“A terceira e atual versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não é a que o Brasil precisa, não é a que o Brasil merece e, certamente, não reflete aquilo que a Ciência Cognitiva da Leitura diz sobre alfabetização”. Com esta frase, João Batista Oliveira sintetizou a sua avaliação de como o ensino da leitura e da escrita está abordado no documento que deverá guiar a formulação de currículos em todo o País. Para o presidente do Instituto Alfa e Beto, a Base reflete o pensamento dominante no Brasil a respeito de alfabetização e está em completo desacordo com as evidências científicas.
Oliveira foi um dos palestrantes da 3ª Jornada Internacional da Alfabetização, evento realizado em Natal (RN), entre os dias 7 e 8 de agosto. A Jornada é uma iniciativa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e configura hoje um dos principais espaços acadêmicos para o debate das políticas e práticas de alfabetização no Brasil.
Este ano, o evento contou com o apoio e a participação de diversas instituições e centros de pesquisa, entre eles a Universidade Livre de Bruxelas (ULB), da qual fazem parte José Morais e Regine Kolinsky. Ambos pesquisadores são referências em alfabetização em todo o mundo, tendo colaborado com diferentes governos no desenho de políticas e programas de alfabetização.
Em 2017, a Jornada será realizada em duas edições, uma delas internacional. Além de Natal (RN), a cidade portuguesa de Braga receberá o evento entre os dias 4 e 5 de setembro. Braga abriga a Universidade do Minho, que será palco de palestras, mesas redondas, workshops e minicursos. O presidente do Instituto Alfa e Beto foi convidado pela organização do evento para levar a Portugal sua avaliação da BNCC, bem como uma comparação do documento com o currículo português.
Em Natal, Oliveira disse que a versão atual da Base Nacional traz avanços em relação aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e às propostas que o Ministério da Educação (MEC) desenvolveu nos últimos 20 anos. No entanto, contém impropriedades, erros e omissões graves. Para Oliveira, a proposta de alfabetização é a parte mais amadorística da BNCC.
Uma das fragilidades está na definição do que seja alfabetizar. “O problema é que em nenhuma das versões apresentadas há uma definição clara do que seja alfabetizar ou do conjunto de habilidades estritamente relacionadas ao processo de alfabetizar – habilidades necessárias para permitir o domínio do código alfabético”, disse.
De acordo com o especialista, as versões apresentam diferenças de estrutura e sistematização, mas elas guardam em comum um conjunto de conceitos que implicam a dificuldade nacional de lidar com o conceito de alfabetização. Segundo a Ciência Cognitiva da Leitura, paradigma científico predominante atualmente, alfabetizar significa dominar o código alfabético, ou seja, usar conhecimentos sobre as correspondências entre fonemas e grafemas para extrair o som e o sentido da palavra.
Outro aspecto que está em desacordo com a ciência é o tempo estabelecido para a alfabetização. Comparando o nível de dificuldade de outros países, muitos pesquisadores garantem que é possível alfabetizar as crianças brasileiras em um ano letivo, portanto, aos 6 anos de idade, que corresponde ao 1º ano da escolarização formal. No entanto, a Base Nacional – e outras políticas públicas, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) – preveem que o processo de alfabetização se dê ao longo dos três primeiros anos escolares.
“Isso é uma espécie de dogma nacional. No Brasil, é necessário, suficiente e adequado que qualquer coisa que se chame de processo de alfabetização seja realizada ao longo de três anos. Há um consenso sobre isso que não se discute”, disse Oliveira. “É uma teologia que vigora e que, a meu ver, não combina muito com as evidências empíricas que existem sobre essa questão”.
Por fim, é possível dizer que a alfabetização é tratada sob a ótica construtivista na BNCC. É impossível ignorar que o construtivismo epistemológico é uma ideia superada pela ciência, especialmente pela neurociência. E o construtivismo pedagógico é superado pelas evidências, em todo o mundo. “O documento mostra como a alfabetização é pensada no Brasil, e como pensam as pessoas que dominam as políticas públicas”.
A avaliação do presidente do Instituto Alfa e Beto foi acolhida pela plateia da Jornada, o que sinaliza que há hoje no País indivíduos e núcleos pensantes interessados em analisar a questão da alfabetização a partir do prisma da ciência.
A coordenadora da Jornada, Angela Chuvas Naschold, da UFRN, fez uma reflexão após a fala de Oliveira, reiterando os termos por ele usados e conclamando os cientistas da área a se debruçarem com mais atenção sobre a questão da Base Nacional Curricular Comum.
Metodologia
Além das questões estritamente relacionadas à alfabetização, há problemas que permeiam toda a elaboração da BNCC. Um deles diz respeito à maneira como foi construído o documento.
“Não é assim que se faz no resto do mundo. É preciso haver pessoas, nomes, responsáveis, debates diretos. Consulta pública e votos da arquibancada não valem nesse tipo de assunto. Há um processo, uma liturgia. Sem isso, a instituição fica enfraquecida”, disse o presidente do Instituto Alfa e Beto, que, desde o início, se colocou como uma voz crítica à metodologia utilizada pelo MEC.
Aqui no site do Instituto Alfa e Beto, é possível resgatar uma série de artigos que discutem a BNCC.