O Brasil perde, inúmeras e repetidas vezes, a oportunidade de colocar em curso reformas educativas consistentes. Foi assim com todos os programas de alfabetização criados nas últimas décadas, que seguem ignorando as evidências científicas sobre o assunto. Foi assim também com a Base Nacional Curricular Comum dos ensinos Infantil e Fundamental, que, feita às pressas e sem a devida celeridade, indigna importantes estudiosos do assunto mundo afora.
Agora, a BNCC do ensino médio, entregue na semana passada pelo Ministério da Educação (MEC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE), segue na mesma direção. Se havia alguma esperança nos desavisados de que finalmente a diversificação do currículo entraria definitivamente na pauta do governo, ela foi completamente dissipada nos últimos dias. O Brasil, apesar de sinalizar uma tímida mudança, insiste em um currículo único inchado e academicista, na contramão do mundo desenvolvido.
O assunto é tratado em dois excelentes artigos publicado na imprensa no dia 9 de abril de 2018. O primeiro, do sociólogo Simon Schwartzman, no jornal O Estado de S. Paulo – e replicado em seu blog pessoal. Schwartzamn tece uma análise certeira do documento do MEC: “em resumo, o documento confirma que o Ministério da Educação não ‘comprou’ de fato a ideia da diversificação, que fica assim postergada até que um novo governo, quem sabe, decida aproveitar os espaços criados pela nova legislação, ou encaminhar uma nova, para de fato avançar.”
Há, ainda, a questão das disciplinas. Como pontua Schwartzman, o MEC deliberadamente suspende a divisão do conhecimento em disciplinas e procura substitui-las por uma linguagem formal e abstrata de competências e habilidades – “que pode ser útil em processos muito específicos de treinamento para atividades práticas, mas é muito questionável quando se pretende aplicá-la a processos formativos mais amplos”, escreve.
Na mesma direção aponta o jornalista e colunista do jornal O Globo Antonio Gois, ao lembrar que nem mesmo em sistemas educacionais muito mais desenvolvidos, como é o caso da Finlândia, essa transição se deu forma tão natural e acelerada: “Logo [depois de correr o mundo a notícia de que a Finlândia acabaria com as disciplinas escolares] o Conselho Nacional de Educação daquele país divulgou uma nota alertando que o novo currículo de fato buscava incentivar um trabalho mais interdisciplinar, mas não determinada o fim das disciplinas.”
Gois revista evidências sobre reformas educacionais nos Estados Unidos que sinalizam para o tamanho do desafio brasileiro na implementação de toda a BNCC nos próximos anos: mudanças substanciais só acontecem quando há apoio intensivo aos professores em sua implementação; atacam problemas que educadores entendem como importantes de resolver; e têm apoio popular.
Não parece nada promissor para o Brasil.
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