Artigo publicado no jornal Valor Econômico
Desde a Guerra Fria, com o lançamento do Sputnik, os países mais desenvolvidos identificam na educação uma arma poderosa para promover a competitividade. No século XXI, o século do conhecimento, essa “arma” tornou-se essencial. Simbolizando os novos tempos, houve o lançamento do Pisa, em 2000. Agora, o Relatório No Time to Lose – How to Build a World-Class Education System State by State, recém-publicado nos Estados Unidos, traz alertas e lições que se adaptam perfeitamente ao Brasil, a começar pelos dois elementos do título: “não há tempo a perder” e “implementar estado a estado”.
Uma das novidades é o compromisso crescente dos países educacionalmente avançados com a primeira infância. A meta é clara: assegurar que todas as crianças tenham prontidão escolar. E, subsequente, manter apoio aos que ainda dele necessitarem. Varia a forma como isso é feito, mas o que chama a atenção é o compartilhamento das responsabilidades entre governo e famílias: nada de modelo único. Há duas fortes motivações subjacentes para investir na primeira infância. De um lado, a eficiência, pois nenhum recurso humano pode ser desperdiçado; de outro, a equidade, uma vez que a igualdade de oportunidades só está garantida se as crianças de seis anos chegarem à escola prontas para assumir os desafios. A questão não é de oferecer escolas ou vagas.
Outra novidade é a ênfase crescente na diversificação do ensino médio. Nos países da OCDE, a média de alunos no ensino médio técnico é de aproximadamente 30%; na maioria dos países europeus, varia de 45% (França) a quase 70% (Holanda e Suíça). A Alemanha é a única que vem reduzindo essa proporção, que ainda é superior a 45%. Nos países da amostra, a tendência é crescente. Há várias razões para isso. Uma delas decorre dos alunos, seu perfil, motivação e grau de compromisso; outra decorre da estrutura do ensino superior, que em muitos países é meritocrática e seletiva: os sinais são claros e os alunos calibram suas chances.
Uma terceira decorre das necessidades e capacidade de absorção do mercado de trabalho. Na maior economia do mundo, os EUA, 41% da população tem pelo menos um ano de ensino superior. Mesmo lá, quase 60% das pessoas que trabalham não possuem nível superior. Ou seja, fora da universidade também há salvação.
Dentre as várias funções da educação, uma delas é preparar o indivíduo para o mundo do trabalho, o que não significa necessariamente levá-lo à universidade.
Há outro aspecto no Relatório de grande interesse para o Brasil. Cingapura, Estônia, Finlândia, Japão, Polônia, Taiwan, as províncias de Hong Kong e Shangai e Alberta e Ontario, no Canadá, referidas como benchmark estão entre os melhores no Pisa, e, em sua maioria, são os que mais têm crescido em qualidade. Interessante observar que foram pinçados países e províncias relativamente pequenos, ocidentais e orientais, meio a meio. O estudo mostra como as reformas se iniciam a partir de um conjunto consistente de propostas, cada vez mais baseadas em evidências sobre o que melhor funciona, e em torno das quais a autoridade local consegue adesão para assegurar uma implementação eficaz. O consenso se dá a partir de propostas consistentes, a implementação é sempre progressiva e, quase sempre, segue sequência lógica determinada.
Que lições tiramos desse Relatório? Limito-me a duas. A primeira, refere-se ao ensino médio técnico. O Brasil possui um sistema S plenamente capaz de assegurar ensino médio técnico de qualidade na maior parte do Brasil. Além de competência, o sistema dispõe de recursos vultosos, que poderiam ser canalizados para essa função, e, se necessário, complementados com outros recursos públicos. Nos países desenvolvidos a formação técnica é entendida primordialmente como a formação de técnicos em nível médio. Por que aqui seria diferente? Os melhores exemplos de ensino profissional encontram-se nos países em que há uma forte participação do setor privado na definição e operação dos cursos. Esse é o debate que o governo precisa promover e ao qual o setor produtivo precisa responder, já que não tomou a iniciativa de fazê-lo.
O governo, por sua vez, deve apressar a reforma do ensino médio para assegurar a legitimidade e espaço para essa modalidade de ensino. E precisa repensar o que fazer com sua cara e ineficaz rede de Cefets – excelente em sua qualidade, mas que, além de caríssima, não forma jovens para o mercado de trabalho. Não se trata de fechar tais unidades, mas de redirecionar sua missão, inclusive para cursos de tecnologia e outros que interessem ao país, para expandir o ensino superior.
A segunda lição é de estratégia de reforma. Passou da hora de insistir em projetos centralizados e uniformes. A capacidade e disposição do governo federal para lidar com a redução de desigualdades regionais se esgotou no Fundeb, e não avançou. Ao contrário, é tímida a participação federal e sua capacidade de reduzir desigualdades. A experiência aqui analisada sugere que o governo federal poderia contribuir muito mais para avançar a educação criando estímulos para que Estados – e talvez municípios – apresentem propostas bem fundamentadas para melhorar a sua educação. O Relatório aqui examinado sugere critérios básicos para um programa federal de apoio a reformas locais: como a proposta vai assegurar a prontidão dos alunos que ingressam no 1º ano? Como atender alunos que enfrentam maior dificuldade? Como estabelecer uma política para atrair e manter professores altamente qualificados? Como gerenciar o sistema de forma adequada? Tudo isso, claro, baseado em evidências, nas melhores práticas e acompanhado por rigorosas avaliações. A Federação, estúpido!