Embora a expectativa de vida dos brasileiros tenha aumentado nos últimos anos, as pessoas que vivem em condição de pobreza têm menos chance de viver até os 73 anos de idade do que a faixa da população mais rica. O dinheiro pode ser uma das principais explicações dessa diferença, mas não a única, segundo as evidências científicas.
De acordo com o pesquisador Michael Marmot, professor da Universidade de Londres (Inglaterra) e atual presidente da Associação Médica Mundial, mesmo em áreas mais pobres de uma cidade, a expectativa de vida da população pode ser maior dependendo dos estímulos que as crianças recebem em casa na fase mais sensível de seu desenvolvimento, que são os primeiros anos vida – ou Primeira Infância, como é conhecido esse período.
Marmot é um dos especialistas que estuda as diferenças de qualidade de vida e saúde entre populações pobres e ricas. Em artigo para a revista Scientific American, ele apontou diversas evidências mostrando que os cuidados parentais na Primeira Infância têm grande influência no perfil de saúde das pessoas. Em resumo: crianças, mesmo as mais pobres, têm as chances de ter melhor sucesso escolar, melhor saúde e melhores condições no futuro se receberem os incentivos adequados de seus pais logo no início da vida, especialmente no período entre o nascimento e os seis anos de idade.
Segundo o pesquisador, conversar com bebês e crianças pequenas (mesmo quando elas ainda não falam) e demonstrar carinho em seu cuidado diário são ações que podem, no futuro, fazer com que eles vivam mais. A falta desses cuidados, diz ele, pode explicar até um terço dos problemas de linguagem das crianças, bem como dificuldades socioemocionais.
Os dados mostram que se todas as crianças recebessem influências positivas da família, incluindo aqui o incentivo à leitura desde o berço, a expectativa de vida da população aumentaria no longo prazo – mesmo para pessoas de níveis socioeconômicos mais baixos.
Um dos exemplos apontados pelo pesquisador é um projeto realizado na cidade inglesa de Birmingham. Em 2007, a porcentagem de crianças de até cinco anos de idade com bom desempenho cognitivo, social e de comportamento era 6% menor no que a do restante da Inglaterra. A partir dessa mensuração, um programa de atendimento aos pais que os ensinava ler, cantar e conversar com seus bebês foi implementado. Três anos após a aplicação do programa uma nova mensuração foi feita e a cidade conseguiu atingir as médias do restante do país.
Programa semelhante foi implantado nos Estados Unidos, com resultados igualmente positivos. Já na América Latina, países como Cuba, Chile e Costa Rica possuem o maior número de crianças em programas de cuidados infantis ou pré-escola, e também registram as melhores performances em Matemática e Leitura ao final da primeira etapa do Ensino Fundamental. Ao mesmo tempo, aponta Marmot, esses são exatamente os países que apresentam maior expectativa de vida na região.
Aqui no Brasil, particularmente, um dos projetos de cuidado na Primeira Infância que tem ganhado mais destaque é o programa Nova Semente, implementado pela prefeitura de Petrolina (PE) em parceria com o Instituto Alfa e Beto. Após cinco anos de projeto, as expectativas das famílias atendidas aumentaram (clique aqui para saber mais) e, como consequência, a parceira foi ampliado para outro programa, o Anjo da Guarda, que oferece assistência pré-natal e após ao parto para ensinar às futuras mamães as melhores maneiras de incentivar o desenvolvimento de seus filhos – a exemplo do que acontece em Boa Vista (RR), no programa Família Que Acolhe (FQA), que tem o Instituto Alfa e Beto como parceiro.
Outras iniciativas reconhecidas são o Programa Primeira Infância Melhor (PIM), desenvolvido no Rio Grande do Sul, e o Programa Primeiríssima Infância, desenvolvido em diversos pontos do Brasil pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV).
As evidências ao redor do mundo mostram que experiências que envolvem o treinamento dos pais são uma medida essencial para melhorar o desenvolvimento infantil e da educação. O pesquisador da Universidade de Londres conclui seu artigo mostrando que esse tipo de programa torna mais difícil culpar um adulto pobre por sua pobreza ou por problemas de saúde, pois garantem recursos para intervenções precoces. E, como a ciência tem mostrado, garantir cuidados na infância beneficia toda a sociedade.