Professor emérito do Instituto de Educação da Universidade de Londres, Roger Beard é referência em alfabetização, desenvolvimento da escrita e formação de professores de língua. Ele está no Rio de Janeiro para participar do VIII Seminário Internacional Ensino de Língua e Formação de Professores, que acontece entre quinta e sexta-feira no Hotel Othon Palace, em Copacabana. Em entrevista ao GLOBO, ele destaca como o ensino da língua é fundamental para o aprendizado das demais disciplinas e mostra como boas estratégias de ensino podem facilitar a compreensão da disciplina.
O GLOBO – É importante que o ensino da língua seja feito em conexão com outras disciplinas? Como isso deve ser feito?
ROGER BEARD – A língua é um instrumento central para o aprendizado de muitas outras disciplinas. Aprender a ler e escrever nos permite pensar em pontos importantes para usar informações de forma eficiente e desenvolver a nossa criatividade. Um primeiro passo importante é rever as pesquisas básicas sobre as abordagens de ensino e disciplinas que estão sendo consideradas. Ao fazer isso, as colaborações entre escolas e universidades podem ser muito produtivas.
Neste momento, o Brasil está discutindo a criação de um currículo comum nacional. Como isso pode afetar o ensino da linguagem?
Muitos países têm se beneficiado da fixação de um currículo nacional, incluindo a Inglaterra. Um currículo nacional fornece um ponto de referência comum para escolas e formação de professores. As discussões envolvidas podem ajudar a garantir que haja um melhor conhecimento adequado à idade, com as habilidades e as oportunidades disponibilizadas a todas as crianças e estudantes.
Qual é a relevância da escrita no processo de aprendizagem de línguas?
A escrita permite que as pessoas se comuniquem com outras que estejam separadas pela distância e pelo tempo. Ela torna possível reunir, preservar e transmitir informações amplamente através do papel e da tela. A escrita oferece uma ferramenta poderosa para refinar e estender o conhecimento sobre um tópico. A “escrita na tela” tem um novo imediatismo e uma enorme importância na globalização de empresas, universidades e redes sociais que a internet trouxe.
E qual é a importância da gramática neste contexto?
Apenas ensinar classes de palavras em isolamento pode não ajudar muito os alunos. No entanto, pesquisas recentes na Inglaterra e nos EUA sugerem que o uso de referência gramatical no ensino e na aprendizagem, quando incorporado em tarefas interessantes e comunicativas, podem melhorar a escrita, especialmente na faixa etária de 11 a 15 anos. Estudantes escrevendo (ao contrário do discurso) se dispõem a ler para si mesmos, em um ato de “auto-esclarecimento”. Este processo é susceptível de ser nutrido pela capacidade de um aluno de refletir sobre o uso da linguagem e referir a suas características de forma precisa e inequívoca. A gramática da língua (especialmente na sintaxe) é uma referência essencial neste processo reflexivo.
Existem boas estratégias e técnicas para ensinar a língua?
Pesquisas sugerem que os alunos se beneficiam de professores que sejam esclarecidos sobre o que estão tentando alcançar e mantenham suas práticas de ensino em atualização. Num cenário ideal, pequenos grupos de professores podem apoiar-se mutuamente neste processo. Uma combinação de ensino direto, guiado (grupo) e trabalhos feitos de forma independente por estudantes é muitas vezes mais eficaz no ensino de leitura e da escrita. O feedback regular para os alunos também é importante.
Existem medidas simples que podem ser implementadas imediatamente e fornecer bons resultados?
Uma mudança efetiva leva tempo, mas a criação de um currículo nacional poderia ser um primeiro passo importante. O exame das práticas em países com altos resultados no PISA/PIRLS também pode ajudar. No entanto, as particularidades de cada país devem ser levadas em consideração a partir das diferenças sociais e linguísticas na hora da comparação entre os países. Pesquisas também indicam que o aumento da qualidade dos professores é o fator mais provável de conduzir a ganhos substanciais no desempenho escolar.
Na sua opinião, é a formação de professores a principal ferramenta para uma educação de qualidade. Por quê?
A formação de professores equipa os profissionais com os conhecimentos e habilidades para ensinar de forma eficaz e para atender às necessidades de sua instituição e dos alunos. Qualificações sinalizam o nível de conhecimento e habilidades que são necessárias para trabalhar na educação e influenciar o seu estatuto social. Os sistemas de ensino de maior alcance encontram as pessoas certas para se tornarem professores, desenvolve essas pessoas para que sejam professores efetivos e criam sistemas de apoio para garantir que cada criança seja capaz de se beneficiar de uma excelente instrução.
Quais são as consequências para o futuro dos alunos quando o ensino da língua é pobre?
As implicações econômicas e sociais do ensino de línguas foram enfatizados pelo secretário-geral da OCDE somente no ano passado. Ele escreveu que equipar os jovens com as competências necessárias para atingir seu pleno potencial e, finalmente, alcançar empregos para uma vida melhor, é uma preocupação central das autoridades políticas mundiais. Habilidades capacitam pessoas para enfrentar os desafios da vida cotidiana, ter um bom relacionamento com a tomada de decisões e saber resolver problemas e lidar com eventos inesperados.