Este artigo faz parte de uma série que debate em dez capítulos questões fundamentais para o avanço da educação no Brasil. As publicações acontecem em comemoração aos 10 anos de atuação do Instituto Alfa e Beto. Leia AQUI a série completa de artigos.
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Muitos estudos recentes, internacionais e nacionais, reportam a potencialidade de grandes ganhos com o envolvimento das crianças em programas de Educação Infantil, como creche e pré-escola. A frequência da criança no Ensino Infantil de qualidade estimula o desenvolvimento cerebral como um todo: aspectos cognitivos, motores e linguísticos, além de considerável impacto no desenvolvimento socioemocional dos alunos, cuja duração transborda o ciclo escolar e influencia o bem-estar até mesmo na vida adulta.
Dois grandes estudiosos do desenvolvimento infantil, Ross Thompson, da Universidade da Califórnia, e Charles Nelson, de Harvard, sistematizaram o desenvolvimento do cérebro humano e concluíram que grande parte do desenvolvimento de nossas habilidades primordiais para a vida se dá na infância. Na Figura 1 (abaixo) é possível checar algumas das evidências encontradas em seus trabalhos sobre as fases de desenvolvimento cerebral e respectivas suscetibilidades para o aprendizado:
O gráfico deixa evidente que até os cinco anos de idade há ápices de desenvolvimento auditivo, visual, e linguístico. Além disso, grande parte das funções cognitivas superiores se desenvolve nessa fase da vida. Isso reforça a ideia de que a ausência de estímulos e desenvolvimento adequados no início da vida gera déficits que acompanharão o indivíduo ao longo de sua existência. Em contrapartida, a figura também indica a dificuldade de compensar esses déficits mais tarde, quando a janela de desenvolvimento se fechou. Assim como ambientes estáveis e estimuladores, fisicamente e intelectualmente, são propícios para o desenvolvimento individual pleno, ambientes estressantes e com falta de estímulos podem ser prejudiciais às crianças, afetando posteriormente aqueles jovens e adultos que entrarão na escola, participarão do mercado de trabalho e/ou constituirão família.
Grande parte da responsabilidade de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento recai sobre a família nos primeiros anos de vida da criança, e como as famílias são heterogêneas já muito cedo se notam diferenças importantes entre bebês que desfrutaram de ambientes favoráveis e aqueles que passaram por privações. É papel do Estado mitigar desigualdades de oportunidades em geral, e em especial as surgidas nessa fase da vida, que como vimos é tão importante para os resultados de bem-estar usufruídos a partir de então. Dentre as políticas que podem ser efetivas em apoiar o desenvolvimento da criança pequena, a escola ocupa papel de destaque, pois aí a criança passa grande parte do tempo que, se bem aproveitado, pode compensar e até superar eventuais carências de estímulos e atenção.
Muitos programas avaliados em trabalhos científicos, sobretudo meta-análises, têm encontrado impactos positivos de creches e pré-escolas de qualidade sobre notas durante o ciclo escolar; menor envolvimento com violência; famílias mais estáveis e condições melhores de saúde no futuro. Além dessa gama de benefícios, também há grandes evidências de que frequentar programas voltados à Educação Infantil tem efeitos benéficos e duradouros sobre o desenvolvimento socioemocional das crianças. Por exemplo, crianças que passaram pela Educação Infantil tendem a ter mais estabilidade emocional, incluindo menor probabilidade de desenvolver transtornos depressivos ou de ansiedade. No âmbito interpessoal, há documentação de efeitos positivos sobre sociabilidade e autoestima, dentre outras características importantes para a formação de uma estrutura emocional e social sólida.
Em outra perspectiva, James Heckman, Prêmio Nobel em economia, tem grande parte de suas pesquisas voltadas ao entendimento dos retornos associados aos investimentos em Capital Humano no princípio da vida. Um dos resultados mais importantes alcançados pelo pesquisador é que investimentos em Educação Infantil têm retornos maiores do que investimentos no aprendizado realizados em outras fases da vida. ´
O Brasil, nas últimas duas décadas, andou a largos passos no desenvolvimento de sua Educação Infantil, e obteve inúmeras conquistas. No final da década de 90, menos da metade das crianças com idade entre 4 e 5 anos frequentava pré-escolas, e menos de 10% das crianças entre 0 e 3 anos estavam em creches. Hoje, estes números subiram para aproximadamente 90% e 30%, respectivamente, e parte isso se deve à Emenda Constitucional 59 (2009), que reduziu para 4 anos a idade obrigatória de ingresso no ensino formal. O esforço de expansão do ensino infantil também se manifesta sobre as exigências impostas aos profissionais deste setor: enquanto somente 20% dos professores tinham formação além do Ensino Médio nos anos 90, hoje esse percentual é quase três vezes maior.
Entretanto ainda existem diversos problemas. Dificuldades de acesso e inclusão da população de menor renda nos programas de desenvolvimento infantil são alguns deles. Mas principalmente, a qualidade destes serviços ofertados pelo Estado é dúbia, e isso pode em muito reduzir – ou até não produzir – os efeitos positivos desejados na vida futura dessas crianças, como apontado pela literatura científica e relatórios do Banco Interamericano de Desenvolvimento. De fato, em amplo levantamento feito em seis capitais brasileiras a imensa maioria de nossas creches e pré-escolas não atingiu sequer o nível “adequado” em escala internacionalmente reconhecida.
Apesar disso, existem pontos positivos em nosso contexto. O país possui mais de 5000 municípios, muitos dos quais com intervenções inovadoras e promissoras de Ensino Infantil, e que precisariam ser mais frequentemente avaliadas para que o restante do país conhecesse seus benefícios. No município de Petrolina, por exemplo, uma parceria do município com empresários locais e o Instituto Alfa e Beto introduziu a presença do aconselhador (coach) em creches e pré-escolas, para que, juntamente com os docentes destas instituições, se avaliasse a qualidade das aulas e do vínculo entre educadores e crianças. A intervenção foi avaliada e hoje se sabe que contribuiu significativamente para o aumento da capacidade cognitiva das crianças, dentre outros resultados positivos.
Por fim, é importante recapitular que a Primeira Infância é um período crucial para o desenvolvimento do ser humano. Evidências nos mostram que os melhores investimentos feitos em capital humano são feitos em idades menos avançadas e isso se deve ao grande desenvolvimento que as pessoas podem ter nos primeiros anos de vida e seus desdobramentos durante o período de aprendizado. No entanto, é importante atentar-se a formas de as políticas atingirem seu público alvo com eficácia, oferecendo programas de qualidade. O Brasil tem feitos grandes avanços no que diz respeito à mobilização, no entanto, ainda há muito o que melhorar.
*Daniel Santos e Felipe Polo são pesquisadores da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (FEA-RP/USP).