Quando se trata de alfabetização de adultos, algumas perguntas são frequentes: em que difere a alfabetização de crianças e de adultos? O adulto aprende a ler e a escrever da mesma forma que uma criança? O ensino deve ser igual ou diferente?
O primeiro desafio para responder a essas questões é definir o que é alfabetização de adultos. O Brasil já adotou várias definições. Até a década de 60, tratava-se apenas de aprender a assinar o nome para casar ou tirar o título de eleitor. Depois, o nível de exigência foi subindo. Paulo Freire, por exemplo, acentuou a importância de transformar o processo de alfabetização – e todo processo educativo – num processo de conscientização e reflexão. A leitura de livros é o ponto de partida para a leitura do mundo. Mais tarde vieram as exigências da alfabetização funcional em função das exigências de uma sociedade cada vez mais urbana e letrada. Hoje, o IBGE já entende que é preciso pelo menos ler e escrever um bilhete para não ser considerado analfabeto.
Nos últimos anos, acentuou-se a função da alfabetização de “dar poder” às pessoas, aumentando seu autoconceito e resgatando sua autoestima. Na prática, muitos projetos de alfabetização tentam atingir vários objetivos e propósitos, inclusive a formação profissional e a identificação de oportunidades para obtenção de emprego e renda. Fala-se até em alfabetização matemática e alfabetização digital. Mas é preciso cuidado para não confundir os objetivos com o processo da alfabetização.
O segundo desafio reside nos resultados obtidos em programas de alfabetização de adultos. No início da década de 90, dez dentre os maiores países em desenvolvimento do mundo comprometeram-se a erradicar o analfabetismo. Desde então, eles se reúnem periodicamente para avaliar os progressos. Infelizmente, há poucos dados objetivos sobre a qualidade e efetividade desses vários programas. O que se sabe é que há um baixo êxito dos adultos na alfabetização, elevados índices de desistência e praticamente nenhuma informação sólida sobre outros efeitos e resultados dos programas já implementados.
O fenômeno da regressão ao analfabetismo, isto é, do alfabetizado que volta a ser analfabeto, continua a se repetir. No Brasil, é grande a quantidade de pessoas com vários anos de escolaridade que se inscreve em programas de alfabetização. Os dados revelam que alfabetizar adultos é bem mais complicado do que alfabetizar crianças, e os bons resultados são muito mais difíceis de alcançar. Mas nem tudo é negativo.
Recentes revisões da literatura internacional sobre alfabetização de adultos chegaram a importantes conclusões que nos ajudam a compreender melhor as características do adulto analfabeto. A boa notícia é que os requisitos e passos para alfabetizar um adulto são essencialmente os mesmos, e os processos mentais de adultos e crianças são semelhantes.
Ler envolve a interpretação de sinais gráficos por meio de redes neuronais que atribuem sons a letras e aportam o sentido que vem do léxico. Isso vale para adultos e crianças. Trata-se, tanto no adulto quanto na criança, de uma função cognitiva. Logo, tudo que a Ciência Cognitiva da leitura aprendeu sobre alfabetização de crianças aplica-se também à alfabetização de adultos. O domínio do princípio alfabético e da consciência fonêmica, por exemplo, são os melhores preditores de competência em alfabetização de adultos.
Quanto aos desafios específicos da alfabetização de adultos, o maior é a motivação, incluindo o medo do insucesso e o sentimento de inferioridade, que são fatores culturais e socioculturais, bem como a realidade objetiva do cotidiano: o cansaço, as preocupações e prioridades que disputam sua energia, atenção e concentração. No caso da escrita, a menor plasticidade cerebral pode dificultar a aquisição de fluência, mas isso é algo que pode ser superado com treinamento adequado e esforço.
Para alcançar maior sucesso, os programas de alfabetização de adultos precisam:
- Incorporar os conhecimentos científicos sobre consciência fonêmica, decodificação e fluência em suas práticas. Programas que focam apenas no aspecto social sem garantir plena capacidade de escrita e leitura não ajudam a alfabetizar ninguém.
- Identificar contextos, procedimentos e técnicas que possibilitem ampla exercitação e prática dessas competências. Numa língua como a nossa, isso significa pelo menos 300 a 400 horas de atividades focadas nas competências básicas da leitura – sem falar na escrita.
- Utilizar materiais e métodos adequados para desenvolver as competências de decodificação e fluência. Isso requer materiais diversificados e adequados a esses objetivos, que não sejam infantilizados.
- Utilizar materiais adequados e contextos que exijam a prática de leitura durante e após o processo de alfabetização. Nesse sentido, cursos de alfabetização associados a situações concretas (de trabalho, religião, militância política etc.) que exijam o emprego imediato da leitura e escrita nas atividades cotidianas têm mais chance de êxito do que programas de alfabetização desvinculados desses contextos.
Como na alfabetização de crianças, a alfabetização de adultos requer clareza sobre o que seja alfabetizar, estratégias adequadas para o ensino das várias competências, professores capacitados e uma gama de materiais de ensino adequados. Não é nada que se improvise. Além disso, são necessários cuidados, incentivos e contextos para compensar e contrabalançar as dificuldades e desafios próprios de uma alfabetização tardia.
Contudo, se realmente temos a perspectiva de erradicar o analfabetismo, o Brasil precisa aprender uma grande lição: o sucesso de qualquer esforço educacional repousa numa alfabetização eficaz das crianças aos seis anos de idade. Todo atraso nesse processo significa prejuízo e causa danos que, para milhões de brasileiros, tornam-se irrecuperáveis. A única fórmula de sucesso para erradicar de uma vez por todas o analfabetismo adulto é assegurar a alfabetização de todas as crianças no primeiro ano em que chegam à escola.
Este texto foi extraído do livro Alfabetização de Crianças e Adultos: Novos Parâmetros, uma publicação Alfa e Beto Soluções. Para saber como adquirir o livro, clique aqui. |
* Foto/Créditos: Prefeitura Municipal de Itanhaém/2012/Creative Commons