Reportagem publicada no jornal Folha de S.Paulo
A Realidade Local como Base para o Ensino Técnico no Brasil
O aumento da oferta de ensino técnico no Brasil deve ser mais do que uma expansão numérica; precisa ser um desenvolvimento qualitativo e adaptado à realidade local de cada aluno. Isso implica uma série de desafios que vão desde o desenho curricular até a infraestrutura e a superação do preconceito com essa modalidade de ensino.
Adaptação Curricular à Diversidade Local
Primeiramente, os currículos dos cursos técnicos precisam ser flexíveis e adaptáveis às diversas realidades culturais e produtivas do país. João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, critica a uniformidade que uma base curricular nacional comum poderia impor, apontando para a necessidade de um sistema que valorize a diversidade e estimule a diferenciação. O exemplo da França, com suas 40 formas de fazer o ensino médio, ilustra a importância de adaptar a educação às necessidades e características locais.
Desafios de Implementação e Infraestrutura
Além disso, a implementação eficaz do ensino técnico enfrenta obstáculos econômicos e burocráticos significativos. João Cardoso Palma Filho, professor da Unesp, destaca que, embora a União estabeleça diretrizes curriculares, são os estados que possuem a maior parte das escolas técnicas e, portanto, a responsabilidade principal sobre a educação técnica. Ele defende que cada estado deve mapear seu mercado local para oferecer cursos que tenham relevância prática e garantam oportunidades reais de emprego aos graduados.
Conexão com o Mercado de Trabalho
A relevância do ensino técnico também depende da sua capacidade de integrar os alunos ao mercado de trabalho local. A necessidade de estágios práticos questiona a viabilidade de certos cursos em regiões onde não há demanda correspondente. O Instituto ORT no Rio de Janeiro serve como um exemplo positivo, adaptando-se ao longo dos anos às demandas industriais e, mais recentemente, às necessidades do setor de tecnologias digitais e genômica/biotecnologia.
Qualificação dos Professores
Outro aspecto crucial é a qualificação dos professores. Os educadores devem ter experiência prática relevante na área que ensinam, além de uma abordagem pedagógica que integre teoria e prática de maneira eficaz. Os desafios incluem não apenas encontrar professores com a formação adequada, mas também oferecer remuneração e infraestrutura que os atraiam e retenham.
Financiamento e Sustentabilidade
Luiz Augusto Caldas Pereira, do Instituto Federal Fluminense, aponta para a divisão de responsabilidades financeiras entre União e estados como um caminho para garantir tanto a construção quanto a manutenção de escolas técnicas. Contudo, a viabilidade dessa proposta é questionável em um contexto de restrições fiscais e econômicas.
Em suma, o desenvolvimento do ensino técnico no Brasil requer uma abordagem holística que considere as especificidades locais, a necessidade de infraestrutura adequada, a qualificação dos professores e o financiamento sustentável. Portanto, superar esses desafios é essencial para que o ensino técnico não só cresça em quantidade, mas também em qualidade e relevância. Assim, contribuindo verdadeiramente para a formação profissional dos jovens brasileiros.