A educação brasileira vivenciou grandes emoções em 2016. Houve troca de ministro, o governo finalmente encaminhou a proposta de reforma do ensino médio e tomou as rédeas da Base Curricular Nacional. O Plano Nacional de Educação (PNE) continuou sendo empurrado com a barriga e agora esbarra na Lei do Teto. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) completou 20 anos, acumulando 20 alterações e mais de 300 projetos de mudança. Celebramos os 50 anos da publicação do Relatório Coleman, o estudo mais importante sobre variáveis que explicam o desempenho escolar, e recebemos os resultados da Prova Brasil, do Enem e do Pisa, mostrando que pouco mudou, especialmente para os menos favorecidos. Aprendemos algo neste ano?
Comecemos pelo lado positivo. A troca de comando no Ministério da Educação (MEC) permitiu saber que de nada valeu triplicar os recursos da pasta, pois os mais de 40 programas iniciados nos últimos 15 anos não produziram avanços significativos. A nova gestão do MEC reduziu os decibéis que dominavam a discussão da Base Curricular Nacional, criando espaço para um encaminhamento mais racional. A reforma do ensino médio poderá fornecer algum combustível para a expansão dos cursos médios técnicos e, talvez, uma diversificação dos currículos acadêmicos. A maioria dos educadores – mesmo os que acreditam na eficácia do PNE – já entendeu que ele não será cumprido. No 20.º aniversário da LDB, o senador Cristovam Buarque indagou se seria possível termos uma lei que permitisse à educação se antecipar ou acomodar as mudanças da sociedade, sem precisar ser modificada a cada passo. É raro termos boas perguntas. Fora do âmbito do MEC, o lançamento do Programa Criança Feliz, pelo Ministério de Desenvolvimento Social, ilustra que governos podem ser capazes de formular políticas com base em evidências e agregar apoio a partir de propostas bem estruturadas, e não apenas em resposta a pressões ou anseios corporativistas. As boas notícias param por aí.
Vejamos a coluna do passivo. Houve abertura da caixa-preta do MEC, mas continua o financiamento para muitos dos programas sabidamente ineficientes ou que precisam de profundos reparos – o Fies é o mais grave e caro dentre eles. Reduziu-se o ruído relacionado com a Base Curricular, mas ninguém sabe ao certo o que está sendo elaborado e por quem: o MEC não conseguiu estabelecer o rito próprio para esse tipo de trabalho. A proposta do ensino médio tem mérito, mas da forma que está deixa mais dúvidas do que clareza, e dificilmente possibilitará a implementação de soluções eficientes e economicamente viáveis, tanto para a rede pública quanto para a privada. O início de debate promovido pelo senador Cristovam Buarque deixou claro que o Brasil tem dificuldade para pensar numa legislação aberta para tornar mudanças viáveis: legislamos para assegurar direitos, privilégios e reservas de mercado.
Vale aprofundar o impasse do PNE. Os planos anteriores não foram cumpridos por diversas razões. O plano atual, aprovado em 2014, foi resultado de uma forte mobilização nacional e teve a aparência de um grande debate que resultou num grande consenso. Na verdade, foram e ainda são pouquíssimas as vozes discordantes e todas fora do aparato responsável pela condução do “debate”. O MEC, mesmo antes da crise atual e sabendo de sua inviabilidade, não se dispõe a reconhecer que o rei está nu – o que coloca Estados e municípios em posição vulnerável, pois continuam pressionados a implementar o plano e, dessa forma, tornar inviáveis os já combalidos orçamentos.
Há duas questões mais relevantes. Primeiro, não há possibilidade de gastar nem os 10% do produto interno bruto (PIB) em educação previstos na Meta 20 do PNE e não há recursos para implementar o plano. A maioria dos educadores – e economistas preocupados com a reação da arquibancada – não se comove com esses números e acha que falta vontade política. Segundo, ainda que o plano viesse a ser implementado em sua totalidade, nada seria capaz de assegurar a melhora na educação. Quem fez o plano não leu o Relatório Coleman nem os resultados de 50 anos de pesquisas a respeito do que funciona para melhorar a educação.
No apagar das luzes de 2016, o que extrair do balanço do PNE, da LDB, do Pisa, da Lei do Ensino Médio e da Base Nacional Curricular Comum? Todas essas iniciativas mostram que as dificuldades de fazer avançar a educação residem em fatores comuns. O espírito legiferante é reforçado pelos interesses corporativistas e pela convicção de que o cofre da viúva é inexaurível. Isso é agravado pela perda de capacidade de debater e pelo crescente mau humor dos vários atores em examinar ideias de que discordem. A falta de capacidade do Executivo de propor reformas com base em evidências e depois buscar o consenso foi substituída pelo assembleísmo.
Vem aí 2017. Nada como crises para fazer surgirem inovações e romper paradigmas. A moratória do PNE é um requisito básico para sinalizar a restauração do bom senso e do princípio da racionalidade e essencial para que os novos prefeitos possam organizar a casa. Há muito mais que o MEC poderia fazer, inaugurando novas formas de propor e encaminhar políticas públicas, criando foros legítimos de debate e confronto de ideias. Também poderíamos ganhar de presente de ano-novo um MEC em que prevaleçam como critério as evidências como base para formular políticas públicas, a racionalidade como base para avaliar os custos e benefícios dos programas, o debate público como instrumento de confronto de ideias e aprimoramento de políticas públicas e o benefício para o aluno – especialmente os mais carentes – como foco primordial e critério último para avaliar qualquer política pública.