O presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Araújo e Oliveira, foi o convidado do Senador Cristovam Buarque (DF) para coordenar a audiência pública realizada nesta quarta-feira (30) na Comissão da Educação do Senado, sobre os 20 anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Ele introduziu um novo formato para a audiência, visando proporcionar um debate efetivo de ideias e a interação entre os participantes, no lugar de apenas a exposição individual de praxe.
“O modelo é estimulante, é a primeira vez que fizemos uma audiência pública assim e está mais do que aprovado”, atestou o senador. Ele presidiu a audiência, cujo objetivo era debater propostas de aperfeiçoamento e inovação para a LDB que contou também com a participação dos professores Carlos Sávio G. Teixeira, da Universidade Federal Fluminense, e Ademir Almagro, da rede municipal de Novo Horizonte, de São Paulo, além do consultor legislativo Marcelo Lucio Ottoni de Castro.
O senador Cristovam Buarque destacou que é necessário, além de renovar a LDB, ao mesmo tempo investir em ações externas à legislação. “A LDB não pode nos amarrar totalmente, precisamos combinar reformas e avanços”, afirmou. Ele também criticou o fato de o debate em torno da educação no Brasil estar muito preso à questão dos recursos. “Nunca vi ninguém perguntar o que podemos fazer com os recursos que temos hoje – cerca de R$ 6 mil por aluno. Precisaríamos de R$ 10 mil, numa situação ideal, mas porque não debatermos o que dá para fazer melhor com o que já temos? Por exemplo, detectando os vazamentos desses recursos, pois o dinheiro que estamos gastando não chega aos alunos, às salas de aula”.
João Batista distribuiu o debate em blocos, cada um com temas e questionamentos diferentes sobre a LDB, sempre respondidos pelos três convidados e depois comentados pelo senador Cristovam.
“Temos uma lei que está em vigor há 20 anos mas que vem sendo incessantemente alterada. Que avançou sobre a lei anterior mas não foi suficiente para beneficiar quem mais precisa dela – o aluno. Que não incorporou as mudanças velozes por que passou o mundo nessas duas décadas”, resumiu. O primeiro bloco propôs, então, que cada convidado apontasse avanços e falhas na LDB sob essa perspectiva, com sugestões para adequar a lei às novas demandas que os tempos atuais exigem. O objetivo era definir que pontos centrais a lei deve manter e quais deve extinguir, numa reflexão sobre o que a LDB precisa para ser realmente eficaz a quem, de fato, deve atender: alunos e a sociedade.
Avanços insuficientes
O professor Ademir Almagro destacou que, com a LDB, houve avanços como o aumento dos recursos para a educação, a exigência de cursos universitários para os professores e a inclusão da educação infantil no sistema. Mas foram insuficientes diante das enormes e complexas necessidades da educação no Brasil. “Estamos agindo só no emergencial e nada é feito no estrutural”, apontou.
Para Almagro, o primeiro ponto de uma legislação é ser realista, analisando as questões a partir da sala de aula. Há uma distância gigantesca entre a elaboração da lei e a sua prática, na realidade cotidiana dos alunos e professores nas escolas. “O Brasil tem poucos mas belíssimos exemplos de educação que funcionam, como o de Sobral, no Ceará, que em 15 anos consegue um IDEB de 6.8 – por que não usar essas ideias que deram certo? Elas mostram que é possível fazer diferente e melhor. Por que não trazermos as principais diretrizes dos modelos que funcionam para a LDB?”
Ele também criticou a proposta de se contratar profissionais com notório saber, sem a formação em licenciatura, para resolver a falta de professores em algumas disciplinas. “Ao invés de corrigir o erro, estaremos reforçando-o com um paliativo. Que os legisladores façam o inverso: ouçam a sala de aula e depois façam as leis”, propôs.
Já o professor Carlos Teixeira afirmou que a desigualdade social embutida na federação brasileira está no topo dos problemas do setor. “É chocante que diante desse enorme desequilíbrio regional nenhum governo tenha debatido a questão, nem mesmo os de cunho social deram a menor atenção. Na LDB, apenas duas tentativas nesse sentido foram feitas, em 2003 e 2009, sem nenhum resultado”.
“Sem o equacionamento das desigualdades regionais não avançaremos na educação no Brasil, pois todas as demais iniciativas são prejudicadas por isso. A questão estrutural, que é fundamental para evoluirmos, está diretamente ligada às diferenças entre as regiões”.
Teixeira também sugere que é extremamente necessário se criar uma espécie de tutela para monitorar e intervir nos sistemas educacionais que ficam sistematicamente abaixo dos padrões mínimos aceitáveis, prejudicando gerações de estudantes. “Só há punição hoje quando se constata a corrupção, mas o problema sistêmico na educação brasileira é a incompetência. Precisamos de uma intervenção saneadora nesses casos, a fim de virar o foco da quantidade para o da qualidade na educação – afirmou.
O consultor Marcelo de Castro também destacou como avanço da LDB em 20 anos a integração da educação infantil ao sistema educacional, “até então tratada como assistência social”. Porém, ele insistiu que os marcos constitucionais criaram muitas dificuldades para a implantação da lei ao se tentar regulamentar quem faria o quê das normas desenhadas por ela – se os municípios, os estados ou a União. “Essa é uma limitação séria que engessa a aplicação da lei, é preciso estimular ao máximo a colaboração entre as diferentes esferas de governo, sem o que qualquer projeto na área fica inviabilizado”, alertou.
Para Castro, outro cuidado necessário é com a síndrome das quantidades, pois não adianta o legislador incluir cada vez mais disciplinas no currículo e nem aumentar a carga horária como solução ao que está ruim. “Os professores não estão preparados para abranger tantas e tão variadas cargas, há pouca coesão entre as disciplinas propostas e os alunos podem ficar ainda mais desestimulados; o risco é aumentarmos o nível de evasão escolar”, ponderou.
Resultados
Segundo João Batista, as respostas indicaram que a lei não está atendendo a questões básicas e centrais da educação no Brasil, como as do financiamento, currículo escolar (nas dimensões nacional e regional/local), formação e remuneração de professores e a criação de um sistema e organismos confiáveis de avaliação da aprendizagem. Por outro lado, a LDB estimula o detalhismo infinito ao permitir alterações constantes em seu texto, além de não estabelecer limites para a realização de seus preceitos.
“Ou seja, é omissa e falha no que deveria ter como alicerces e excessiva no que não deveria conter”, resumiu. “Faltam ideias claras sobre os rumos da educação no Brasil, lideranças para difundi-las junto à sociedade, instituições fortes de avaliação da aprendizagem – falta, sobretudo, um saber olhar para a sala de aula”.
Para o presidente do Instituto Alfa e Beto, é preciso abrir espaços para começar a fazer a educação bem feita, na prática, ao invés de só se priorizar regular o setor. “Incentivar inovações que já foram testadas e bem avaliadas no país e considerar as evidências científicas, o elevado grau de conhecimento que foi desenvolvido na área nas últimas décadas no mundo todo. Não podemos querer melhorar uma lei sem levar isso em conta”, concluiu.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado