista, esse é o único meio de se adotar um modelo de divulgação eficiente e justo. “Em um país democrático e republicano as regras precisam valer para todos. E não foi o que aconteceu desta vez, porque fui procurado por jornalistas que tiveram acesso aos dados antes da entrevista do ministro”, diz. “Além disso, os press releases precisam ser mais cuidadosos. O do Ideb até que estava ponderado, mas não tinha nenhuma linha sobre a Prova Brasil.”
Apesar das críticas, João Batista é otimista quanto à possibilidade de o MEC ser mais sensível agora aos apelos em favor do embargo. E conta com isso para haja uma mudança nas práticas de divulgação de avaliações regionais. “Tem muitas agências de avaliação nos Estados que não divulgam microdados. Alegam que não está previsto nos contratos com os governos. Mas o Estado sou eu, somos nós. Como pode isso?
Outro educador que comentou na semana passada a questão do embargo e do acesso a dados técnicos foi o professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Luiz Carlos de Freitas. Ele elogiou a atuação da Jeduca no Blog do Freitas e assinalou: ”A divulgação dos dados oficiais do MEC tem recebido críticas há muito tempo. Embora atualmente tenha o Inep estabelecido um plano de abertura dos microdados, ainda há o problema da comunicação dos resultados das avaliações nacionais, que usualmente tem sido restrita a um press release informal dos próprios ministros. Esta forma é absolutamente insatisfatória e revela o esvaziamento do Inep.
“O Inep também não tem divulgado relatórios completos das avaliações, deixando de informar indicadores relevantes que permitiriam conhecer a adequação dos processos de medição e coleta de dados utilizados”, escreveu Freitas, um crítico combativo dos processos de avaliação em larga escala, no blog. “Os exames são uma incógnita tanto quanto à sua produção e qualidade bem como quanto aos dados em si. Deve-se agregar que o Inep terceiriza muitas partes do processo e não temos controle social sobre isso.”
Procurado no início da tarde de sexta-feira (09/08) pela Jeduca, o MEC prometeu se manifestar sobre a questão do embargo, mas não o fez até o fim da tarde de segunda-feira (12/08).
(Crédito da imagem: Agência Brasil)