A pandemia da Covid evidenciou as muitas desigualdades de nossa sociedade. Como em quase tudo, ao longo de nossa história, os negros são os que mais acumulam desvantagens. Admitidas as desigualdades e as injustiças que se escondem por detrás delas, o desafio consiste em como superá-las. Não existem saídas óbvias, nem fáceis.
Em um post publicado recentemente no blog da consultoria IDados, o pesquisador Guilherme Hirata mostrou a relação entre desempenho escolar, nível socioeconômico e raça: os negros sempre levam a pior em testes de desempenho escolar. Mas a magnitude das desvantagens se deve muito mais às diferenças associadas ao nível socioeconômico (NSE) do que às da cor da pele. São 9,6 pontos de diferença média entre brancos e negros na Prova Brasil de Matemática do 5º ano, sendo 8,1 associados a diferenças do NSE, sobrando apenas 1,5 pontos associados à raça. Vale ressaltar que 9,6 equivale a quase .2 de um desvio-padrão, uma diferença relevante.
Em sua coluna do último dia 16, o jornalista Antônio Gois, reconhecendo a desproporção do impacto dessas duas variáveis – nível socioeconômico e cor da pele, sugere examinar evidências a respeito de intervenções que contribuiriam para reduzir as diferenças unicamente raciais. Por exemplo, um estudo por ele apontado, de autoria de David Quinn (Experimental Evidence on Teacher’s Racial Bias in Student Evaluation: The role of Grading Scales) sugere que uma dentre possíveis estratégias para reduzir desigualdades raciais consistiria em alocar professores negros para alunos negros. Simples e auto-evidente, não parece?
O problema é que não há saídas simples, e muito menos, simplistas. Se olharmos para a floresta brasileira, e não apenas para a árvores, esse tipo de recomendação poderia contribuir para piorar ainda mais o desempenho dos alunos negros. Vejamos os dados.
Dentre os professores da educação básica, 35 a 40% são pretos e pardos, com base em estimativas decorrentes do Censo da Educação Básica. O mesmo Censo informa que 40% dos alunos (todas as escolas) são pretos e pardos, 32% são brancos e 27% sem declaração – possivelmente haverá um contingente maior de pretos e pardos. Aí já temos um primeiro problema para aplicar as soluções indicadas acima. Mas este não é o maior problema.
Um problema maior estaria no impacto que teria uma medida desta natureza. A literatura mostra uma elevada correlação entre a qualidade docente e o desempenho dos alunos. Se observamos a nota média do ENEM de todos os candidatos brancos e negros, ela é de 530,5 e 493,1 – quase 40% de um desvio padrão. Dado que a maioria dos candidatos a cursos de pedagogia se situa no limite inferior da distribuição, é plausível esperar que os professores negros obtenham notas significativamente abaixo dessa média.
Mas os problemas não param por aí. Escolher professores por critérios raciais para ajustar-se ao perfil racial dos alunos pode criar um nível de segregação ainda mais excludente – em países como os Estados Unidos, por exemplo, este seria um sonho de consumo de minorias brancas radicais.
Conclusão: nem tudo que reluz é ouro. Se pode haver vantagem de contar com professores do mesmo grupo racial, especialmente no caso de populações mais desfavorecidas, nem sempre a adoção desse princípio viria a favorecer os alunos, tendo em vista a incidência de outras variáveis – uma delas o nível geral de desempenho acadêmico, que poderia ter um impacto muito maior. E maior ainda se outros cuidados, que não a escolha do professor pela cor da pel, fossem levados em consideração.
De volta ao início: a pandemia expôs algumas de nossas grandes diferenças e injustiças. A busca de soluções eficazes, conforme alerta Simon Schwartzman em recente post no seu blog, tem muita chance de prosperar se pudermos concentrar em soluções viáveis de interesse comum, ao invés de sucumbir à ótica – nem sempre eficaz – das políticas dos direitos e de identidade.
Temos séculos de injustiça para corrigir. Seremos mais eficazes se procurarmos soluções aplicáveis e não apenas politicamente corretas. No momento, o primeiro passo deve ser a reabertura das escolas. Os grupos mais penalizados são os de sempre, dentre os quais a maioria de negros. Quanto mais tempo ficarem fora da escola, maior serão suas perdas.
Por que nossa sociedade – diferente do resto do mundo – reluta tanto em reabrir as escolas?
Post originalmente postado no blog Educação em evidência.