A longo prazo todos estaremos mortos, mas o que importa é como vamos chegar até lá. O que vivemos hoje é consequência de políticas de longo prazo estabelecidas – ou não – no passado. É aí que entra a urgência de políticas para a primeira infância diante do desafio do coronavírus.
Em meio a essa crise, já ouvimos falar em complemento nutricional para os idosos e em distribuição de merenda para alunos das escolas fechadas. Mas ninguém fala da alimentação das gestantes. Em especial, ninguém fala da segurança e proteção alimentar das crianças de zero a seis anos. A maioria das crianças de até 3 anos sequer está matriculada em creches, e essas são as crianças mais vulneráveis da sociedade.
Essa total falta de políticas e de atenção às gestantes e às crianças de zero a seis anos revela uma das distorções da forma de pensar as políticas educacionais no Brasil. Pensamos nas categorias burocráticas de vagas, matrículas, escolas, professores, salários, recursos, etc., mas nos esquecemos de pensar nas pessoas e nos fatores que mais contribuem para o seu sucesso educacional. A boa alimentação na gravidez e nos primeiros anos de vida é crucial. Na prática, é mais importante do que todo o resto.
O que é preciso fazer é sabido – e isso se encontra na alçada dos municípios. Para as grávidas, assegurar a normalidade do atendimento pré-natal, reforçado com medidas de proteção e segurança contra os riscos de contaminação. Além disso, é preciso garantir os nutrientes adequados e reforçar atitudes que as encorajem a proporcionar a amamentação no peito pelo menos até os seis meses. Isso é ainda mais importante nesses tempos de cuidados recobrados com a higiene. Fazendo isso, elas contribuirão para que, a longo prazo, tenhamos crianças mais saudáveis.
Além das grávidas, é necessário garantir alimentação adequada para as crianças, sobretudo para as mais carentes. É preciso assegurar a elas provisão e consumo adequado de energia, proteínas, ferro e vitaminas.
Esse conjunto de cuidados na gravidez e nos primeiros anos afeta o crescimento corporal geral e o crescimento do cérebro. Esses dois fatores, por sua vez, podem impactar a capacidade cognitiva permanente das crianças em muitos pontos, e isso representa uma diferença gigantesca no seu futuro desempenho escolar e ao longo da vida.
O coronavírus passará. Já o que acontece com as crianças agora não passa. Criança não tem voz, não tem voto, é menos vulnerável ao coronavírus – pelo menos pelo que se sabe até aqui. Mas, se queremos assegurar um longo prazo para essas crianças, é preciso agir agora. Daqui a pouco será tarde.
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