‘A função da educação é promover a equidade’, diz especialista
No livro Repensando a Educação Brasileira, o presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Oliveira, diz que o ensino no país reproduz a desigualdade. Para ele, ainda há muito o que fazer no setor. Confira a entrevista:
Em seu livro, o senhor acusa o pós-modernismo de causar um “impacto desagregador” na escola. Qual seria, então, a função das unidades escolares dentro dessa influência?
Na ideologia do pós-modernismo, a escola perdeu a sua função tradicional: a transmissão dos conhecimentos acumulados ao longo do tempo e (o fornecimento dos) meios para criticá-los e fazê-los avançar. A cultura foi banalizada, o conhecimento disciplinar foi banalizado, e, com isso, a autoridade decorrente do domínio do conhecimento também o foi.
Qual a responsabilidade dessa corrente ideológica nos padrões de qualidade de nossa educação?
Quando perdermos a noção de hierarquia do conhecimento, e tudo fica horizontal, desaparecem os padrões. Se o que “eu acho” vale tanto quanto o parecer de um cientista, é impossível aferir qualidade. Se eu posso dizer que alguém é bonito, mas não posso dizer que alguém é feio, o conceito de bonito torna-se vazio. Sem referenciais, é impossível avaliar – caímos no relativismo absoluto.
Por que o senhor diz que as escolas hoje “reproduzem a inequidade”? O fator socioeconômico deveria ser mais levado em conta na hora de avaliar o desempenho de um aluno ou de uma escola?
Analisei os dados da Prova Brasil entre 1999 e 2011 e observei que houve um avanço modesto dos alunos de famílias das classes A, B e C. Mas os alunos das demais classes sociais — os que mais dependem da educação para ganhar a vida – praticamente não tiveram melhorias. Isso significa que as políticas educacionais não estão chegando aonde mais precisam. E, ao mesmo tempo, embora todos tenham mais anos de escolaridade, a diferença vai aumentando. Ora, a função da educação deveria ser a de promover a equidade, e não aumentar a desigualdade.
Num trecho do livro, o senhor diz que a “classe média e as elites não entendem o mal que uma educação pública de qualidade ruim faz a si mesmos, aos seus filhos e ao país”. Qual seria o papel do setor privado na educação básica e na educação superior?
Um país em que as elites não sofrem competição é infeliz, pois elas não se esforçam. Os resultados do Pisa mostram que a nota média dos 10% melhores no Brasil é igual à dos 60% melhores dos países da OCDE. No nível de altíssimo desempenho temos menos de meio por cento de brasileiros, contra 5% a 7% em diversos países. Um país sem elites é um país sem futuro. Isso nada tem a ver com o setor privado. Tem a ver com a história do Brasil, marcada por desigualdades de todo o tipo.
Mas qual seria o papel do ensino privado nesse contexto?
O ensino privado não é a causa, é apenas o reflexo dessa situação. Nada impede que escolas públicas sejam tão boas ou melhores do que as escolas privadas, exceto a falta de políticas educacionais adequadas. Mas estas dependem de uma sociedade que pressione por isso – o que não ocorre no Brasil. A sociedade diz que quer mudar, mas não se organizou para isso. Esse é o preço a pagar por uma sociedade sem elites bem preparadas e comprometidas com o desenvolvimento do país.
O senhor argumenta que, antes de utilizar os mais de R$ 60 bilhões anuais do Orçamento em educação, o governo federal deveria identificar o mau uso de recursos públicos, interrompendo, inclusive, os cursos de formação continuada de professores que apresentassem baixo rendimento. O que fazer no lugar de investir nesse docente?
Há vários estudos que comprovam que a maioria dos professores que estão nas escolas, mesmo concursados, não deveriam estar lá. Há evidências sólidas de que a estratégia de tentar capacitar esses professores por meio de cursos – de curta, média ou longa duração – não deu resultado. Mesmo porque quem está fazendo o retrabalho são as mesmas instituições que fizeram o trabalho malfeito. Portanto, não adianta insistir nessa tecla sem desenvolver políticas de longo prazo para atrair os jovens mais talentosos ao magistério. De outra forma, vamos continuar enxugando gelo. Temos que pensar no futuro das crianças, não apenas no direito dos atuais professores.